Crianças envolvidas em conflitos: culpa da família, comunidade e Estado

O ambiente social conflituoso pode ter um impacto negativo tanto na aprendizagem como no comportamento futuro da criança/Foto: Getty Images

Se continuarmos na ignorância de educar as crianças com base em comportamentos violentos, será difícil alcançar a paz no nosso país.

O conflito é uma lição negativa que nós, adultos, muitas vezes, impomos às crianças. O cérebro das crianças pequenas é facilmente moldado para captar os atos que os adultos praticam, tornando-se assim um fator determinante para o seu futuro. Se os adultos transmitem atos violentos, estão, sem dúvida, a criar um mundo violento para as crianças absorverem. Elas repetirão esses comportamentos no seu dia a dia, o que resultará em uma sociedade não saudável, marcada pela violência.

Dos 13 aos16 anos, uma fase em que os adolescentes começam a formar a sua própria visão ou ideal sobre a vida, a maioria das crianças em Timor-Leste, pelo contrário, tem uma tendência para a prática de ações violentas, resultado do ensino transmitido por comportamentos agressivos.

Um dos fatores que interfere no desenvolvimento das crianças são as suas funções executivas e afetivas. As funções executivas como a aprendizagem, a memória de trabalho, a atenção, a resolução de problemas; e as funções afetivas como a emoção, os sentimentos e os comportamentos. Na parte executiva, destaco a importância do foco na aprendizagem, pois a aprendizagem absorve memória de trabalho e atenção.

No processo de aprendizagem, acumulamos muitos hábitos que estão relacionados com funções afetivas. Para desenvolver hábitos saudáveis, é necessário que as crianças criem uma rotina saudável, o que ajuda no desenvolvimento da memória de trabalho e atenção. Portanto, quando uma criança cresce em um ambiente ou sociedade que não apoia as suas funções executivas e afetivas, ela pode ter dificuldades em se tornar um jovem capaz de resolver problemas sem recorrer à violência ou a atos agressivos.

Neste contexto, o comportamento das crianças não é saudável devido a vários fatores, como a aprendizagem que pode ser lenta ou não acompanhar as etapas de desenvolvimento, o comportamento não ser normal para a idade, e não estou a generalizar e a dizer que todas as crianças não aprendem, mas sim que o ambiente social conflituoso pode ter um impacto negativo tanto na aprendizagem como no comportamento futuro.

O problema social é evidente, e no futuro das crianças podemos observar isso claramente. Um relatório da UNICEF, de 2019, sobre a realidade em Timor-Leste, mostrou que a maioria das crianças não frequenta a escola. Um em cada 40 estudantes abandona a escola no ensino primário, e 49% das crianças não estão inscritas no ensino secundário. No total, 59,1% das crianças de 0 a 18 anos, de uma população de 1,18 milhões de habitantes, não estão matriculadas, conforme os dados da UNICEF. Não contamos com as crianças que são envolvidas em casamento precoce, dependentes de pais com salários mínimos – insuficientes para atender às suas necessidades básicas.

Famílias numerosas que vivem em condições precárias são um grande problema, gerando pobreza na sociedade, algo que que deve ser eliminado. Queremos que as pessoas cresçam de forma saudável, tanto física como mentalmente. Se continuarmos na ignorância de educar as crianças com base em comportamentos violentos, será difícil alcançar a paz no nosso país. Esta é uma tendência que indica que continuamos a viver em más condições comparativamente com muitos países.

Recomendações tendo em conta três aspetos: família, comunidade e Estado

Uma das causas que faz com que as crianças estejam envolvidas em conflitos é a falta de atenção por parte da família. A família é a célula mais importante no desenvolvimento das crianças, mas muitas vezes, as famílias em Timor-Leste não prestam atenção suficiente ao comportamento que transmitem e devem transmitir aos seus filhos. Além disso, muitas famílias (não são todas) não controlam as atividades das crianças, por exemplo. Os pais não acompanham a sua aprendizagem. A melhor forma de evitar que as crianças se desviem do seu caminho é: 1) controlar as atividades escolares, verificando o que estão a fazer e a aprender na escola; 2) criar uma rotina para as crianças e incentivá-las a participar em atividades culturais; 3) acompanhá-las para que conheçam o mundo com base no conhecimento dos pais e mostrem o caminho a seguir, o que é bom, e o que não é; 4) ensinar as crianças a controlar as suas emoções. Os pais têm de acompanhar de forma consistente os filhos e não apenas dizer que as crianças nasceram e o importante é terem comida para poderem sobreviver, mas sim acompanhá-las e ouvi-las, respeitando os seus direitos e evitando a desresponsabilização dos pais.

Em segundo lugar, está a falta de cooperação da comunidade, porque muitas organizações comunitárias não contribuem para o desenvolvimento das crianças.

Não conhecem o desenvolvimento das crianças e não intervêm de maneira saudável. Neste sentido, é necessário: 1) colaborar com as famílias, envolvendo as crianças na comunidade; 2) a organização ou comunidade deve conhecer as famílias das crianças, para que se algo acontecer ou se surgir algum problema, possa ser imediatamente comunicado aos pais, evitando conflitos.

O terceiro fator é o Estado, que tem a obrigação de criar e implementar leis para evitar desequilíbrios em relação ao desenvolvimento futuro das crianças, protegendo os seus direitos. Se a sociedade, a comunidade, as organizações ou as famílias não sabem proteger as crianças contra ações violentas, merecem ser penalizados.

Enquanto psicóloga, não culpo diretamente as crianças, pois elas não se tornam infratoras por vontade própria, mas sim porque a família, a comunidade e o Estado não criaram condições para que se desenvolvessem adequadamente e de acordo com as fases de crescimento. Os verdadeiros culpados são a família, a comunidade e o Estado. A Constituição da República Democrática de Timor-Leste (CRDTL), no artigo 18, afirma que a criança tem direito à proteção especial da família, comunidade e do Estado, principalmente contra todas as formas de abandono, discriminação, violência, opressão, abuso sexual e exploração.

O Estado deve criar boas condições, a comunidade deve cooperar e as famílias devem ter consciência, mas, na realidade, os direitos das crianças são, muitas vezes, negligenciados

Manuela Fontes Tavares Soares, 26 anos, é natural de Díli, licenciou-se em Ciências da Educação, Pedagogia e Psicologia, na Universidade de Ciências Pedagógicas Enrique José Varona, em Cuba. Foi docente de Psicologia, Pedagogia e Ética Profissional no Instituto São João de Brito (ISJB), em Liquiçá. Atualmente, é estudante de mestrado na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, em Portugal.

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Ver os comentários para o artigo

  1. As criancas sao o futuro de qualquer nacao. Elas sao como as esponjas, absorvem tudo.
    Uma boa educacao em casa e na escola e a diferenca que necessitam para o resto da vida.
    A alimentacao nao deve ser descurada, pois e outro factor importantissimo

    Ze Labarik
    Psicologista com 50 anos de experiencia

  2. Estado? Qual estado?
    Os que os formam sao incapazes de gerir a propria casa deles quanto mais uma nasaun que precisa de comecar pelos alicerces. Hoje em dia TL ja possui pessoas capazes de gerir a nasaun, mas a velha guarda de 75 teima em nao arrumar as botas. Como e que se pode ganhar experiencia se nao lhes e dada a oportunidade?
    Os katuas deviam simplesmente ser conselheiros, andam ali todos coxos, saltam de poleiro para poleiro, de PR para PM e vice versa, dao tacho a todos aqueles outros katuas que lhes podem ser impecilho, etc… e o Povo Kiik chucha no dedo. Shame on you!

  3. Os herois da guerra do passado e os nobels da paz em si so nao significam que sao os mais capazes e idoneos. Sao como os trofeus do Sporting e do Benfica de Dili que necessitam de ser expostos num belo armario de trofeus.
    Os doutores honoris causa que eles possuem sao como os papeis de embrulhar aa prendas de Natal com fita encarnada e tudo.
    Wake up Povo Kiik de Timor!

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