Consulta Popular, 24 anos depois

Cidadãos recordam “a hora de escolher”, períodos difíceis e cobram da classe política atual

Os timorenses formaram filas intermináveis para decidir a independência do país/Foto: Diário de Notícias

A 30 de agosto de 1999,  foram decidir o futuro do país pela primeira vez através do voto 445 mil timorenses, vencendo a opção pela independência. Com o país agora democrático, povo exige que os seus representantes trabalhem melhor para desenvolver a nação.

Pelas ruas de Timor-Leste, ainda se vai ouvindo “Oras to’o ona atu ita hili” (“Chegou a hora de escolhermos”), a música que “cantava” a democracia naquele mês de agosto de 1999. Celebra-se hoje o 24.º aniversário da Consulta Popular de Timor-Leste: 30 de agosto será sempre o dia da vitória da longa resistência do povo timorense.

No final da década de 90, após um longo processo de negociações diplomáticas, Portugal e Indonésia chegavam a acordo para realizar um referendo em Timor-Leste, em que a população teria de escolher entre a independência ou continuar sob domínio indonésio, tornando-se a  27.ª província do país. No dia 5 de maio de 1999, em Nova Iorque, o documento base que autorizava a consulta foi assinado por Jaime Gama, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Ali Alatas, então Ministro dos Negócios Estrangeiros da Indonésia, e Kofi Annan, Secretário-Geral das Nações Unidas.

A atual Escola Básica Filial N.º 2 de Vila Verde, em Díli, foi um dos lugares escolhidos para a votação. No local, a memória é avivada pelas fotografias que mostram as enormes filas onde os timorenses aguardavam a sua vez de exercer aquilo a que nunca tiveram direito – votar.

Numa dessas filas da escola de Vila Verde estava Ludvina de Araújo, hoje com 45 anos, natural de Díli. A comerciante conta ao Diligente que a situação era bastante difícil, porque algumas pessoas que queriam ser integradas na Indonésia estavam a pressionar os cidadãos, enquanto quem queria a independência também manifestava publicamente a sua vontade.

“Não tinha dúvidas quanto à escolha. A independência tinha de ser o caminho, pelos milhares de timorenses que morreram para atingir este objetivo. No dia 29 de agosto, a minha família reuniu-se e combinámos todos votar pela independência”, recorda.

O medo circulava por todo o lado. Ninguém sabia o que iria acontecer nos dias seguintes. “O nível de tensão em torno desta votação era muito alto. Quem tivesse de se deslocar para votar largava tudo. Depois da votação, os meus irmãos e o meu pai foram para Dare e nós, mulheres, ficámos  alojadas no edifício da Diocese de Díli devido aos rumores que circulavam, caso a independência ganhasse. Falava-se que os militares indonésios e as milícias estavam prontos para retaliar”, lembra Ludvina.

A opção pela independência venceu, recebendo mais de 78% dos 445 mil votos. “É graças a essa escolha que, hoje em dia, todos podemos viver livremente”, reflete Ludvina, que diz ter ficado sem palavras quando soube do resultado.

Os rumores que rondavam a votação, contudo, revelaram-se verdadeiros. Após a confirmação dos resultados, grupos indonésios fortemente armados espalharam o terror por Timor-Leste, matando muita gente, destruindo monumentos, queimando casas, edifícios históricos e estabelecimentos. Parecia uma tentativa de aniquilar tudo o que representasse a história e memória do povo timorense.

A onda de violência só foi contida com ajuda internacional e, posteriormente, com a instalação da Administração Transitória das Nações Unidas, que permitiu a realização das primeiras eleições nacionais e restauração da independência de Timor-Leste, em 20 de maio de 2002.

Presente e futuro

Para Ludvina, o Dia da Consulta Popular é uma data para chamar a atenção a todos os timorenses sobre a importância da luta pela liberdade e pelo direito ao voto democrático. Com o povo a escolher os líderes e as políticas de liderança do país, a comerciante considera fundamental que haja um esforço maior para garantir uma vida melhor a todos os cidadãos.

“Quero que o Governo ofereça oportunidades a todos e não só a quem se pode aproveitar da posição que tem para conseguir mais riqueza. No fundo, todos contribuíram com o seu voto para conseguir esta independência e, depois disso, para as escolhas do país”, conclui Ludvina de Araújo.

Eliezer de Araújo, 37 anos, natural de Ataúro, funcionário de uma empresa privada, considera o 30 de Agosto um dia histórico e marcante e diz que “o voto pela independência veio do coração de cada um”.

Quando se fala de futuro do país, a estabilidade política e as soluções para a riqueza (insustentável) do petróleo vêm à conversa. Se, por um lado, há uma convicção de que os “fantasmas” das invasões estão ultrapassados, por outro, há a ideia de que a classe política, agora democraticamente escolhida, precisa de evoluir e utilizar melhor os recursos públicos para o bem dos cidadãos.

“O Governo deve investir mais nos setores que podem dar receita ao país e assegurar que o povo não passe fome, desenvolvendo as áreas-chave como a agricultura, a pesca ou o turismo. Espero que, um dia, os jovens não tenham de ir trabalhar para o estrangeiro e parece-me que o cenário de conflito está muito distante. No entanto, para garantir tudo isto, tem de haver um maior investimento na educação, que é a chave para tudo”, observa.

Dados do Banco Mundial refletem a preocupação de Eliezer. Os números mostram que, em Timor-Leste, desde 2008, o orçamento para a educação chegou aos dois dígitos apenas uma vez, no ano de 2009. Porém, nunca passou dos 10,6% do total do Orçamento Geral do Estado.

Ver os comentários para o artigo

  1. Foi o apogeu de uma longa caminhada para o Povo de Timor Leste. Ainda me lembro tao bem desse dia como tivesse sido ontem.
    Um manolin cochicou- me no ouvido que ate as pedras da rua, tivessem dado a oportunidade, votariam a favor da independencia.
    Foi uma pedra retirada dos sapatos de muitos sabichoes por esse mundo fora.
    Foi uma bofetada de luva branca a muitos gorilas do MFA, que abandonaram um POVO, bom e fiel, “mate bandeira hun”.
    Infelizmente e com muita tristeza, os politicos timorenses dos ultimos 20 anos, nao souberam fazer jus a tao nobre causa, enaltecer e melhorar a vida de um povo tao merecedor de um melhor nascer do sol.
    Alguns presidentes deixam muito a desejar, autenticos caixeiros viajantes!

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