Bernard Harborne: “Vemos um progresso geral, mas ainda há dificuldades em resolver os grandes desafios da educação”

Bernard Harborne é representante do Banco Mundial em Timor-Leste desde 2021/Foto: DR

Para o representante do Banco Mundial em Timor-Leste, a prioridade do país deve ser o desenvolvimento de políticas focadas no bem-estar e alimentação saudável dos bebés e das crianças com menos de 5 anos. Investimentos na educação básica e em programas de criação de empregos para os jovens também merecem atenção especial, argumenta.

Em 2021, Bernard Harborne foi nomeado representante do Banco Mundial para Timor-Leste. A sua função é supervisionar, gerir e apoiar programas da instituição financeira no país, além de liderar o diálogo do Banco com o Governo timorense em direção aos objetivos de reduzir a pobreza e aumentar a prosperidade.

Natural do Reino Unido, Bernard Harborne entrou para o Banco Mundial em 2004, como consultor principal para conflitos em África. De 2007 a 2008, foi diretor nacional na Costa do Marfim. A partir daí, tem-se concentrado no envolvimento estratégico do Banco Mundial em países em crise, incluindo a República Centro-Africana, a Líbia, a Somália e o Sudão do Sul. Tomou conta dos projetos de desmobilização e reintegração de ex-combatentes, bem como de desenvolvimento local e comunitário. Liderou o trabalho do Banco Mundial no setor da segurança e foi o principal autor do livro de referência Securing Development: Finanças Públicas e o Sector da Segurança, de 2017. É formado em Direito, com especializações em Direito Penal e Direitos Humanos, e mestre em Direito Internacional, pela London School of Economics (LSE).

De acordo com o representante, para desenvolver Timor-Leste, é necessário investir no bem-estar e alimentação saudável dos bebés e das crianças com menos de 5 anos. Em segundo lugar, apostar na educação básica. Em terceiro, criar mais emprego para os jovens.

Desde quando o Banco Mundial tem representatividade em Timor-Leste? Qual o papel desempenhado pela instituição no país desde então?

O Banco Mundial está presente em Timor-Leste desde 2000. Portanto, há 23 anos. E desde essa altura, temos fornecido financiamento para apoiar o Governo. No total, o nosso apoio foi de 782 milhões de dólares, ou seja, quase três quartos de mil milhões de dólares.

E parte disso foram subvenções. E uma parte têm sido créditos e empréstimos.

Desde 2011, que passámos das subvenções para os empréstimos, devido à presença do Fundo Petrolífero, porque isso significa que, de facto, Timor-Leste é bastante rico e as subvenções que vêm do Banco Mundial são normalmente para os países mais pobres do mundo.

Com esse dinheiro, temos apoiado o Governo em muitos setores, principalmente nas infraestruturas, nas estradas e na agricultura, e, atualmente, em alguns dos serviços sociais, como a educação e a saúde.

“Portanto, víamos muitos progressos, mas agora o que vemos é que os resultados do desenvolvimento estão estagnados. Nos últimos 5 a 10 anos, os resultados têm sido os mesmos. Não estão a melhorar progressivamente, ou seja, estão parados”

Em termos gerais, como é que o Banco Mundial avalia a situação socioeconómica de Timor-Leste em 21 anos de democracia?

A história geral que vemos é a de um país que se saiu extremamente bem, porque partiu de um ponto de partida muito baixo, após 24 anos de guerra. Isso significa que as infraestruturas foram destruídas e que as condições dos timorenses eram muito más. Assim, nos primeiros 10-15 anos, o país foi muito bem-sucedido na tentativa de resolver alguns desses desafios socioeconómicos. Por exemplo, a esperança de vida melhorou de 60 anos para cerca de 71 anos, o que é um grande progresso.

Os Governos aumentaram o acesso à eletricidade, aos serviços de saúde e à educação.

Portanto, víamos muitos progressos, mas agora o que vemos é que os resultados do desenvolvimento estão estagnados. Nos últimos 5 a 10 anos, os resultados têm sido os mesmos.

E apesar de o país dispor de recursos do Fundo Petrolífero, não é capaz de os utilizar de forma a desbloquear esses grandes desafios.

Por exemplo, 47% das crianças são raquíticas. Cerca de 25% das crianças não conseguem passar do 1º para o 2º ano ou do 2º para o 3º ano. Têm de voltar atrás e repetir o ano, o que faz com que não tenham a matemática e a literacia adequadas. E isso é muito ineficaz, porque significa que temos cada vez mais crianças nas classes mais baixas.

Vemos um progresso geral, mas ainda há dificuldades em tentar resolver os grandes desafios da educação.

Que setor ou área do país merece mais atenção na perspetiva do Banco Mundial?

Há muitos desafios, mas é necessário o Governo concentrar-se. Caso contrário, não conseguirá alcançar nada. E é essa a nossa principal mensagem para o Governo. Recomendamos que as principais áreas sejam para a futura geração de Timor-Leste. É uma nação muito jovem e, por isso, precisam de investir neles.

Por causa disso, pensamos que o mais importante é dar atenção aos bebés, às crianças com menos de 5 anos e às que entram na escola pela primeira vez. Portanto, os primeiros anos, aquilo a que chamamos educação básica. E depois, em terceiro lugar, os jovens que saem da escola, da universidade para o seu emprego. É necessário criar mais empregos. Há muitas outras questões, mas investir nesta grande fatia da população é muito importante.

“Ainda temos um longo caminho a percorrer em termos de conseguir realmente levar as infraestruturas para a cidade”

Segundo o Censo de 2022, mais de metade das famílias timorenses ainda recorre às fontes de água desprotegidas ou desconhecidas e dependem da proximidade de ribeiros e lagos para conseguir água para beber. No ano passado, o Banco Mundial assinou um acordo de empréstimo de 121 milhões de dólares americanos para o Governo de Timor-Leste, para “desenvolver, melhorar e expandir o sistema já existente de água potável na parte leste de Díli”. Foi informado que o projeto beneficiaria 82.380 pessoas, com instalação de canalizações e contentores em 12.482 casas. Qual a situação atual desse projeto?

O primeiro-ministro, Xanana Gusmão, quis rever muitos dos compromissos assumidos pelo Governo anterior. Assim, a situação do projeto tem estado suspensa , mas soubemos muito recentemente que ele, como dizemos em inglês, “deu luz verde” para o projeto avançar, o que é uma ótima notícia. O projeto faz parte de dois outros: um em que o Banco Mundial está a tomar conta da zona leste de Díli e o outro é da responsabilidade do Banco Asiático de Desenvolvimento, que é a zona oeste de Díli. E, para além disso, temos o Secretário de Estado da Eletricidade, Água e Saneamento, que está a tratar do saneamento e do tratamento da água.

Estes três projetos são muito importantes, sobretudo para Díli, porque aumentarão não só o acesso à água, mas também a água de qualidade que se pode beber e não apenas lavar as mãos. Por isso, vemos isto como um bom sinal do Governo, mas ainda temos um longo caminho a percorrer para conseguirmos realmente levar as infraestruturas para a cidade. Levará dois, três, quatro anos até começarmos a ver alguns resultados.

O Banco Mundial possui uma base de dados muito extensa com informações sobre os aspetos socioeconómicos dos países. Além de pormenores sobre o investimento público em várias áreas. Como é que estes dados são recolhidos?

Trabalhamos em estreita colaboração com o novo Instituto Nacional de Estatística de Timor-Leste (INETL) (a antiga Direção de Estatística do Ministério das Finanças) e com as suas equipas para lhes mostrar como se faz investigação e inquéritos noutros países, não somos nós que fazemos a recolha de informação. Dependemos de fontes governamentais, o que podemos realmente oferecer é a análise, por exemplo, como utilizar esses dados de forma a contar uma história, seja ela boa ou má.

Poderá o Banco Mundial, por exemplo, ajudar o Governo de Timor-Leste a desenvolver uma plataforma que facilite o trabalho dos jornalistas na procura de informações de interesse público?

Claro, penso que um dos aspetos do Banco Mundial é encorajar os Governos a terem informação e dados de fonte aberta em tudo o que publicamos. Por isso, quando nos sentamos com o Governo e dizemos, tudo bem, gostaríamos de trabalhar convosco neste tópico, crianças ou comércio ou o setor do café ou o que quer que seja, dizemos sempre que esta informação deve estar aberta ao público e ser partilhada, por exemplo, com os meios de comunicação social e os jornalistas. Portanto, isto é, de certa forma, uma condição da nossa forma de trabalhar. Não trabalhamos em segredo.

“O governo precisa de ser um pouco cuidadoso, porque não se trata apenas de atirar dinheiro para o problema. Também tem a ver com as instituições que podem gastar bem o dinheiro”

Com base nos dados do Banco Mundial, na área da Saúde, entre os países do Sudeste Asiático, apenas o Governo de Myanmar (3,41% do orçamento do Estado) investe menos no setor do que o timorense (6,59%). Já na Educação, os números mostram que, desde 2008, só uma vez a percentagem alocada pelo Governo timorense para a área chegou aos dois dígitos: foi em 2009 e não passou dos 10,6% do total do Orçamento Geral do Estado. Para se ter uma ideia, entre os países da ASEAN, a percentagem média de investimento público na educação é de 14,8% do orçamento de Estado. Considera que a Saúde e Educação mereciam receber mais recursos públicos?

Penso que isso é muito importante, porque estamos prestes a entrar num grupo e é muito importante ver onde Timor-Leste está em relação aos outros países dessa associação. Penso que há duas questões. Concordo em absoluto com a questão de que se deve investir mais na educação, que deveria ser o maior projeto. Penso que uma Organização Não Governamental descreveu que deveria ser o megaprojeto do Governo, porque, ao contrário da Malásia e da Indonésia, é uma nação jovem. O vosso povo é mais jovem. Por isso, agora é a altura certa. Mas, em segundo lugar, penso que o Governo precisa de ser um pouco cuidadoso, porque não se trata apenas de atirar dinheiro para o problema. Também tem a ver com as instituições que podem gastar bem o dinheiro. Assim, cerca de 80% do atual orçamento da educação é gasto com professores. Os professores são fantásticos. Não se pode fazer um sistema escolar sem professores, mas isso significa que muito pouco dinheiro está a ser gasto nas escolas, em casas de banho, em água para as escolas, em alimentação escolar, em livros.

Por isso, à medida que se aumenta a despesa com a educação, é preciso ter as pessoas certas a gerir esse dinheiro para garantir que se obtêm os resultados esperados de mais dinheiro.

Este é um aspeto fundamental. E depois, muito importantes são as pessoas, como os meios de comunicação social e a sociedade civil, que olham para o Governo e dizem: “Ok, estão a gastar mais na educação. Qual é o retorno? Quais são os resultados? Estão a atingir os vossos objetivos?”. É aí que o papel dos media é realmente importante.

“A nossa visão é, de facto, apoiar um Timor-Leste democrático e livre e apoiar o Governo em todo o seu programa para os próximos cinco anos. E de uma forma que seja responsável não só perante o Governo, mas também perante o povo timorense”

Timor-Leste, segundo um relatório da ONG La’o Hamutuk, tem uma percentagem de desemprego de 27%; o salário mínimo, de 115 dólares, é o mesmo de há 11 anos; todos os anos milhares de pessoas emigram em busca de melhores oportunidades; aproximadamente 42% de 1,3 milhões de habitantes encontram-se em situação de pobreza, sendo que 22% da população sobrevive em condições de pobreza extrema, ou seja, com menos de 1,90 dólares por dia (Índice da Pobreza Multidimensional, ONU). Considerando esse cenário, como é que o Banco Mundial pode ajudar a dinamizar a economia e melhorar esses indicadores sociais?

Sim, penso que há uma série de coisas. Uma delas é que a migração não é uma coisa má, mas acho que se toda a gente quiser ir embora, isso é mau. Haverá sempre pessoas que querem viajar e viver. Eu já não vivo no meu país há 20 anos.

No entanto, se eu sair de Timor-Leste, isso significa que estou a devolver dinheiro à minha família. E se for apenas por um curto período de tempo, posso voltar com melhores competências, talvez a língua inglesa, e posso arranjar um emprego melhor do que quando comecei. Portanto, há alguns benefícios naquilo a que chamamos mobilidade laboral. Por isso, penso que é uma tendência positiva o facto de haver cada vez mais oportunidades na Austrália, na Coreia, no Japão, talvez na Europa, para os jovens viajarem e regressarem com competências mais elevadas.

O que sabemos é que a indústria petrolífera não cria emprego. É uma indústria altamente especializada e muito pequena. Por isso, o que gostaríamos de ver é mais investimento, tanto público como privado, em áreas fora da indústria petrolífera, como por exemplo, na agricultura, no turismo, talvez começando pela indústria ligeira, para que sejam criados mais empregos no terreno.

Qual é a visão do Banco Mundial para o futuro de Timor-Leste?

A nossa visão é, de facto, apoiar um Timor-Leste democrático e livre e apoiar o Governo em todo o seu programa para os próximos cinco anos. E de uma forma que seja responsável não só perante o Governo, mas também perante o povo timorense.

Vemos uma série de coisas fundamentais a acontecer. Por exemplo, o tipo de reformas que conduzem a investimentos efetivos no capital humano, na educação, na saúde e na nutrição. Em segundo lugar, que conduzam ao tipo de reformas que estimulam o investimento do setor privado, quer do setor privado nacional, quer do setor privado internacional. E, em terceiro lugar, que possamos apoiar o Governo na adesão à Organização Mundial do Comércio (OMC) e à ASEAN, porque isso será um verdadeiro incentivo para o Governo e para Timor-Leste se aperfeiçoarem, de modo a poderem ser membros destes grandes grupos e começar a integrar a sua economia no mundo ou na região.

Portanto, todas essas coisas são lideradas pelo Governo. Nós temos um papel modesto nesse processo e esperamos que o Governo tenha a energia e a força para liderar o país neste momento.

Quais são as suas expetativas em relação ao programa do Relatório do Banco Mundial Sobre o Capital Humano de Timor-Leste que será lançado na terça-feira?

Sim, é apenas o início de uma viagem, mas penso que é um sinal muito bom dado pelo vice-primeiro-ministro, Mariano Sabino. Ele concentrou-se em três áreas-chave de desenvolvimento: educação, saúde e economia. Penso que isso é positivo. E sabemos que a coordenação entre diferentes ministérios não é fácil, mas ele tem o apoio total dos parceiros de desenvolvimento. Por isso, esperamos que, dentro de um ano, possamos apresentar algum tipo de relatório. Ele poderia apresentar um relatório que dissesse: “Ok, este é o ponto em que nos encontramos em matéria de nutrição e segurança alimentar.”

O que é que isso significa realmente? Sabemos que existe um grande problema. Mas o que é que isso significa em termos de progresso? O mesmo se passa com o desenvolvimento da primeira infância. O mesmo em relação à juventude. Para que ele possa apresentar alguns números e coisas concretas que tenham progredido. É isso que eu esperaria daqui a um ano.

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  1. Eh pa, isto e muita areia para a camioneta de muita gente, sobretudo a gente politica!
    Essa gente politica sao como as criancas que nao passam de ano e voltam a repetir os erros.
    Uma coisa que eles sabem bem, principalmente os 1% deles e trocar de poleiro. Acho que eles nao tiveram uma alimentacao saudavel ate aos 5 anos, sao politicamente raquiticos. Deem-lhes a reforma obrigatoria e tragam “new blood”

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