Catarina Furtado: “Ninguém consegue dormir bem sabendo que uma mulher morreu ao dar à luz”

A primeira vez que Catarina Furtado esteve em Timor-Leste foi há 17 anos, momento em que estava gestante também pela primeira vez/Foto: Diligente

Em visita a Timor-Leste, a apresentadora e Embaixadora da Boa Vontade foi a centros de saúde e escolas, exigindo das autoridades maiores esforços para assegurar a saúde de mulheres, bebés e jovens.

“Ninguém consegue dormir bem sabendo que uma mulher morreu ao dar à luz”, afirmou Catarina Furtado, Embaixadora da Boa Vontade do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA, em inglês), durante a visita à maternidade do Centro de Saúde de Gleno, na passada quarta-feira (6.09). A declaração foi motivada por uma história que tinha acabado de tomar conhecimento: no dia anterior, uma mulher de 36 anos perdeu a vida após o parto.

Segundo dados do UNFPA, Timor-Leste tem uma das mais elevadas taxas de mortalidade materna no Sudeste Asiático, com 195 mortes por cada 100 mil nados-vivos, e uma taxa de mortalidade infantil de 30 óbitos por 1000 nados-vivos.

Enfática, Catarina Furtado, uma das apresentadoras de TV mais famosas de Portugal, sublinhou que é possível reduzir esses índices drasticamente.

“Isso não pode acontecer. O que é preciso é vontade política, colaboração com parceiros, investimento público e privado e que os doadores percebam o poder de serem capazes de salvar vidas de mulheres e dos seus bebés”.

Ao Diligente, a chefe da sala de internamento de Gleno, Alcina Fernandes da Silva, informou que a vítima de 36 anos deu à luz em casa, sem acompanhamento médico. Teve uma hemorragia e, quando já estava a caminho do centro de saúde, não resistiu.

De janeiro até ao momento, o centro registou 10 mortes de bebés e três de mulheres depois do parto. Em comum, os casos têm o facto de envolverem cidadãs que deram à luz em casa, sem a presença de uma equipa de saúde. Um outro estudo do UNFPA mostra que 51% das timorenses optam por parir no lar.

A visita da Embaixadora da Boa Vontade a Timor-Leste é parte de uma missão do UNFPA, que promove a saúde e o direito das mulheres e bebés, além de exigir melhorias junto das autoridades.

O vínculo de Catarina Furtado com Timor-Leste é longo. A primeira vez que esteve no país foi há 17 anos, momento em que estava gestante também pela primeira vez. Em 2016, como apresentadora de Príncipes do Nada – série de documentários da emissora RTP, que trata de cidadania e direitos humanos –, a apresentadora voltou a Timor-Leste para gravar um episódio, que abordou a situação da violência doméstica, do abuso sexual e dos problemas do acesso à educação.

De janeiro a setembro de 2023, a maternidade de Gleno registou 10 mortes de bebés e três de mães/Foto: Diligente

Na visita ao Centro de Saúde de Gleno, a apresentadora conversou com algumas mães grávidas que estavam à espera de consulta e perguntou-lhes se queriam ter mais filhos. As mulheres responderam que têm de ter mais filhos, porque essa é a vontade dos maridos e não delas. Catarina Furtado calou-se por um momento, abraçou-as e pediu que se cuidassem.

“É fundamental investir na proteção das mães e bebés”

O Ministério da Saúde de Timor-Leste e o UNFPA, em colaboração com a UNICEF e a Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2015, recuperaram quatro centros de Cuidados Básicos e Compreensivos de Emergência e Obstetrícia e Neonatal (CBEmON), com o objetivo de melhorar o atendimento às mulheres e bebés, reduzindo doenças e mortes. As ações envolvem também a formação de profissionais de saúde comunitários e hospitalares.

Segundo Catarina Furtado, o UNFPA tem um plano para restaurar mais 32 centros de CBEmON, em todos os municípios de Timor-Leste.

Em conversa com os jornalistas, a apresentadora contou que visitou muitos países durante os seus 23 anos enquanto Embaixadora da Boa Vontade e viu os resultados positivos dos projetos implementados pelo UNFPA. “Por isso, acredito que as ações realizadas em Timor-Leste também terão êxito”.

A Embaixadora observou que o país não se desenvolve mais e melhor se não investir na saúde materna. “É fundamental investir na proteção das mães e bebés para combater a pobreza, isto está provado mundialmente”, destacou. Catarina Furtado apelou ainda ao Governo para desenvolver estratégias que promovam a educação sexual e o planeamento familiar.

Na visita ao Centro de Saúde de Gleno, a apresentadora conversou com algumas mães grávidas que estavam à espera de consulta e perguntou-lhes se queriam ter mais filhos. As mulheres responderam que têm de ter mais filhos, porque essa é a vontade dos maridos e não delas. Catarina Furtado então calou-se por um momento, abraçou-as e pediu que se cuidassem.

Espaço Seguro e conversa com alunos

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A Embaixadora com os profissionais do Espaço Seguro: referência a ser replicada noutros locais/Foto: Diligente

Ainda na quarta-feira, Catarina Furtado visitou o Espaço Seguro, em Gleno, que acolhe vítimas de violência baseada no género. Lá, foi recebida pelo médico responsável, Horácio de Araújo Maia.

O profissional explicou que, de janeiro a setembro, a equipa atendeu 32 vítimas de violência doméstica (30 mulheres e dois homens). A maioria dos agressores é pessoa próxima ou do seio familiar. O Espaço Seguro não conta com psicólogos, mas tem médicos capacitados e treinados que podem dar aconselhamento, disse Horácio.

“É muito preocupante que a violência baseada no género seja tão elevada em Timor-Leste. Estamos a falar de cerca de 40% de mulheres que já sofreram algum tipo de violência física, psicológica ou sexual. O número é muito alto, isso significa que uma em cada três mulheres foi vítima. O Espaço Seguro, contudo, faz um bom trabalho e penso que deveria ser replicado noutros locais do país”, sugeriu a Embaixadora da Boa Vontade.

Depois de visitar o Espaço Seguro, Catarina Furtado seguiu para a escola Nino Konis Santana, que tem mais de 1.400 alunos. No local, conversou com os adolescentes (entre 16 e 18 anos) sobre como evitar a gravidez precoce, Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), e violência no namoro.

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A Embaixadora defende que a educação sexual faça parte do currículo escolar/Foto: Diligente

Catarina explicou que, nesta fase, os jovens começam a despertar para a sexualidade e têm vontade de beijar, de abraçar e de namorar. “O que é normal e devem ter liberdade para o fazer, mas com responsabilidade, por isso, devem ter acesso à educação sexual”, observou.

“É muito importante que os estudantes possam tirar todas as dúvidas relacionadas com a sexualidade”

Perguntados pela apresentadora a quem têm dúvidas sobre o corpo humano e sexualidade, uma aluna, envergonhada, respondeu que pedem ajuda aos pais. No entanto, a Embaixadora da Boa Vontade teme que os pais desconheçam estas questões e, por isso, não sejam capazes de informar corretamente os filhos.

Catarina Furtado defende que a educação sexual seja incluída no currículo escolar para que os jovens tenham acesso a informações seguras sobre o próprio corpo e possam evitar situações que colocam à saúde em risco. “É muito importante que os estudantes possam tirar todas as dúvidas relacionadas com a sexualidade”, observou.

O diretor-adjunto da escola, Gaspar dos Santos, frisou que a unidade não ensina educação sexual, mas  “os alunos têm a oportunidade de aprender sobre este assunto quando há ações de sensibilização por parte do pessoal de Saúde”.

Etelvino Soares de Jesus, 16 anos, aluno do 9º ano, contou que, durante três anos, apenas houve uma ação de sensibilização sobre o VIH/SIDA na escola. “Sugiro que haja mais eventos sobre estas questões para que os jovens estejam conscientes dos riscos e possam tomar medidas preventivas”, argumentou.

Cada um de nós pode fazer muita diferença

Ainda na quarta-feira à tarde, a Embaixadora da Boa Vontade visitou a Embaixada de Portugal, em Díli, onde, no seu discurso, destacou que “cada um de nós pode fazer muita diferença”.

“Sou Embaixadora da Boa Vontade do UNFPA há 23 anos, é uma missão voluntária, uma missão que cumpro honestamente. Tendo passado 23 anos a deslocar-me a países, onde os direitos humanos ainda são violados, sobretudo os direitos das mulheres, acredito que todos juntos podemos mudar para o bem comum”, referiu.

No discurso, Catarina Furtado mostrou-se triste por ter conhecimento de mortes maternas que são evitáveis. “As mães eram saudáveis, mas morreram quando deram à luz, morreram por falta de soro, de ambulâncias ou de vontade política. Isto é inaceitável”, lamentou.

Acredita, porém, que é possível mudar este cenário. Explicou que, há 17 anos, quando visitou Timor-Leste, as mães tinham, em média, 6 ou 7 filhos e agora sabe que cada mulher já tem 4 ou 5.

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Catarina Furtado em visita ao HNGV: é necessário um maior investimento na área da saúde/Foto: Diligente

Na sua passagem pelo país, a Embaixadora da Boa Vontade ainda visitou o Hospital Nacional Guido Valadares (HNGV), na quinta-feira (7.09), e reuniu-se com o presidente da República, José Ramos-Horta.

O presidente que ainda há muito a ser feito e recomendou que o Governo reabilite os hospitais referrais, invista na formação do pessoal de saúde, garanta a presença de um médico em cada suco e crie um centro materno-infantil em cada município, posto administrativo e suco.

Catarina Furtado, que termina a visita a Timor-Leste no sábado (9.09), fez um balanço positivo da viagem. “Houve, de facto, uma grande vontade de ouvir e colaborar. Tive a sensação de que o Governo percebeu a importância de destinar mais dinheiro para a área da saúde materna e eu gostava muito que isso acontecesse”.

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  1. Ao POVO de Timor tudo lhes e furtado!

    As Maes furtam-lhe o “palavreado”
    Pois o Ze Macho e o senhorado
    As criancas furtam futuro da nasaun
    pois a merenda e pobretana, coitado!
    Aos jovens furtam-lhe a decisao no sexualizado
    Aos katuas furtam-hes o “guisado”
    A educacao que e primordial esta com TB, amaldicoado
    O poder nao e descentralizado
    Os de Dili sao os Zes Amado
    Os da montanha, estradas dao cabo do costado
    E a agua potavel e miragem, cornos do touro no forcado
    A massaroca do petroleo e um triste fado
    O turismo esta meio espantado
    A agricultura, pa e picareta, amordacado
    Ao POVO “tudo” lhes e furtado!

    Ze Assanhado
    Pueta de TL

  2. O nome “Embaixadora da Boa Vontade”assenta bem na pessoa da Catarina Furtado. Agora, na eficácia da sua presença ou “exigência”, duvido. Nada acrescentou, nem podia, ao que os governantes não soubessem! Estive na montanha, dois anos e fiz voluntariado na Cruz Vermelha. Os problemas existiam nessa altura. O que foi melhorado a nível de controlo de natalidade, mortalidade infantil, violência doméstica (mulheres)?!
    Gostaria muito de ler notícias bem mais animadoras.
    Guardo muitas estórias dentro de mim…e continuam a doer…porque amo esse povo e sei que MERECE muito mais.

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