Catarina Furtado apela para que saúde materna receba mais investimento e seja prioridade em Timor-Leste

Embaixadora da Boa Vontade há 23 anos, Catarina Furtado foi uma das criadoras do programa de televisão Príncipes do Nada, que trata de questões sociais e é exibido pela estação de serviço público portuguesa RTP/Foto: Diligente

Em visita ao país, a Embaixadora da Boa Vontade do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA, em inglês) falou também ao Diligente sobre a necessidade de os jovens terem acesso à educação sexual e reprodutiva, e da importância do planeamento familiar.

O vínculo de Catarina Furtado com Timor-Leste começou ainda na infância, quando o pai, o jornalista Joaquim Furtado, lhe contava o que se passava na ilha do sol nascente. Cresceu com muita curiosidade e vontade de ver com os próprios olhos as pessoas, o ambiente e a cultura de que tanto ouvira falar.

Veio então ao país pela primeira vez há 17 anos, momento em que estava gestante também pela primeira vez. Em 2016, como apresentadora de Príncipes do Nada – programa de documentários da emissora RTP, que trata de cidadania e direitos humanos –, Catarina voltou a Timor-Leste para gravar um episódio, que abordou temas como a violência doméstica, o abuso sexual e os problemas do acesso à educação.

Na semana passada, regressou a Timor-Leste para participar numa série de atividades como Embaixadora da Boa Vontade do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA, em inglês), função que exerce há 23 anos. Durante sua visita, foi ao Centro de Saúde de Gleno, a escolas e hospitais, conversou com mulheres, crianças, jovens, profissionais da Saúde e autoridades. Catarina Furtado exigiu das figuras de poder mais atenção e investimento na área da Saúde, sobretudo em medidas que sejam capazes de reduzir o número de mortes de mães e bebés recém-nascidos.

A Embaixadora da Boa Vontade, que é uma das apresentadoras de televisão mais famosas de Portugal, encerrou a visita a Timor-Leste no sábado (9.09). Saiu com a expetativa de que as autoridades coloquem em prática as promessas, e “com uma mala muito carregada de mimo, de beijos e de abraços”. “Vou pagar excesso de bagagem, porque levo muito amor de Timor-Leste”, concluiu.

Conte-nos um pouco desta sua relação com Timor-Leste. O que, de início, a fez estabelecer o vínculo com o país?

O meu pai é jornalista. Eu cresci a ouvir falar sobre a independência de Timor-Leste, que tínhamos de apoiar o povo timorense. Logo muito pequenina, começou a ligação afetiva. A solidariedade enorme que Portugal tem para com Timor foi uma marca.

Há 23 anos que trabalho voluntariamente com o UNFPA. Na altura, comecei a ser requisitada para fazer estas viagens para o terreno e fazer algumas missões. Timor-Leste não foi um dos primeiros países a que fui. Comecei a pensar em dar mais visibilidade às temáticas do UNFPA, nomeadamente a saúde materna, a saúde sexual e reprodutiva, os direitos sexuais e reprodutivos, o potencial dos jovens, a não violência com base no género e para tal criei um formato televisivo, onde eu posso fazer reportagens, que se chama Príncipes do Nada e que existe na RTP há 17 anos, quando vim pela primeira vez a Timor-Leste.

Fiz muitas histórias sobre estas áreas dos direitos humanos em Timor-Leste e,  além disso, fiz visitas ao terreno enquanto Embaixadora do UNFPA. Estou ligadíssima a Timor-Leste, sinto um enorme amor por esta terra, sinto que sou muita acarinhada de cada vez que venho cá. Ainda agora vou com uma mala muito carregada de mimo, de beijos e de abraços. Vou pagar excesso de bagagem, porque levo muito amor de Timor-Leste.

No documentário Príncipes do Nada, em Timor-Leste, abordou questões como a violência doméstica, o abuso sexual, os problemas do acesso à Educação, entre outras. O que é que mais a impressionou nas histórias que conheceu?

Eu fico indignada e revoltada por todas as questões que podem ser evitadas, mas acontecem aqui. Não me invadem de maneira que me possam paralisar, mas esta indignação transformo em ação, até por ter uma equipa extraordinária em cada um dos países, a equipa do UNFPA.

O que me revolta são as mortes maternas e de bebés evitáveis. Aquilo que é evitável, não podemos aceitar. Temos de trabalhar para evitar que existam 195 mortes por cem mil nados vivos. No ano passado, morreram 393 nados. É inaceitável. Se sabemos como fazer e aprendemos em outros países e em outras histórias, porque é que não fazemos? Timor-Leste já conseguiu diminuir a taxa de mortalidade materna nos últimos anos, mas temos de diminuir mais. Tem de haver vontade política de todos os parceiros.

A violência com base no género também me choca muito, porque uma em cada quatro mulheres em Timor-Leste sofre de violência física, psicológica e sexual. Outra coisa que me choca e é gritante e está enraizada é a desigualdade de género, que tem de ser demolida.

Assuntos como gravidez precoce, teste de VIH, uso do preservativo e demais métodos contracetivos, entre outros, ainda são considerados tabu em Timor-Leste. Mesmo na escola ainda não há a disciplina de Educação Sexual. Como pensa ser a melhor forma de lidar com estas questões?

O Governo tem de ver estas questões como elas são. Os jovens e os adultos fazem sexo. É normal. Tem de investir mesmo na educação sexual compreensiva nas escolas. Os jovens têm de ter acesso a planeamento familiar e a saúde sexual e reprodutiva. Tem de deixar de ser um tabu. Como é que é possível dizer aos jovens: ‘vocês não pratiquem sexo’? Isso é da pré-história.

Em Timor-Leste, por exemplo, as autoridades chegaram a mandar riscar a expressão ‘uza prezervativu’ (escrito em tétum) dos cartazes da prevenção do VIH/SIDA.

É escandaloso mandar riscar a expressão ‘use preservativo’ dos cartazes da prevenção do VIH/SIDA, porque é um direito dos jovens. Exatamente por isso que, é um dado recente, estão a aumentar os casos de VIH/SIDA. Os jovens têm de ter mais poder e ser mais ouvidos. Tem de haver planos e programas específicos para eles.

Existe um bocadinho esta ideia de que o planeamento familiar é apenas para controlar o número de filhos. Não! É, sim, para controlar o espaçamento entre os filhos e, sobretudo, para garantir que a mulher tenha filhos que deseja, na altura que deseja e tenha uma gravidez e um parto seguros.

Há muitas doenças que acontecem com gravidezes que ocorrem muito seguidas. Nem a mãe está recuperada, pode ter complicações, nem sequer os bebés vêm saudáveis. Há subnutrição quer dos bebés quer da mãe. Está tudo relacionado.

Temos de olhar para o mundo como ele é atualmente. Outros países que tiveram políticas mais abertas sobre estas questões têm resultados melhores. Também tinham uma relação muito fechada com as questões da saúde sexual e reprodutiva e um medo terrível. O medo é aquilo que promove os comportamentos menos saudáveis e menos responsáveis e o fruto proibido mais apetecido.

E a ignorância promove também a violação dos direitos humanos. As pessoas não querem conscientemente violar os direitos humanos, mas a ignorância promove a violação.

Já visitou Timor-Leste várias vezes. Como avalia a situação do país?

Com boas expetativas. É evidente que, quando eu vim cá, há 17 anos, a taxa de mortalidade materna era mais elevada. O número de filhos por mãe também era maior. Se tiverem muitos filhos é natural que não tenham tantas condições para lhes dar.

Está provado, por exemplo, num dos projetos nesta área que o UNFPA atua, que quando as mulheres têm a responsabilidade de escolher o número de filhos e a altura em que os querem ter e têm acesso à Educação, isso vai fazer com que essa mulher seja a primeira a levar os seus filhos aos centros de saúde e a colocá-los na escola.

A mulher tem de ser apoiada na sua educação e no acesso à saúde sexual e reprodutiva, caso contrário depois vai replicar o mesmo comportamento com os seus próprios filhos. E é assim que se desenvolve o país economicamente e socialmente, até porque as mulheres precisam de um outro tipo de reconhecimento.

Qual a mensagem que levou ao Presidente da República, José Ramos-Horta?

A mensagem foi que entendo perfeitamente que o Sr. Presidente já tenha manifestado publicamente a sua preocupação com a subnutrição. É fundamental que um país não tenha crianças subnutridas. É revoltante. Mas não nos podemos esquecer nunca das mães. Muita da subnutrição que acontece nos bebés começa na subnutrição da própria mãe. Portanto, pedi-lhe muito que tentasse fazer o lobby junto do Governo, para que a saúde materna tenha mais investimento e seja uma prioridade deste país.

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