Censo de 2022: Problemas estruturais crescem com aumento da população, mas políticas públicas continuam estagnadas

A população timorense cresceu 1,8% por ano, segundo o Censo da População de 2022. Foto: Diligente

Timor-Leste chegou aos 1,3 milhões de habitantes, com praticamente um quarto da população a concentrar-se na capital, (perto de 325 mil residentes). Os dados são do Instituto Nacional de Estatística de Timor-Leste (INETL), que lançou, a 25 de maio, o Censo da População de 2022. Conduzido entre setembro e outubro do ano passado, o estudo expõe a urgência de políticas públicas que promovam um maior acesso a serviços básicos e uma despesa pública mais eficiente.

O país conta com 1.341.737 habitantes, o que representa, em relação a 2015, data do Censo anterior, um crescimento anual da população de 1,8%. O aumento populacional tem sido, aliás, uma constante desde o Censo de 2004, ano em que se contabilizaram 923 mil timorenses.

Fonte: Censo da População de 2022

Já em 2021, o Banco Mundial dava conta que o crescimento populacional de Timor-Leste era o mais elevado do Sudeste Asiático, situando-se nos 1,6% anuais. Para este valor, contribui aquela que é a mais alta de taxa de fertilidade da região – 3,1 filhos por mulher. Apesar disso, o número de nascimentos tem caído desde 2002, ano que em que se registava uma média de seis filhos por mulher.

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Fonte: Banco Mundial (2021)

O Censo de 2022 refere um “amadurecimento da estrutura etária da população”. Embora 64,6% dos timorenses tenham menos de 30 anos, o número de jovens com menos de 15 anos não é substancialmente maior do que na faixa etária dos 15 aos 20 anos, reflexo também da redução da taxa de natalidade. Os timorenses vivem atualmente mais tempo: os idosos constituem atualmente 10% da população, enquanto em 2004 representavam apenas 3%.

“O crescimento populacional implica mais necessidades da população e, consequentemente, mais investimento do Governo para se garantir a sobrevivência do povo”

Enquanto em países de rendimento médio-alto ou elevado o crescimento populacional não é problemático, um aumento da população para um país de rendimento médio-baixo, como o caso de Timor-Leste, tem várias consequências negativas, como explica o Departamento das Nações Unidas para Assuntos Económicos e Sociais: “O crescimento demográfico torna mais difícil suportar o aumento das despesas públicas per capita necessário para erradicar a pobreza, acabar com a fome e a subnutrição e garantir o acesso universal aos cuidados de saúde, à educação e a outros serviços essenciais”.

Celestino Gusmão, investigador da Organização Não Governamental Lao Hamutuk, olha também com preocupação para este crescimento demográfico, já que “implica mais necessidades da população e, consequentemente, mais investimento do Governo para se garantir a sobrevivência do povo”.

Para o investigador, a falta de políticas de controlo da natalidade exige “políticas públicas que combatam a fome, má nutrição, a pobreza e desenvolvam serviços de qualidade nas áreas da saúde e educação”.
Celestino Gusmão defende também uma aposta na agricultura para se inverter a dependência das importações. “O fracasso nos serviços de água e saneamento e a insuficiência da produção agrícola provocam desequilíbrios. Seguimos por um caminho incerto, caso não diversifiquemos a economia do país”, nota.

“Na base da migração para a capital, estão a falta de oportunidades de emprego, as mudanças do estilo de vida da população e o fracasso do investimento do Governo na agricultura”

Outro dado relevante do Censo de 2022 é que perto de 25% da população timorense vive no município de Díli, que tem 324.738 habitantes. Seguem-se Ermera, com 137.750 residentes (10,2%), Baucau, com 134.878 (10%), e Bobonaro, com 106.639 (7,9%). O município com menos população é o de Ataúro, com 10.295 habitantes (0,7%).

Em todos os municípios, regista-se um aumento populacional, com destaque para Díli, cuja população cresceu anualmente 2.7%. É também o único município a ganhar população através do fluxo migratório de timorenses vindos de outros municípios.

Celestino Gusmão considera que na base da migração para a capital estão a falta de oportunidades de emprego, as mudanças do estilo de vida da população e o fracasso do investimento do Governo na agricultura.

Além do grave desordenamento do território, o investigador mostra-se preocupado com as condições de vida da população em Díli, sobretudo com a falta de saneamento e o lixo, problemas que afetam a saúde pública.

No entanto, os problemas não se limitam à capital, como refere Gusmão. Os municípios, que constituem uma parte importante e considerável do território, veem-se privados de desenvolvimento. “O Governo precisa de discutir com a população quais as necessidades mais urgentes nas áreas rurais e prevenir esta migração”, explica. Acredita ainda que as políticas de descentralização e do poder local são fundamentais para combater o problema.

A preocupação é partilhada pelo Ministro das Finanças, Rui Gomes, presente no lançamento do documento e que, a propósito da concentração de timorenses nas cidades, admitiu a necessidade “de, no futuro, o desenvolvimento ter de ser orientado para as áreas rurais para que haja equilíbrio entre o desenvolvimento urbano e rural”.

População jovem e a crescer sem devido investimento na educação

Rui Gomes reconheceu também os desafios do crescimento populacional: “O aumento da população tem implicações para a despesa pública. O Governo tem de aumentar o Orçamento Geral do Estado para responder às necessidades urgentes”. Para o ministro, “o crescimento da população, em especial dos jovens, é uma questão importante para definir políticas”.

Contudo, segundo o Banco Mundial, Timor-Leste já é um dos países do mundo com níveis de despesa pública mais elevados na última década (86% do Produto Interno Bruto). Ainda assim, os quase dois terços de timorenses com menos de 30 anos não sentem essa reduzida alocação de recursos para setores-chave para o seu futuro e o do país, como a educação, o que se deve a dois fatores: orçamento baixo para a área e gastos ineficientes.

“As despesas com a educação não se traduziram em melhorias proporcionais nos resultados da aprendizagem”

Os consecutivos Orçamentos Gerais do Estado (OGE) mostram, pelo contrário, um investimento reduzido na educação pública. Segundo o Portal da Transparência de Timor-Leste, em 2022, foram alocados apenas 3% do OGE, o correspondente a 115,6 milhões de dólares.

Já o OGE aprovado para este ano prevê uma percentagem pouco superior a 4% para a educação (137 milhões de dólares) em relação ao valor total (3,1 mil milhões de dólares), segundo informações do Governo disponíveis no Portal da Transparência.

Dados do Banco Mundial indicam que, em Timor-Leste, desde 2008, só uma vez o orçamento para a educação chegou aos dois dígitos. Foi em 2009 e não passou dos 10,6%.

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É o mais baixo investimento público no setor da educação no Sudeste Asiático, onde o crescimento populacional é mais modesto. Em 2021, o Governo timorense investiu 7,5% do orçamento no setor, percentagem que facilmente envergonha o país em relação à vizinha Indonésia, com um investimento de 19,2% em 2020, mais do dobro. A média na Ásia Oriental e Pacífico é de 14,8%.

Os diferentes governos timorenses têm gasto pouco e mal com a educação do país, como refere o Banco Mundial: “Foram envidados esforços significativos para reconstruir o sistema de ensino e melhorar o acesso à educação, mas as despesas com a educação não se traduziram em melhorias proporcionais nos resultados da aprendizagem”.

Só 20,3% das crianças timorenses entre os três e os cinco anos frequentam a pré-escola

O Censo da População de 2022 confirma esse maior acesso à escola. A percentagem de timorenses que sabe ler e escrever é de 72,4%, o que representa uma melhoria em relação a 2015, ano em que a literacia se situava nos 67,3%. O município com valores mais elevados de literacia é o de Díli, com 89,6%, seguindo-se Manufahi com 75,8%. Oecusse reporta os níveis de literacia mais baixos, com pouco mais de metade da população (56,7%) a saber ler e escrever.

Entre os 3 e os 29 anos, 54,6% da população frequenta a escola, sendo que pela primeira vez a percentagem de mulheres é ligeiramente superior à dos homens, 55,7% e 53,6%, respetivamente. Celestino Gusmão considera positiva esta mudança “num país com uma cultura patriarcal, onde as mulheres ainda não têm as mesmas oportunidades”. Diz ainda ser necessário investir na capacitação das mulheres em zonas rurais para que possam participar mais ativamente na construção do país.

Ainda relativamente à frequência da escola, é problemático o acesso ao pré-escolar, que afasta Timor-Leste do cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, no que toca ao acesso universal a este nível de educação. Na faixa etária dos três aos cinco anos, só 20,3% das crianças timorenses frequentam a pré-escola. Já entre os seis e os 11, vão à escola 79,9% das crianças, uma percentagem menor do que entre os 12 e os 17 anos (83%), o que, segundo o documento, se poderá ter devido à pandemia de covid-19.

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Fonte: Censo da População 2022

Além da questão da educação, outro problema se coloca – o desemprego, apontado pelo próprio ministro das Finanças como um desafio, dada a elevada percentagem de jovens do país. O Censo indica uma percentagem global de 2,9% de desempregados, mas superior a 6% na faixa etária dos 15 aos 29 anos.

Celestino Gusmão acredita que esta taxa de desemprego não reflete a realidade de Timor-Leste e que os valores são bem mais elevados. “Os mecanismos dos Censos para distinção de emprego e desemprego são questionáveis. No mês passado, abrimos uma vaga para só uma pessoa, mas registámos cerca de mil candidaturas, o que mostra que esta taxa não é real”, sublinhou.

Como alerta o Banco Mundial, as taxas de desemprego nos países em desenvolvimento podem ser mais elevadas do que as oficiais por não haver incentivos ao registo dos desempregados: faltam apoios financeiros, de que são exemplos os subsídios de desemprego para quem não tem ou perde o trabalho, e apoio na procura de emprego, como é o caso de Timor-Leste.

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