No dia 11 de junho, uma menina foi atropelada na passadeira à frente do supermercado Lita Store, ficando em estado grave; Polícia de Trânsito diz que já identificou o condutor.
Por volta das 17h de 11 de junho, domingo em Díli, uma mãe segurava a mão da filha, enquanto saíam do supermercado Lita Store. Tranquilamente, seguiam para atravessar a passadeira. Em segundos, a filha, entusiasmada para ir à frente da mãe, solta a sua mão e é surpreendida por uma mota a grande velocidade, que vinha sem controlo na sua direção.
Atingida, a menina foi arrastada por vários metros até que o condutor, de forma cobarde, fugiu sem prestar socorro. Ninguém viu a matrícula nem o modelo da mota. Quase sem acreditar no que acontecera, a mãe da criança, em choque, tentava ajudar a filha e gritava por socorro. Pelos comentários das testemunhas que estavam no local, o estado de saúde da criança era grave.
O professor André Esteves, 33 anos, foi um dos que presenciou o atropelamento e prestou socorro à vítima. “Estava a comprar saldo de telemóvel à frente do Lita e, subitamente, ouvi o som de uma mota a bater em alguma coisa. Quando me virei, vi uma criança já estendida no chão. A mãe começou a gritar, foi a correr na direção da filha e agarrou-a com cuidado. Fui ajudá-la, deitámos a criança semiconsciente no chão. Ela estava com alguns ferimentos na cara. Pedi o auxílio das pessoas que estavam no local para que chamassem uma ambulância ou tentassem fazer alguma coisa. De repente, parou um carro e o condutor ajudou a mãe a colocar a menina na viatura e seguiram para o hospital”, relatou o jovem.
“Atingida, a menina foi arrastada por vários metros até que o condutor, de forma cobarde, fugiu sem prestar socorro. Ninguém viu a matrícula nem o modelo da mota”
O vendedor de pulsa Fernando Marques, de 24 anos, trabalha à frente do supermercado Lita Store desde 2016. Para ele, a passadeira onde a mãe e a filha atravessavam é a mais perigosa da cidade. “O sinal de trânsito é quase sempre ignorado pelos condutores e até pelos agentes da polícia”.
Fernando estava lá quando ocorreu o acidente naquela tarde de domingo. “De repente, ouvi um forte estrondo. Quando olhei, a criança, que deveria ter 3 ou 4 anos, já estava no chão. Fiquei assustado e sem saber o que fazer, mas vi um estrangeiro a correr imediatamente para a ajudar. Depois, um carro parou e o condutor transportou a menina e a mãe para a emergência”.
Caminhar e conduzir pelas vias de Díli exige muita atenção para não se envolver em acidentes. Na capital, a imprudência, aliada ao desrespeito pelos sinais de trânsito, como passadeiras, placas e semáforos, colocam a vida das pessoas em risco. A criança que foi atropelada é uma das muitas histórias trágicas que mancham de sangue as ruas da cidade.
Mas não é só com atropelamentos que a fuga acontece. A estudante de Direito da Universidade Nacional Timor-Lorosae (UNTL), Esterlita Pereira, 29 anos, também já foi vítima de acidente e fuga, em 2020.
“Na ocasião, quando saí das aulas, às 20h, estava a chover muito. Ia de mota e, na rua à frente do Quartel General, um condutor em outra mota a alta velocidade e em sentido contrário veio contra mim. Atingiu-me e fugiu. Foi tudo muito rápido. Felizmente não foi nada grave, mas magoei os pés. Como já era noite, estava lá pouca gente, mas ninguém me ajudou. Fui para casa sozinha a conduzir com dores e traumatizada”, lembra a vítima, visivelmente perturbada.
Bonifácio Soares Martins, enfermeiro do Hospital Nacional Guido Valadares (HNGV), em entrevista ao Diligente, referiu que todos os dias a emergência recebe acidentados. E tendo em conta a limitação do espaço, o profissional avalia a situação como “problemática”, uma vez que a unidade hospitalar atende pacientes de todos os municípios. “Por isso, às vezes, temos de os assistir sentados ou em pé, consoante a gravidade”, contou.
Segundo os dados do Departamento de Emergência do HNGV a que o Diligente teve acesso, entre janeiro e maio deste ano, foram atendidas 818 pessoas acidentadas de mota e 121 de carro nas ruas de Díli. Dessas, 12 perderam a vida e 80 deram entrada no hospital em estado grave.
Incumprimento das regras de trânsito
Fernando Marques diz já ter presenciado incontáveis acidentes à frente do Lita Store e confessa sentir-se apreensivo com a falta de rigor na aplicação das regras de trânsito por parte dos agentes policiais. Deu o exemplo do colega, também vendedor de pulsa, atropelado na mesma passadeira no ano passado. O condutor não fugiu, mas o polícia que estava presente, diz, “não fez nada”.
“Na altura, um agente da polícia assistiu ao acidente. Em vez de interrogar o condutor e abrir um processo, apenas perguntou ao meu amigo se queria avançar com o caso. Com dores e confuso, o meu colega disse que não e o polícia foi-se embora”, afirmou.
“O sinal do trânsito é quase sempre ignorado pelos condutores e até pelos agentes da polícia”
Em declarações ao Diligente, o inspetor de trânsito da Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL), Ângelo Quelo, realçou que a falta de consciência dos condutores é a principal causa dos acidentes em Díli, porque, enfatiza, já foram realizadas ações de sensibilização sobre o código da estrada nas escolas, universidades e na comunidade. “Infelizmente, contudo, os condutores continuam a violar as regras”. Ângelo ressaltou que os polícias de trânsito são devidamente treinados para cumprir a lei.
Questionado sobre o atropelamento e fuga na passadeira à frente do Lita no dia 11 deste mês, o inspetor disse que o caso já foi processado e investigado. “O autor do acidente já foi identificado através das imagens captadas pelas câmaras de vigilância. O processo legal está a decorrer”, informou.
Ângelo Quelo explicou que ocorrências do tipo são tipificadas no artigo 148.º do Código Penal de Timor-Leste (Ofensas à integridade física negligentes), que prevê, nos casos graves, punição com “prisão até 3 anos ou com pena de multa”. A legislação estabelece que “o procedimento criminal depende de queixa”.
De acordo com os dados fornecidos pela Unidade de Trânsito de Díli, registaram-se 452 acidentes nas estradas da cidade, entre janeiro e meados do mês de junho deste ano.
Para o advogado José Fernandes Teixeira, a ineficiência das autoridades em fiscalizar e o desconhecimento do código da estrada por parte dos condutores são as principais razões para a ocorrência de acidentes nas vias da capital.
“A falta de rigor no exame para obter a carta de condução acarreta o desconhecimento das regras de trânsito. As pessoas não têm noção das regras, das prioridades, de como se circula numa rotunda. Por isso há um grande caos nas ruas de Díli”, observou o jurista.
Em reportagem publicada no dia 6 de março, o Diligente destacou a facilidade para se conseguir a habilitação de condução em Timor-Leste.
O advogado acredita que a legislação de trânsito está completa, “o que falta é a implementação com efetividade. Por exemplo, da regra de limite de velocidade existe para que não possa pôr em perigo as pessoas, sobretudo na cidade. No entanto não existem ferramentas que detetem os condutores de veículos que ultrapassam o limite previsto”.
Conforme o artigo 25.º do Código da Estrada de Timor-Leste, a velocidade deve ser especialmente moderada “à aproximação de passagens assinaladas na faixa de rodagem para a travessia de pões; de escolas, hospitais, creches e estabelecimentos similares, quando devidamente sinalizados”, entre outros. No caso de infração ao referido artigo, a sanção prevê coima de 6 dólares a 30 dólares.
O Diligente tentou, durante dias seguidos, obter junto do HNGV informações sobre o estado de saúde da menina atropelada no dia 11 de junho, porém, por não ter o nome da vítima, não foi possível encontrar detalhes a seu respeito.