Dia do Pai: Carlos Nascimento e a missão de assegurar o estudo dos filhos

O vendedor ambulante percorre todos os dias um trajeto que vai de Taibessi a Fatuhada, com a obrigação de conseguir dinheiro para pagar os estudos dos filhos/Foto: Diligente

Para o futuro, o seu único objetivo é garantir que os descendentes tenham uma vida melhor do que ele, por isso, luta para que nada lhes falte e todos possam estudar – oportunidade que não teve.

Na data em que se comemora o Dia do Pai, 19 de março, o Diligente conversou com um vendedor ambulante, pai de seis filhos, dos quais cinco ainda estão à sua responsabilidade, para saber como é o seu quotidiano. Numa tarde de segunda-feira, depois de almoçar, Carlos Nascimento, 62 anos, natural de Remexio, em Aileu, partilhou a sua história.

Todos os dias sem exceção, às 4h da manhã, levanta-se da sua “cama” feita de lona para mais um dia de trabalho. Dorme no chão do mercado de Taibessi, em Díli, onde compra os produtos que depois revende pelas ruas da capital. Tem uma irmã que vive em Manleuana, mas prefere dormir no mercado para conseguir escolher a melhor fruta local que vem de Ermera, Same e Aileu – desta forma, adquirindo diretamente dos vendedores, também economiza dinheiro.

Vende bananas, pois são produtos que melhor aguentam um dia inteiro sem necessitarem de água. Normalmente, o idoso compra um cacho de bananas por um ou 1,50 dólares, dependendo da espécie. Consegue tirar uma margem de lucro de 50 centavos a um dólar por cacho. Nos dias bons, chega a lucrar 15 dólares – mas, muitas vezes, não alcança este objetivo, principalmente em ocasiões de chuva.

Pendura os ramos, usando cordas de rafia como conectores, nas pontas de um pau de cerca de dois metros. Por serem pesados, cada ponta suporta menos de 10 cachos de banana. Com o pau aos ombros e mochila às costas, Carlos Nascimento, tal como outros vendedores ambulantes, percorre as principais ruas de Díli, à procura de clientes. Faz o trajeto de Taibessi a Fatuhada, com o dever de conseguir dinheiro para pagar o estudo dos filhos.

Ao meio-dia, para num restaurante em Bebora para descansar e almoçar. Coloca o suporte de madeira num galho de uma árvore à frente do edifício e senta-se na varanda. Compra o seu próprio almoço, mas não raras vezes, clientes oferecem-lhe comida. Uma funcionária do estabelecimento testemunhou jovens, aparentemente funcionários públicos, a dar algum dinheiro ao idoso.

Não demora muito tempo a comer e a descansar. O peso da vida obriga-o a voltar à rua assim que possível. Valoriza cada minuto tanto quanto valoriza cada grão de arroz no seu prato, evitando desperdícios.

Foi o que aconteceu quando o Diligente pediu para o entrevistar. “Pode encurtar esta entrevista, por favor, preciso de vender bananas, caso contrário, não terei lucro”, solicitou, a meio da conversa, enquanto bebia o resto de água fria.

Carlos Nascimento anda de um lado para o outro até perto das 20h, quando volta ao mercado para repousar em cima da lona no chão do mercado. “A minha vida tem de ser assim, porque as crianças ainda estão na escola”, disse, tirando um cigarro do bolso e acendendo-o. Algumas vezes, duas filhas vão visitá-lo ao mercado, essencialmente para receberem dinheiro para alimentação e transporte.

Também compra, de duas em duas semanas, arroz e outro tipo de comida que não se consegue arranjar no município para levar aos três filhos, que vivem com a mãe em Aileu. As outras três filhas residem em Díli. Carlos Nascimento passa poucos dias na sua casa na montanha, porque precisa de regressar à capital para sustentar a família.

É vendedor ambulante desde jovem, quando decidiu “seguir as pisadas” do pai. Na infância ainda no tempo português, Carlos Nascimento era como tantas outras crianças que viviam na montanha e ajudava os pais no campo para terem comida para o dia a dia.

Por falta de capacidade financeira da família, o pequeno Carlos apenas estudou até à segunda classe e não conseguiu aprender a ler e a escrever.

Para o futuro, o seu único objetivo é garantir que os filhos tenham uma vida melhor do que ele, por isso, luta para que nada lhes falte e todos possam estudar.

A primeira descendente já é casada e mora em Bidau, em Díli, acomodando as duas irmãs mais novas, que andam no ensino superior e secundário na capital. O vendedor ambulante confidenciou que uma outra razão para não dormir na casa da filha tem a ver com a intenção de “não a sobrecarregar”.

Sendo a filha mais velha e tendo a sua própria família, é uma fonte de esperança para Carlos Nascimento. Quando tem dinheiro, ajuda-o, e ele junta ao que ganha para pagar as propinas dos mais novos.

A segunda filha tem 18 anos e está no primeiro ano no ensino superior Cristal, um instituto privado. De acordo com o pai, paga 300 dólares por semestre, 10 vezes mais do que as propinas na Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), que é pública.

Questionado sobre o porquê de frequentar um estabelecimento privado, o pai limitou-se a dizer que “é o que temos e o futuro é que importa”. Para entrar na UNTL, os finalistas do ensino secundário devem passar num exame de admissão e muitos não conseguem.

O terceiro filho não frequenta a escola por ter uma deficiência física: não consegue ouvir nem falar, e vive em Aileu com a mãe. Os pais não sabem como o ajudar.

Já a quarta filha anda na escola secundária Nobel da Paz, em Díli. Mesmo sendo uma unidade de ensino gratuita, o pai explicou que é preciso disponibilizar pelo menos 30 dólares mensais para responder às necessidades da criança. Os dois filhos mais novos estudam no ensino primário em Remexio, Aileu.

Tendo cinco filhos ainda à sua responsabilidade, o idoso aguenta o calor de Díli, levando os produtos pela cidade, e suporta o frio das noites, dormindo apenas em cima de uma lona dentro do mercado: o que o move é a determinação em ajudar a família. Apesar da rotina árdua, o vendedor ambulante, quando questionado, não reclama da vida. Sério, responde apenas que procura viver o dia a dia, da forma que melhor consegue – ou conhece.

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  1. Depois de enxugar as lagrimas e de me recompor, aqui vai um poema para o Carlos Nascimento, Feliz Dia do Pai!

    O meu verdadeiro Nobel da Paz!

    O meu verdadeiro Nobel da Paz
    E humilde, trabalhador, bom rapaz
    Caminha todos dias pra frente e pra traz
    Exemplo de fraternidade este capataz
    O que todos dias faz
    Eu nao era capaz
    Longa caminhada para tao irrisorio cabaz
    Que tao bom exemplo das
    O meu verdadeiro Nobel da Paz!

    Ze Kabutek
    Pueta de TL

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