Cidadãos e cidadãs defendem inclusão de Educação Sexual no currículo escolar em Timor-Leste

Dados de 2017 do Fundo das Nações Unidas para a População revelam que em Timor-Leste quase 25% das mulheres tornam-se mães antes dos 20 anos: falta de educação sexual nas escolas é apontada como uma das razões/Foto: Diligente

O Diligente foi às ruas para ouvir a população. A ideia geral é de que o tema, ainda tabu, comece a ser normalizado, através de ações que envolvam também as famílias.

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, em inglês) já declarou ser importante que a educação sexual faça parte do currículo escolar. Na publicação “Orientação Técnica Internacional sobre Educação em Sexualidade”, divulgada em 2018, a instituição defende que a disciplina promove “a saúde e o bem-estar, o respeito pelos direitos humanos e igualdade de género”.

“A publicação promove a aprendizagem estruturada sobre sexualidade e relacionamentos de forma positiva e centrada no melhor interesse do jovem. Ao delinear os componentes essenciais em programas efetivos de educação sexual, as orientações permitem que as autoridades nacionais elaborem currículos abrangentes que terão um impacto positivo na saúde e no bem-estar dos jovens”, reforça no documento a Diretora-Geral da UNESCO, Audrey Azoulay.

Contudo, em Timor-Leste a Educação Sexual ainda não faz parte do currículo escolar e é tratada como um tabu. Em casa, os pais não se abrem com os filhos, ainda que nas escolas assuntos relacionados com sexualidade sejam, às vezes, abordados em seminários ou formações para os estudantes.

Segundo os dados de 2017 do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA, em inglês), em Timor-Leste, quase 25% das mulheres têm o primeiro filho antes de completar 20 anos de idade. Entre as razões apontadas, estão a desigualdade de género, violência e falta de educação sexual, segundo o estudo.

Já os dados do censo 2022 demonstraram que em Timor-Leste apenas 30% das mulheres, entre 19 e 29 anos, continuam os estudos. Um dos motivos apontados para a interrupção é o casamento precoce.

Para ouvir o que a população pensa sobre a inclusão da Educação Sexual no currículo escolar, o Diligente foi às ruas.

“Se não contribuirmos todos para esta mudança de mentalidade, tenho a certeza de que Timor-Leste vai continuar a registar, todos os anos, vários casos de gravidez precoce, abandono escolar, abandono de bebés no lixo, entre outros”

Otília Fernandes, estudante de Saúde Pública, Universidade de Díli (UNDIL)/Foto: Diligente

“Há casos de gravidez em estudantes que ainda frequentam o pré-secundário [3.º ciclo do ensino básico] e o secundário. Outro problema é que, todos os anos, vemos no Facebook e nos media, publicações sobre pessoas irresponsáveis que deitam os bebés ao lixo, além dos casos de abuso sexual. Para mim, esses casos já são razões suficientes para reforçar a importância da educação sexual não só entre os estudantes e os jovens, mas entre toda a população.

A educação sexual ensina e orienta os estudantes e os jovens a conhecerem bem o seu corpo e terem uma vida sexual ativa segura e não acontecerem situações indesejadas.

Já existem algumas organizações, como a Cruz Vermelha ou a Marie Stopes, que disponibilizam informações sobre sexo, com medidas de prevenção, mas observo que ainda é insuficiente, porque sensibilizar a população é uma coisa que leva o seu tempo. Queremos que a abordagem deste assunto aconteça diariamente para que os estudantes e os jovens o comecem a encarar com normalidade.

Não só aceito como defendo que a Educação Sexual deveria ser incluída no currículo escolar para que esta nova geração comece a aprender um pouco mais sobre as questões relacionadas com o sexo.

Não podemos ficar silêncio nesta situação. Temos de promover este assunto, sem medos, sem dogmas, principalmente nas escolas e nas famílias. Deste modo, prevenimos os riscos que podem afetar o futuro dos jovens. Se não contribuirmos todos para esta mudança de mentalidade, tenho a certeza de que Timor-Leste vai continuar a registar, anualmente, vários casos de gravidez precoce, abandono escolar, abandono de bebés no lixo, entre outros.

O Ministério da Educação não pode olhar para o lado, quando o assunto é a educação sexual. Pelo contrário, deve incluir a disciplina nos programas para todas as escolas em Timor-Leste e estender as ações de sensibilização aos pais para que também estes apoiem essa abordagem na escola, porque queremos proteger as futuras gerações do país”.

“Não tenho mesmo coragem para falar sobre educação sexual com os meus filhos, apenas passo algumas mensagens”

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Marcelina de Fátima Soares, casada, 32 anos, vendedora de comida em Caicoli/ Foto: Diligente

“Em casa, não abordamos esse tema junto das crianças, principalmente dos meus filhos. Não tenho mesmo coragem para falar sobre educação sexual com os meus filhos. Só passo algumas mensagens às minhas sobrinhas, por exemplo. Elas já são jovens adultas e já sabem aquilo o que podem e não podem fazer. Os homens andam por aí e não acontece nada. Já as mulheres podem chegar a casa grávidas. Acreditamos que, se falarmos assim, já sabem o que fazer. Para aprofundar este tema, acho que os professores devem ter a competência de explicar o que é o sexo, os benefícios e riscos.

Os pais querem sempre um futuro melhor para os seus filhos e esperam que os filhos, estudantes, respeitem e aproveitem o esforço que a família tem de fazer para pagar os estudos. No entanto, algumas alunas ainda não terminaram os seus estudos e já engravidaram, muitas delas com menos de 20 anos.

Acho que é importante que as escolas tomem a iniciativa de começar a ensinar os jovens sobre as consequências negativas do sexo sem proteção para que haja um respeito mútuo pelo corpo humano. Como sabemos, a vida sexual deve começar entre as pessoas que já decidiram viver em conjunto, em família. Sem estarem bem informados, o sexo ainda não é apropriado para os estudantes por todas as consequências, não só de gravidez precoce ou doenças sexualmente transmissíveis como também a nível psicológico, como depressão ou suicídio”.

“Educação sexual não significa encorajar os estudantes a fazer sexo, significa sensibilizar as crianças, os estudantes e os jovens para ficarem mais alerta quanto aos abusos e violência sexuais”

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Justino da Costa Freitas, 27 anos, licenciado em Saúde Pública, desempregado/Foto: Diligente

“A educação sexual, de acordo com a minha compreensão, é uma disciplina que informa os estudantes ou as pessoas sobre tudo o que está ligado à relação sexual. Essa matéria é importante para ensinar pessoas a proteger o corpo dos riscos do sexo sem proteção.

Quando ainda andava na escola, aprendemos Biologia, que também detalha sobre os órgãos do corpo humano, nomeadamente dos órgãos reprodutores. No entanto, essa disciplina era muito geral e os professores também não sabiam bem explicar ou explorar os conteúdos, talvez por ser um tema difícil de abordar para a maioria dos timorenses.

Precisamos de desmistificar a educação sexual para falar junto dos estudantes. Educação sexual não significa encorajar os estudantes a fazer sexo, significa sensibilizar as crianças, os estudantes e os jovens, para ficarem mais alerta sobre os abusos e violência sexuais.

Os órgãos de comunicação social timorense, às vezes, noticiam casos que mostram a dificuldade das pessoas em lidar com este tema. A nossa sociedade ainda considera a educação sexual tabu. Quando um indivíduo fala sobre um caso de abuso sexual, as pessoas que estão a ouvir vão dizer que essa pessoa é malcriada.

Não podemos silenciar casos de violência sexual por medo do que as pessoas dizem. Ficar em silêncio não resolve o problema. Temos de alertar as partes competentes para considerarem este tema, porque a população é que sofre com esta desinformação”.

“A educação sexual ajuda-nos a elevar o nosso conhecimento sobre os assuntos relacionados com o nosso bem-estar, nomeadamente, para questões de saúde e de planeamento familiar”

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Ana Rita Pinto Soares, 17 anos, Estudante de Colégio João Paulo VI/Foto: Diligente

“É importante ensinar Educação Sexual nas escolas para que os estudantes e os jovens possam prevenir as consequências negativas provocadas pelas relações sexuais. Pessoalmente, já ouvi algumas informações sobre esse tema na escola, mas não fiquei esclarecida. No meu ponto de vista , o professor tinha vontade de abordar o tema, mas muitas vezes eram os alunos que não mostravam vontade de acompanhar as explicações e riam-se, como se fosse engraçado. Então muitas vezes os professores acabavam por dizer: ‘Vocês já são adultos e precisam de cuidar dos vossos corpos’. E terminavam assim, sem grandes explicações.

As mulheres são mais vulneráveis nestes casos e muitas vezes os homens gostam de aproveitar essa vulnerabilidade para satisfazer os seus desejos. Ainda está muito presente a ideia de que é a mulher que engravida e, por isso, tem de ser ela a levar com as consequências dessa gravidez, muitas vezes, não desejada. Por isso, acho que as escolas precisam de abordar a educação sexual para que as estudantes e as jovens se possam libertar ou emancipar”.

Acho até que este tema deve ser abordado nas escolas a partir da primária [1.º ciclo do ensino básico], porque hoje em dia os estudantes dos 5.º e 6.º anos já manifestam desejo sexual. Uma das razões está no acesso à tecnologia. Sem a devida supervisão, podem facilmente aceder a conteúdos para adultos, como a pornografia e sites de encontros. Por isso, é melhor a educação sexual começar bem cedo, desde a escola primária.

A nossa sociedade pensa que a educação sexual serve para ensinar os estudantes a fazer sexo, mas este pensamento é errado. A educação sexual ajuda-nos a melhorar o nosso conhecimento sobre os assuntos relacionados com o nosso bem-estar, nomeadamente para questões de saúde e de planeamento familiar”.

“O Ministério da Educação deve incluir este tema no currículo escolar para orientar e ensinar os estudantes a tomar decisões saudáveis e seguras quanto ao sexo”

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Frederico da Silva, 24 anos, estudante da- UNTL/ Foto: Diligente

“O nosso ensino deve abordar a educação sexual para melhorar o conhecimento dos estudantes sobre prevenção dos abusos e dos riscos numa relação sexual.

A educação sexual tem vantagens na prevenção das situações indesejadas que podem afetar a saúde e o futuro dos estudantes e dos jovens. Neste mundo tecnológico, os conteúdos pornográficos estão disponibilizados online, gratuitamente, em muitos casos, e estimulam a curiosidade dos jovens.

As famílias têm a responsabilidade de partilhar informações sobre este tema. Seria melhor o Governo, através do Ministério da Educação, incluir este tema no currículo escolar para orientar e ensinar os estudantes a tomar decisões saudáveis e seguras quanto ao sexo para terem uma vida melhor.

A educação sexual é muito importante para ensinar as pessoas, principalmente os estudantes, a cuidarem do seu próprio corpo. Além disso, permite saber distinguir o certo do errado sempre que se falar de sexo”.

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