Conflito entre jovens em Díli: estudo de caso entre 2023 e 2024

Os conflitos entre os jovens não se devem apenas às diferenças de artes marciais ou rituais, mas sim devido a grandes problemas estruturais/Foto: Isabel Nolasco

O Censo Populacional de 2022 relata que a população total de Timor-Leste é de 1.341.737 pessoas. Dessas, cerca de 70% são jovens, tanto mulheres quanto homens (INETL, 2022), o que representa um recurso potencial, mas também um obstáculo ao desenvolvimento do país quando não há investimento sério do Estado na área de desenvolvimento juvenil.

O Estado reconhece os jovens como sujeitos importantes, estabelecendo na legislação nacional no artigo 19 (Cláusulas), que afirma: “1. O Estado promove e encoraja os jovens e as jovens, para que possam consolidar a unidade nacional, reconstruir, desenvolver e fortalecer a nação. 2. O Estado fará tudo o que for possível para apoiar a educação, saúde e formação profissional dos jovens.” (Constituição, 2002). Isto mostra que o Estado considera os jovens como atores essenciais que moldarão o destino da nação no futuro.

Estas condições ideais contrastam com a realidade atual em Timor-Leste. O desenvolvimento desequilibrado faz com que alguns jovens se envolvam em conflitos por razões diferentes. Anualmente, ocorrem conflitos entre jovens. A sociedade frequentemente presume que os jovens que cometem crimes são provenientes de organizações de artes marciais e rituais.

Após 22 anos de independência, Timor-Leste continua a enfrentar diversos conflitos. A história recente mostra que, em abril de 2006, Díli, a capital de Timor-Leste, viveu um grande evento de violência coletiva devido a discrepâncias no tratamento desigual nas forças armadas, resultando na morte de algumas pessoas, na destruição de cerca de 2.000 casas e na deslocação de cerca de 150.000 pessoas.

Os conflitos continuaram, mesmo após a crise de 2006, entre lorosa’e e loromonu. Presume-se que os conflitos recentes ocorram devido a diferenças entre artes marciais e rituais, bem como casos civis, como disputas por terra e habitação. A Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) registou 316 casos de conflito em junho de 2021. Esses casos não foram classificados por tipo ou explicados em termos de quem os cometeu e porquê.

No entanto, o pesquisador australiano James Scambary, na sua pesquisa sobre Conflito e Resiliência em Perumdis, Comoro, concluiu que a violência em Díli é extremamente complexa, principalmente devido à centralização e migração de jovens das áreas rurais para as urbanas, resultando em uma urbanização excessiva que traz consequências e gera muitos conflitos. James também falou sobre muitos fatores que causam conflitos sociais, como pobreza, superpopulação, etnias incompatíveis e estrutura social instável (discrepância social).

Estudos anteriores, especialmente estudos sociais contemporâneos, como um estudo do Brasil sobre violência urbana, mostraram que a violência aumenta devido a vários problemas sociais, como pobreza, desemprego, problemas genéticos e a fraca implementação das leis. Este estudo não é muito diferente dos resultados da pesquisa publicada pela Comissão Anticorrupção (CAC) de Timor-Leste, no ano passado (2023), que afirma que pobreza e desemprego são os principais problemas em Timor-Leste.

Sobre a violência, Max Weber, na sua teoria “A Política como Vocação”, afirmou que o Estado tem uma relação íntima com a violência. O Estado tem o poder (legítimo, carismático, tradicional) de controlar a violência. Se a violência continua a ocorrer, significa que o Estado está numa condição frágil. Em muitos casos, o Estado permite que a violência ocorra sem punição e criminaliza processos lentos. Além disso, as penas aplicadas aos criminosos não são proporcionais aos crimes cometidos. Vemos também muitos outros casos em que a PNTL atua sem respeitar a presunção de inocência, e frequentemente realiza execuções extrajudiciais.

Outro fator é que a raiz da violência em um país pode estar nas organizações que supostamente servem para manter a ordem do Estado, influenciadas por grupos e organizações. Essas situações estimulam os criminosos a quererem e terem força para cometer violência, provocar os outros e procurar justiça por conta própria.

Neste estudo, o autor procura compreender em pormenor os conflitos que ocorreram recentemente, especialmente em 2023 e 2024, em Díli. Utilizando ferramentas de Análise de Conflitos (Triângulo ABC, Árvore de Conflitos, Mapeamento de Conflitos e Bombaim) para analisar os problemas, autores, causas e consequências dos eventos.

O Triângulo ABC (Attitude, Behavior and Context) é considerado uma ferramenta desenvolvida por Johan Galtung para analisar um conflito relacionando-o ao que podemos ver (visível) como comportamentos (declarações, ofensas, insultos, ataques) e atitudes (preconceitos, perspetivas, sentimentos, crenças) e também contextos invisíveis (política, cultura, economia e antecedentes históricos).

Por exemplo, o evento em Beto Tasi, onde ocorreram ataques, ofensas e uso de linguagem ofensiva entre os grupos (desconfiança entre as artes marciais PSHT e KERA SAKTI). Em fotos e vídeos partilhados, o evento resultou no incêndio de uma motorizada, luta física e uma pessoa ferida na cabeça. No contexto cultural, isso ocorre devido às diferenças entre culturas organizacionais. Segundo um relato da PNTL, “quando algumas pessoas de Beto Tasi foram enterrar um corpo, ao voltar do enterro, suspeitaram que um grupo de KERA SAKTI tinha cometido um assalto, resultando em conflito entre os dois lados”. Atualmente, a PNTL já destacou algumas unidades no local mencionado.

A análise da árvore de conflitos (Conflict Tree Analysis) revela que o conflito não acontece simplesmente devido às diferenças entre artes marciais ou rituais (cultura organizacional), ou abuso de álcool, mas há um contexto maior, principalmente económico e político. O poder económico desequilibrado, pobreza, desemprego estrutural e decisões políticas que não chegam às pessoas nas áreas rurais, resultando em uma grande urbanização em Díli, são causas essenciais.

O boletim da Fundação Mahein sobre “Urbanização e Segurança: Díli, centro de conflito” menciona que os migrantes locais, na maioria jovens, trazem consigo conflitos sociais, como disputas por terras e moradia, gangues, desemprego sistémico, entre outros. A urbanização e migração interna também expõem essas pessoas ao risco de violência urbana, crimes e doenças sexuais.

Além disso, uma pesquisa da Alumni Parlamentu Foinsa’e Timor-Leste (APFTL) e da Secretaria de Estado da Juventude e Desporto (SEJD) mostrou que “os jovens consideram as artes marciais como uma organização na qual se podem envolver, comparando-a com uma atividade desportiva”.

Outro fator-chave que continua a influenciar as normas e práticas da sociedade timorense é a experiência passada de conflito da população. Como resultado, muitos ainda veem a violência entre casais e familiares como algo normal. Portanto, a “normalização da violência” é um fator importante que influencia o comportamento dos jovens hoje.

As consequências desses eventos são variadas. A cronologia dos eventos ligados a conflitos é longa. Desde o período de Timor-Leste como Timor Português (1515-1975), Timor Timur (1975-1999), ocorreram muitos conflitos; entre colonizadores e o povo timorense, e entre os próprios timorenses. A sequência de eventos em Díli provém de violência coletiva em várias ocasiões durante as últimas seis décadas: 1942, 1975, 1980, 1999, 2002, 2006 e 2007.

Eventos recentes, como o caso Beto Tasi, tornam difícil identificar ou mapear os conflitos (Conflict Mapping). Pode-se apenas supor que ocorrem entre grupos de artes marciais (não identificáveis, pois ainda estão sob investigação pela PNTL). Mesmo assim, essa suposição pode não ser precisa, pois o IX Governo Constitucional, através da Resolução do Governo n.º 45/2023, de 10 de novembro, suspendeu o ensino, aprendizagem e prática de artes marciais e rituais em todo o território nacional durante seis meses. Esta resolução surgiu devido à tensão dos conflitos recentes (Resolução do Governo, N.º 45/2023, 10 de novembro).

Entretanto, considerando as suas posições, interesses e desejos, podemos presumir que cada parte defende a sua própria organização, bem como nutre ódio e vingança contra a outra. Para analisar em detalhe as necessidades e interesses de cada parte, é necessário realizar entrevistas ou observações participativas, utilizando uma abordagem qualitativa e interdisciplinar. Uma análise e observação geral não são suficientes para entender os interesses e desejos fundamentais de cada parte, incluindo as suas posições.

Contudo, isso não significa que devemos considerar o conflito que ocorre repetidamente na capital do país apenas como um conflito entre grupos de artes marciais e rituais. De acordo com a análise do autor, o conflito que ocorre é apenas um sintoma de outros problemas estruturais que surgiram em Timor-Leste nas últimas duas décadas, após a independência. Isto requer um sério investimento e intervenção por parte do Estado (governo) nos problemas estruturais: pobreza, desemprego, urbanização descontrolada, educação, economia centralizada, desenvolvimento político desequilibrado (discriminatório) e outros.

Como exemplo do desemprego, podemos observar que normalmente os jovens, que têm muitos desejos e, muitas vezes, gastam muito dinheiro para satisfazer as suas necessidades, de acordo com o ritmo e estilo do século atual, mas o problema do desemprego faz com que não tenham um rendimento adequado e isso afeta a realização dos seus desejos, aumentando a frustração, que acaba por resultar em conflitos e outros problemas sociais.

Dessa forma, conclui-se que os conflitos entre os jovens não se devem apenas às diferenças de artes marciais ou rituais, mas sim devido a grandes problemas estruturais. O Estado tem um papel crucial para cumprir a sua missão consagrada no artigo 06.º, juntamente com o artigo 19.º da Constituição da República Democrática de Timor-Leste (CRDTL).

Melhorar todos os mecanismos de atendimento aos jovens, resolver conflitos de maneira pacífica, justa e respeitando os direitos humanos. Recomenda-se também a todas as partes que realizem estudos detalhados sobre os conflitos em Timor-Leste, para que possam servir como referência para decisões futuras.

Cesar Ferreira Amaral é licenciado em Filosofia e docente na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, na Universidade Nacional Timor-Lorosa’e (UNTL).

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