Consolidação da língua portuguesa em Timor-Leste: um imperativo adiado

Dados do Instituto Nacional de Estatísticas, de 2022, indicam que 40% dos timorenses conseguem comunicar em língua portuguesa/Foto: DR

Pelo menos desde 2002 que iniciativas isoladas ou projetos de cooperação, visando o ensino do português, se estabeleceram em Timor-Leste. Com diferentes públicos e abarcando um número variável de destinatários, a formação em língua portuguesa para timorenses tem sido uma realidade em Timor-Leste.

Há projetos que incidem sobre:

a) Crianças e adolescentes, na qualidade de alunos, desde o ensino pré-escolar até ao término do ensino secundário (o Projeto Centros de Aprendizagem e Formação Escolar – CAFE);

b) Alunos do ensino superior (Projeto FOCO) na Universidade Nacional Timor Lorosa’e;

c) Professores do ensino público (entre outros, o passado Projeto de Formação Inicial e Contínua de Professores – PFCIP, o Projeto Formar+ ou o atual PRO-Português) quer a formar em língua portuguesa, quer nas disciplinas do plano de estudos do 3.º ciclo e do ensino secundário;

d) Jornalistas e profissões associadas (revisores, editores, etc.) via Consultório da Língua para Jornalistas e agências de notícias associadas;

e) outros projetos de menor dimensão, quer no espaço ou no tempo, mas não de menor importância, e que se satelitizam em áreas como a justiça, a economia ou as finanças (como o Osan Povo Nian, Jere ho di’ak, financiado pela União Europeia e gerido pelo Instituto Camões).

E mais outros que seria moroso elencar. À exceção do primeiro, todos eles se destinam a alvos específicos, visando uma lógica de reprodução da língua portuguesa a públicos mais ou menos vastos. É nesta última vertente que se tem situado o busílis da questão. O idioma português não se estabelece, não se espalha, não se cimenta com a velocidade desejável, se tivermos em conta a diversidade e extensão temporal dos projetos de cooperação acima referidos.

A posse de competências certificadas em língua portuguesa frequentemente não encontra qualquer mais-valia no aparelho legal estatal timorense. Aqui e ali, professores do ensino público ostentam uma coleção de diplomas de língua portuguesa (ou noutras disciplinas, ensinadas via português) cuja posse não se operacionaliza em qualquer progressão da carreira docente. Por outro lado, organizações não-governamentais nacionais ou internacionais (ONG e ONGI) implantadas em Timor-Leste valorizam, em processos de recrutamento, conhecimentos de inglês como “indispensáveis” e de português, na melhor das hipóteses, como “preferíveis”.

À exceção duma geração, atualmente na metade superior dos 60 anos, que aprendeu português no período pré-ocupação da Indonésia, um viajante de Portugal que circule por Timor-Leste não ouve o português senão esparsamente ou nos vocábulos que são comuns ao tétum (emprestados daquele a este). Como lidar com este problema? Assumindo que a situação é mesmo tida como algo incómodo fora da retórica do discurso político, a realidade parece ser que o português aprendido não encontra espaços de uso fora do contexto onde foi aprendido.

Vejamos os números: o primeiro censo pós-independência, realizado em 2004, apontava 13,6% de falantes. Outros dados apontavam para um acréscimo de 23,5%, em 2010, para cerca de 30% em 2019* e, para 2022, ecoam uns 40% por via do Instituto Nacional de Estatística timorense referindo-se a “pessoas que conseguem usar a língua para comunicar”**.

Cursos formais de português, mesmo os oficiais e do sistema escolar formal, não encontram continuidade após o seu término e os jovens, inundados pelo idioma indonésio (bahasa) via televisão ou pelo inglês imposto pelas ONG e IONG em Timor-Leste, entram numa espécie de esquecimento do idioma luso pela falta do seu uso. Mesmo a juventude que deseja emigrar para a União Europeia, vê Portugal como porta de acesso a Inglaterra ou à Irlanda, onde a língua anglófona lhes parece ser socialmente mais útil e economicamente mais proveitosa.

No ano passado, em visita a Timor-Leste, o Secretário de Estado da Educação, António Leite, referindo-se a “mais de 30%” de timorenses que falam o português, declarou: “Haverá seguramente uma parte significativa que são aqueles que compreendem a língua, mas não a falam, portanto, esta percentagem deve ser um pouco maior”. A sua visita deixou no ar as ideias de ampliação da Escola Portuguesa de Díli, bem como a construção de mais escolas para o Projeto CAFE, incluindo a possibilidade de disseminação para os postos administrativos (subdivisões dos municípios), ideias que colheram unanimidade das autoridades timorenses e cuja implementação já se iniciou.

A cooperação portuguesa que incide no ensino formal da língua portuguesa tem insistido em nichos de população altamente direcionados. Aqueles nichos, num quadro onde o português se assume como língua de internacionalização e propiciadora de acesso a um mercado de oportunidades de emprego e estudo melhor em países terceiros, tendem a emigrar. E assim sendo, não serão disseminadores do idioma de Camões. Amiúde não regressam. E se as elites saem, quem fica?

O que fazer? Há uma diversidade de sugestões que, aqui e ali, tem sido alvitrada, e que poderia encontrar um eco positivo nalguma letargia no uso da língua portuguesa pós processo de ensino-aprendizagem formal. Entre outras:

  1. A publicação e difusão de livros de literatura infantil bilingues (tétum e português), desde o ensino pré-escolar, usando palavras ou frases simples, a manuais escolares totalmente bilingues nos níveis de ensino seguintes. Atualmente, os livros de estudo do ensino secundário exprimem-se exclusivamente em português;
  2. A aposta na formação específica, vulgo profissionalização, de educadores de infância timorenses, num processo de formação em serviço supervisionado, eventualmente num instituto de formação próprio ou em colaboração com a Universidade Nacional Timor Lorosa’e ou o Instituto Nacional de Formação de Professores (INFORDEPE);
  3. A reorganização da alocação dos educadores de infância e professores portugueses dos ensinos básico e secundário no sistema educativo timorense (Projeto CAFE), direcionando aqueles agentes educativos da exclusividade de permanência numa sala de aula para os transformar em efetivos tutores dos professores timorenses, quer nas disciplinas de português, quer noutras ensinadas via este idioma;
  4. A disseminação da formação em língua portuguesa a professores daquela disciplina no sistema escolar timorense (via, por exemplo Projeto PRO-Português ou afim) promovendo condições atrativas para professores portugueses provindos de Portugal e/ou de outros países lusófonos;
  5. A consideração da importância da posse de competências em língua portuguesa na docência do ensino da língua portuguesa no sistema educativo formal timorense, quer na seleção, quer na progressão da carreira em paralelo com a mesma situação noutras áreas disciplinares específicas;
  6. O investimento, via presença de professores portugueses, em programas do Ministério da Educação timorense, sobretudo no programa Eskola Ba Uma ou outros a implementar a distância;
  7. A expansão da presença de revisores portugueses em órgãos de comunicação social (OCS) timorenses públicos ou privados, com uma aposta crescente em programas em língua portuguesa bem como a implementação de estágios a jovens jornalistas timorenses naqueles e também em OCS portugueses (por exemplo, Agência Lusa);
  8. O apoio na produção de “sebentas”, isto é, na tradução para português de manuais escolares em línguas estrangeiras para serem usadas no ensino superior (pelo menos os considerados indispensáveis) nas instituições politécnicas e universitárias públicas e, numa segunda fase, privadas;
  9. A valorização das competências certificadas em língua portuguesa no acesso a lugares ocupacionais da função pública, como critério de preferência amplamente valorizado ou mesmo como pré-requisito;
  10. A promoção da publicação de livros em português, a custo acessível, que incidam em narrativas de ficção lusas e timorenses ou que deem a conhecer aos alunos timorenses a lusofonia e a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), a serem distribuídos por bibliotecas comunitárias e pelas escolas públicas;
  11. O estabelecimento de um centro de apoio e aconselhamento para ajudar estudantes timorenses que se queiram candidatar a bolsas de estudo em países lusófonos, dadas as dificuldades que aqueles encontram nos aspetos formais das candidaturas, e o aumento das oportunidades de estudar em Portugal com condições de sobrevivência dignas;
  12. O aproveitamento da geração mais velha, que aprendeu a língua portuguesa no período pré-invasão indonésia para, num programa próprio, se deslocar a escolas, centros de aprendizagem, centros comunitários, e, em sessões próprias, contar estórias de vida, narrativas ficcionais ou simplesmente dialogar em tétum e português;
  13. A multiplicação de iniciativas de índole cultural em língua portuguesa. Exemplos disso são concursos de literatura infantojuvenil a jovens timorenses, mas também outras manifestações como espetáculos artísticos, mostras, exposições, etc., em regime de itinerância a públicos mais vastos;

A ideia da cooperação portuguesa de ensinar português para que os locais que o aprendem, por sua vez, o ensinem a conterrâneos, numa lógica de crescente autonomia local face àquela língua, encontra grandes dificuldades sendo sentida por falantes do português em Timor-Leste como algo evidente. Assim tem sido. Até quando?

* in Observador. 26-10-2019 e Público. 22-04-2012.

** RTTL, Última Notícias, 13-03-2024

Armanda Miranda é licenciada e mestre em Educação de Infância. Tem, há cerca de 15 anos, exercido funções em instituições de ensino pré-escolar públicas na zona da grande Lisboa.

Ver os comentários para o artigo

  1. Ouvi dizer que o santo padre vai levar um borda de agua da lingua de Camoes, edicao turbo.
    Vao todos aprender num lalaiss.
    Como timorense e com costados alentejanos sinto-me envergonhado desculpem-me a expressao: “chicha penico”.

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