Como é que os cidadãos reagem perante situações de violência doméstica?

Estudo da Asia Foundation refere que 59% das mulheres timorenses são vítimas de violência doméstica por parte do parceiro, pelo menos uma vez na vida/Foto: UNICEF

O Diligente saiu à rua para saber se cidadãos denunciam às autoridades os casos que presenciam ou têm conhecimento.

Violência doméstica refere-se a qualquer tipo de comportamento abusivo, físico, emocional, psicológico ou financeiro que ocorre dentro de uma família, entre membros de um agregado familiar ou pessoas que vivem numa comunidade ou sociedade.

Em Timor-Leste, assim como no resto do mundo, as mulheres são as principais vítimas das agressões cometidas pelos cônjuges dentro de casa. Dados da Organização das Nações Unidas (ONU), de 2021, revelam que uma em cada três mulheres no mundo sofreu violência física ou sexual por parte do parceiro. Já o estudo elaborado pelo Nabilan, programa da Asia Foundation, refere que 59% das mulheres timorenses são vítimas de violência doméstica por parte do marido, pelo menos uma vez na vida.

Embora seja crime público, as respetivas agressões muitas vezes não são denunciadas. O artigo 36.º da Lei n.º7/2010 (contra a violência doméstica), refere que estes crimes “têm natureza pública”, o que significa que o procedimento criminal não está dependente da apresentação de uma queixa por parte da vítima, sendo apenas necessário haver uma denúncia ou o conhecimento do crime para que o Ministério Público instaure um processo.

Para tentar entender como a população timorense reage relativamente a casos de violência doméstica, presenciada ou que seja do seu conhecimento, o Diligente saiu à rua.

“Não fico em silêncio quando assisto a situações de violência doméstica. Ligo diretamente à polícia, uma vez que qualquer tipo da violência é uma violação dos direitos humanos”

Merita Lafu, médica de clínica geral no Hospital de Oé-cusse/Foto: Diligente

“Muitas vezes, a sociedade pensa que a violência doméstica é apenas um indivíduo bater em outro, mas, na verdade, a violência é mais do que isso. Pode ser verbal também, algo que muitas vezes consideramos como algo simples, porém, causa grandes problemas familiares. Por exemplo, os pais preocupam-se com o trabalho e não prestam atenção aos filhos. É uma violação dos direitos humanos. O abandono dos descendentes significa que os pais estão a torturá-los. Quando um dos cônjuges levanta esta questão, por vezes, discutem e, muitas vezes, há violência.

Atendo, muitas vezes, vítimas de violência doméstica no Hospital. Em alguns casos, o homem bate na mulher, os pais batem nos filhos, os filhos batem nos avós. Examinamos e aconselhamos as vítimas.

Na minha opinião, este problema acontece porque há falta de educação e de comunicação. Para além disso, as dificuldades económicas também causar violência na família.

Não fico em silêncio, quando assisto a situações de violência doméstica. Ligo diretamente à polícia, uma vez que qualquer tipo da violência é uma violação dos direitos humanos.

Muitas vezes, as mulheres não querem apresentar queixa às autoridades competentes, porque têm medo de perder o marido e receiam estragar o bom nome da família. Para além disso, há a preocupação financeira, preocupam-se que o homem seja preso e não haja ninguém para sustentar os filhos. As que querem apresentar queixa, muitas vezes, não o fazem por falta de conhecimento sobre o processo.

Para evitar a violência doméstica, temos de empoderar as mulheres e investir mais na educação, não só nas escolas, mas também no seio familiar. Em Timor-Leste, há muitos casos de casamento precoce, o que, no meu ponto de vista, pode contribuir para a violência doméstica. As autoridades locais têm de assumir a responsabilidade de sensibilizar a população para estas questões, não podem apenas atuar quando os problemas acontecem, devem preveni-los”.

“Muitas pessoas acham que a violência doméstica é um problema familiar e, por isso, ninguém deve interferir. No entanto, trata-se de um crime”

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Efiana da Costa Amaral, 21 anos, habitante de Manufahi/Foto: Diligente

“Muitas pessoas acham que a violência doméstica é um problema familiar e, por isso, ninguém deve interferir. No entanto, trata-se de um crime público.

Já assisti a casos de violência na minha família, devido a traição e a falta de comunicação entre casais, o que causa danos psicológicos também para os filhos.

Uma vez, assisti a um confronto entre uma mulher grávida e o marido. Usaram facas e catanas para se ameaçarem. O episódio aconteceu à frente dos filhos, que choravam assustados. Então, eu e alguns familiares tirámo-los de casa.

No dia seguinte, chamaram os familiares do marido e da mulher para resolverem a situação dentro da família e nunca fizeram queixa às autoridades.

Quando os pais praticam violência doméstica, estão, na minha opinião, a incentivar que os filhos repitam o comportamento no futuro. Esta situação, associada ao facto de ninguém fazer queixa, faz com que este tipo de casos aumentem.

Peço às autoridades responsáveis que continuem a partilhar informação e a sensibilizar a população para as consequências deste flagelo, no sentido de contribuir para a sua redução”.

“Não apresentamos queixa às autoridades, por vergonha”

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Letícia Laura da Cunha, 18 anos, candidata a estudante universitária/Foto: Diligente

“Assisto, muitas vezes, a violência, de pais que batem nos filhos. Não apresentamos queixa às autoridades, por vergonha. Sinto-me insegura e desconfortável. Considero que é um problema privado das famílias e que não devo interferir.

No entanto, penso que se deveria apresentar queixa às autoridades para evitar o aumento destes casos.

A maioria das famílias timorenses, sobretudo nas áreas rurais, ainda não tem conhecimento sobre a violência doméstica e os seus efeitos, porque a sensibilização sobre o assunto não acontece. Por exemplo, no meu suco em Lospalos, as pessoas desconhecem as consequências deste problema”.

“Estou consciente de que a violência doméstica é um crime público, mas ainda não sei como apresentar queixa”

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Pedro Jerónimo, 23 anos, estudante da UNTL/Foto: Diligente

“Há vários tipos de violência doméstica: física, verbal, mental e económica. Quando os meus pais ficam violentos, tento acalmá-los para que os vizinhos não ouçam e fiquem a saber o que se passa na nossa família.

No entanto, não tenho coragem de impedir a violência que acontece na casa de outras famílias, mas tento dar conselhos.

Estou consciente de que a violência doméstica é um crime público, mas ainda não sei como apresentar queixa. Sou a favor de as autoridades promoverem mais ações de sensibilização sobre o tema junto da população”.

Os cidadãos que queiram denunciar casos de violência doméstica podem ligar para os seguintes números:

Polícia Nacional de Timor-Leste

Centro de operações: 33283

Unidades de pessoas vulneráveis: 78186551

Recuperação Psicossocial e Desenvolvimento em Timor-Leste (PRADET, em inglês)

Programa Fatin Hakmatek: 77254597

Fórum de Comunicação das Mulheres de Timor-Lorosa’e (FOKUPERS, em tétum): 3321534

 

 

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