Desafiando dificuldades, grupos de teatro timorenses levam diversão e crítica social ao público

Apresentação teatral do grupo Rebenta sobre a promoção da paz e o acesso às eleições legislativas de 2023, em Viqueque/Foto: DR

Embora pouco reconhecidos em Timor-Leste, os grupos de teatro resistem à falta de apoio do Estado e esforçam-se para que os sonhos mantenham vivos.

O teatro é uma das manifestações artísticas mais completas, uma vez que as histórias são contadas no palco, diretamente para o público, sem edição, cortes ou repetições. Tudo acontece ali, naquele momento. Pela imediatez no contacto com a audiência, o teatro revela-se como um instrumento poderoso de comunicação, tanto para a diversão como para o pensamento crítico.

Historicamente, as peças de teatro com mensagens políticas e sociais, diretas ou disfarçadas para escapar à censura, têm sido importantes para chamar a atenção para a desigualdade, o preconceito, a discriminação ou a corrupção.

Em Timor-Leste, as manifestações teatrais têm ganho força nos últimos anos. Destacam-se no país diversos grupos profissionais e amadores, entre eles o Teatro Filteda, com sede em Baucau, e o Rebenta, de Díli.

Adelina Martinha Freitas, 36 anos, fundadora do Rebenta, é hoje a realizadora e atriz deste grupo amador, criado em 2011. Começaram com 11 atores e atrizes, sem qualquer experiência, mas com muita vontade de “rebentar ou quebrar” os preconceitos que agravam os problemas sociais em Timor-Leste – daí o nome do coletivo.

A fundadora defende que o teatro é uma arte que pode retratar experiências vividas e propor reflexões sobre estas questões. Na sua trajetória, o grupo já atuou em quase todos os municípios do país.

Entre os temas que motivam as peças do Rebenta, destacam-se o assédio sexual; discriminação de grupos vulneráveis; suicídio; casamento precoce; abandono dos bebés; migração para a capital, entre tantos outros assuntos que fazem o público pensar sobre a realidade no país.

“Ao apresentar situações reais, que acontecem no quotidiano, as pessoas pensam como agiriam se estivessem perante o mesmo problema”, reforçou Adelina.

Rebenta incorpora o teatro satírico na maioria das apresentações do grupo. É estilo que utiliza o humor como meio para lançar críticas.

Adelina lamenta que o grupo não tenha um local adequado para ensaiar, nem para apresentar as peças. Assim, sempre que são convidados para atuar, utilizam as instalações da Universidade Nacional Timor-Lorosa’e (UNTL), o Jardim Borja da Costa, no Farol, ou a casa de qualquer um dos membros que estiver disponível.

A jovem, que também é professora no Departamento de Comunicação Social da UNTL, tem conseguido estabelecer parcerias com algumas instituições internacionais, como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF, em inglês) e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, em inglês). Essas parcerias consistem em apoios financeiros, que dependem da peça.

Um dos elementos do grupo Rebenta é Ivónia Silva, 25 anos. Ao Diligente, a estudante de Comunicação Social admitiu que o teatro a fez deixar de ser uma pessoa tímida. “Graças ao teatro, hoje em dia tenho abertura para me apresentar em público. Consigo improvisar quando estou em palco”, contou.

A universitária, que se começou a envolver com a arte cénica em 2019, também considera o teatro a combinação perfeita entre educação social e o entretenimento, que lhe permite, ao mesmo tempo, divertir e consciencializar as pessoas sobre o que acontece na sociedade.

Do lado do público, Rizánia Madalena, funcionária, 27 anos, diz que, sempre que vai ao teatro, se diverte e se educa. Uma vez, conta, assistiu a um espetáculo sobre violência doméstica e ficou a saber que qualquer cidadão pode apresentar queixa na polícia, quando assiste a uma situação dessas, mesmo que seja um problema alheio.

“Espero que haja cada vez mais peças de teatro. Sempre que vou, aprendo algo que não sabia. E passo um bom tempo”, afirmou.

O teatro em Timor-Leste: diferentes abordagens, a mesma missão

Para desenvolver o teatro em Timor-Leste, Silvano Rodrigues Xavier, 40 anos, fundador do Teatro Filteda (Filme e Tebedai), acredita que se deve apostar na formação de jovens, em especial daqueles que demonstram interesse ou talento natural em atuar nos palcos. O fundador do grupo, criado em 2018, acredita que o teatro é muito importante por ser uma arte que pode mudar mentalidades.

O Teatro Filteda aposta numa abordagem mais próxima ao drama e conta com 21 membros permanentes/Foto: Teatro Filteda, de Baucau

Silvano, que estudou Radiodifusão e Cinema na Indonésia, opta sempre pelo método académico. Para o artista, a formação de atores não passa só pelo palco, mas também pelo estudo básico do teatro.  O experiente ator acredita que só através da formação e treino é que se pode entender melhor o verdadeiro significado de atuar e, assim, transmitir as mensagens ao público.

Em termos de estilo, o Teatro Filteda opta pelo conceito do dramaturgo brasileiro Augusto Boal, chamado Fórum Teatro. É um estilo que se baseia no levantamento de questões que surgem nos bairros, sucos ou municípios para depois apresentar as peças nessas mesmas áreas. As encenações, muito reais, aproximam-se do género do drama.

Silvano dá o exemplo dos últimos meses, em que apresentaram uma peça em Ermera, sobre os benefícios da educação pré-escolar. Já em Baucau, os temas foram o combate ao assédio sexual, a violência doméstica e a promoção da igualdade de género.

O grupo conta com 21 membros permanentes, que fazem do teatro a sua atividade profissional. Essas pessoas têm ensaios e formações regulares na sede e são remuneradas, quando participam em alguma apresentação. Sempre que há necessidade de recrutar novos membros, o Teatro Filteda conta com os estudantes do Instituto Católico para Formação de Professores (ICFP), em Baucau.

Já no grupo Rebenta, a fundadora aposta numa abordagem mais informal com os atores. Quando querem apresentar uma peça, se necessário, é feita uma seleção de candidatos para cada um dos papéis. Escolhas feitas, iniciam-se os ensaios, fase em que as personagens vão sendo orientadas de um modo descontraído.

Além dos esforços para que haja impacto na sociedade timorense, os fundadores e atores também estão unidos quando o assunto é a falta de investimento público em Cultura. “O Estado não reconhece ou não dá ainda importância ao teatro”, disse Adelina Martinha Freitas.

Para melhorar as condições dos grupos timorenses, a fundadora do grupo Rebenta sugere ao Governo que faça um levantamento das entidades que promovem a arte em Timor-Leste e crie ferramentas para apoiar a Cultura.

Silvano, por sua vez, avalia mesmo que houve uma regressão. O dramaturgo recorda que, em anos anteriores, o Estado dava mais destaque ao teatro. “Antes, o Governo promovia a participação de atores de Timor-Leste em peças apresentadas no Brasil e em Portugal. Nos últimos tempos, só convidam os grupos de danças culturais para atuar no estrangeiro”, observou.

Apelando a um lado mais profissionalizante da atividade, Silvano diz que os fundadores e os atores devem lutar para que o teatro seja encarado como uma profissão.

Para isso, o grupo mantém o sonho de se tornar numa academia de arte em Timor-Leste para poder espalhar os valores do teatro por todos os municípios e, assim, deixá-lo cada vez mais vivo.

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