Dia de Finados: entre a crença ancestral e a fé católica, homenageia-se os que partiram

Cemitérios ficam cheios no Dia dos mortos/Foto: Diligente

Em Timor-Leste, para muitas pessoas, a celebração do Dia dos Mortos começa já na data anterior à visita aos cemitérios, com um ritual entre familiares nas casas sagradas. Alguns cidadãos creem que, se determinados ritos não forem seguidos, podem ser vítimas de maldições.

O Dia de Finados, assinalado a 2 de novembro, é mais conhecido, em Timor-Leste, por Loron Matebian (Dia dos Mortos, em português). É uma oportunidade para homenagear os falecidos, através de orações e rituais.

No país, algumas famílias ainda celebram o Loron Matebian como manda a tradição: em comunidade e seguindo determinadas formalidades.

Na noite anterior (dia 1), os familiares juntam-se nas casas sagradas, onde se procede a uma cerimónia liderada pelos “tios”, como são respeitosamente chamados os chefes das famílias timorenses.

Os homens sentam-se à volta do luhu (cesto feito de folhas de palmeira para colocar areca, bétel, cal e tabaco) e partilham histórias engraçadas sobre os falecidos. Já as mulheres, são as responsáveis por espalhar flores e velas, meticulosamente organizadas, pelo ambiente. O momento também é aproveitado para se pedir proteção aos antepassados.

Para o ritual, são utilizados ainda alguns animais sacrificados no dia, como galos, búfalos, porcos e cabritos. “Temos de ter carne, porque é um hábito familiar. Não nos podemos reunir sem carne”, afirmou Miquelina Neves, 68 anos, dona de casa.

Na cerimónia de confraternização, ouve-se a voz do lia na’in (dono da palavra, em português) a dar as boas-vindas aos vivos e a pedir licença aos falecidos, pois, segundo a crença, os mortos estão presentes espiritualmente. “Quando vemos insetos na noite de 1 de novembro, acreditamos que são os nossos defuntos”, contou Miquelina Neves.

Orientadas pelo lia na’in, as mulheres servem a comida e a bebida aos mortos. Alguns agrupamentos familiares preferem deixar apenas um prato com comida, em representação de todos os que já partiram. Reza a lenda que, só depois de a comida arrefecer, é que os familiares podem comer, pois supostamente, se os vivos não oferecessem alimentos, os espíritos iriam amaldiçoá-los.

“Este ritual tem a ver com a nossa cultura e religião. Fisicamente, os falecidos já se perderam, mas estamos juntos em alma”, salientou Miquelina Neves. No dia seguinte, todos devem ir ao cemitério homenagear os entes falecidos, caso contrário, podem ser alvo de maldições.

Apesar de muitos dos timorenses seguirem a mesma tradição que a senhora de Laclubar, alguns são céticos, como é o caso de Nívia dos Santos, natural de Lospalos.

“Eu respeito, mas não acredito nesta crença, uma vez que já não vou ao cemitério há quatro anos seguidos e nunca me aconteceu nada de mal. Na minha opinião, os falecidos não exigem aquilo que os seus familiares lhes oferecem. Estão mortos”, defendeu Nívia dos Santos.

Cemitérios coloridos

Quem passa pelos cemitérios, a partir do dia 28 de outubro, não fica indiferente à limpeza das campas. Os familiares consideram que as sepulturas são as últimas casas, por isso devem limpá-las para que os falecidos fiquem em sítios asseados. “É como cuidar da nossa casa.  Os defuntos precisam de dormir em lugares purificados”, afirmou Audia Ernestina Ferreira, 32 anos, habitante do posto administrativo de Venilale, em Baucau.

No dia 2 de novembro, normalmente, as idas aos cemitérios acontecem à tarde, dado que os familiares acreditam que os mortos acordam aquando do pôr do sol. Se forem num horário diferente, o dono da palavra terá de pedir desculpa aos defuntos por perturbar o seu descanso.

A caminho do cemitério, a entoar orações e cânticos católicos, mulheres e homens transportam oferendas para os falecidos. As mulheres levam nas mãos cestas de flores e velas. Areca, bétel, cal, cigarros e bebidas alcoólicas são transportados pelos homens, uma vez que, de acordo com a cultura, só os cidadãos podem embriagar-se. Em algumas zonas do país, os familiares também levam comida para o cemitério.

À porta do sepulcrário, os parentes que usam chapéu, tiram-no como forma de deferência. Depois, cada um vai beijar as sepulturas, abraçar a cruz e colocar a mão nas campas e em seguida no peito, gesto que simboliza respeito pelos defuntos.

O lia na’in faz uma reza para pedir a bênção e proteção dos mortos. Após a fala do dono da palavra, um representante dirige as orações católicas para que “as almas possam fazer parte do reino de Deus”.

Findo o burburinho repetido à exaustão “avôs, tulun ami ou kuidadu nafatin ami” (avós, ajudem-nos ou cuidem de nós, em português), é chegado o momento de colocar as flores e acender as velas. Campas no chão, outras feitas de cimento e revestidas de azulejos coloridos, jazigos decorados com anjos e crucifixos, todas, sem exceção, cobrem-se de cor e de luz.

Antes de voltarem para casa, uns ficam embriagados, outros de barriga cheia. Alguns ainda, com o sorriso vermelho manchado pela masca, ficam felizes, mesmo sem terem recebido um sinal que lhes garanta que as suas preces foram ouvidas e serão atendidas pelos mortos.

 

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  1. Respeito profundamente esta culture e tradicao mas sinceramente nao acredito nesses rituais porque uma vez mortos, eles so precisam de missas e oracoes e nada mais. Mas Ter as campas decoradas com Flores e velas costumo pratica-las todos ia anos.

  2. Como disse D. Jose Hermenegildo da Costa a um dos governadores da altura; “deixemos os mortos em paz, vamos mas e tratar dos vivos”. E ha tantos vivos que necessitam de atencao, especialmente as criancas.
    Mas que dizer tao sabio do ja defunto liurau de Oecusse!

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