Bebés abandonados: onde está a responsabilidade do Estado?

Bebés abandonados e encontrados vivos são imediatamente levados para os serviços de urgência /Foto: Diligente

“O Estado tem a obrigação de cuidar dos seus cidadãos em todas as situações? O Estado tem essa obrigação mesmo quando os pais não honram os seus compromissos para com os filhos?”

Os casos de bebés abandonados tem ocorrido com frequência nos últimos meses. O assunto também ganhou destaque na opinião pública, nas redes sociais e nos órgãos de comunicação social. A condenação pública deste comportamento não se limita apenas a questões morais. A Comissão dos Direitos da Criança também exige que os homens assumam responsabilidade, sob o argumento de que contribuem para a ocorrência destes episódios. Muitos expressam preocupação, mas há uma tendência generalizada em atribuir a responsabilidade ao indivíduo, à família ou à comunidade, ignorando o papel do Estado.

Na vida, ninguém vive isolado: todos fazem parte da sociedade. Todos aceitam um contrato social com o Estado, no qual este tem a incumbência de proteger, cuidar e promover os direitos humanos. Quando há uma gravidez indesejada, o Estado não pode simplesmente ignorar ou deixar de tomar medidas preventivas.

Vários fatores contribuem para o fenómeno dos bebés no lixo, incluindo fatores individuais (família), o papel da comunidade e a responsabilidade do Estado. A falta de conhecimento sobre sexo seguro é definitivamente um fator que contribui para este problema. O facto de a cultura timorense impedir conversas sobre sexo e a educação sexual, temas considerados tabu, resulta numa lacuna na sociedade. Assim, crianças e adultos, por falta de informação ou por escolha própria, procuram conhecimento externo, muitas vezes, através de fontes pouco credíveis, na internet ou nas redes sociais.

Outro fator é a relutância de mulheres e homens em assumir responsabilidades. Quando não há conhecimento adequado sobre relações sexuais, há o risco de uma gravidez indesejada. Essa situação agrava-se quando o homem não quer assumir responsabilidades. Mesmo que assuma, pode limitar-se apenas à responsabilidade biológica, sem considerar o aspecto económico ou o cuidado integral do bebé.

Um terceiro fator é a pressão social. Quando uma cidadã engravida, mas não tem apoio do parceiro ou da família, é considerado um problema social que cria desordem familiar. A pressão social e da família aumenta quando não há um sistema de suporte adequado, sobretudo, para as mulheres, o que pode levar a atitudes negativas e ilegais contra as mulheres.

O quarto fator é o uso não saudável da internet. O Estado não possui um sistema para proteger os seus cidadãos na rede. Jovens aproveitam para aceder a informações que podem representar riscos para as suas vidas. Embora o Parlamento Nacional tenha realizado formações sobre o uso saudável da internet, não foi suficiente. A internet e as redes sociais abrem portas para todos, e os mais jovens, que ainda não têm um sistema de controlo, estão constantemente a conteúdos que podem desinformar.

O quinto fator refere-se a questões económicas. Famílias que têm filhas grávidas ou filhos que as engravidaram enfrentam muita ansiedade quando se deparam com esta situação. Preocupam-se porque podem não ter recursos suficientes para sustentar mais um membro. Esta preocupação constante, muitas vezes, leva a que equacione recorrer ao aborto ou ao abandono do bebé.

Todos estes fatores estão fortemente relacionados com o desenvolvimento social, político e económico da nação. No aspecto do desenvolvimento social, quando falamos sobre educação, a responsabilidade recai, em grande parte, nas mãos do Estado. Isso também se aplica quando discutimos sobre internet saudável, relações sexuais seguras, economia familiar e sistemas de cuidado social.

O Estado tem a obrigação de cuidar dos seus cidadãos em todas as situações? O Estado tem essa obrigação mesmo quando os pais não honram os seus compromissos para com os filhos? De acordo com a Constituição da República Democrática de Timor-Leste (CRDTL) e a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, o Estado tem a obrigação de proteger e garantir os direitos das crianças. No caso da gravidez indesejada, isso está relacionado com o direito à vida e ao direito de receber proteção. Quando a mãe ou o pai é menor de idade, o Estado também tem a obrigação de proteger e garantir os seus direitos, criando condições, por meio de políticas ou programas, para que as crianças possam cumprir as suas responsabilidades como cidadãos.

Um caso específico aconteceu em Lahane há alguns anos, quando um bebé, nascido em uma situação delicada, foi entregue à mãe depois de uma decisão judicial errada do Tribunal estatal. Embora a lei possa regulamentar a filiação, o Estado avalia o compromisso dos pais para decidir se podem ser considerados responsáveis ou não. Se os pais não estão presentes ou não têm compromisso, o Estado deve tomar decisões para proteger o bebé.

Até agora, não temos um local seguro para as mães deixarem ou entregarem os seus bebés, quando sentem que não conseguem cuidar deles. Não existindo um local seguro, a possibilidade de abandono de bebés aumenta. Na ausência de um local seguro, o Estado deve apoiar outras instituições sociais que trabalham no cuidado social de bebés abandonados.

O Estado precisa de garantir que os jovens tenham conhecimento, habilidades e competências para fazer uma transição bem-sucedida para a vida adulta. Portanto, o Estado tem a obrigação de criar e desenvolver um sistema educacional de qualidade, um programa de desenvolvimento juvenil que mude a mentalidade dos jovens e crie condições económicas para que os seus cidadãos possam sustentar-se e contribuir para o desenvolvimento nacional.

Ato Lekinawa da Costa é um ativista dos direitos humanos, natural de Lospalos. Fez o mestrado em políticas públicas na Universidade Flinders, na Austrália. É membro da Resistência Nacional dos Estudantes de Timor-Leste (RENETIL), da Associação dos Direitos Humanos e Justiça (HAK) e um dos fundadores da Associação de Jornalistas de Timor-Leste (AJTL). Lutou dentro como fora do país, para defender questões relacionadas com os direitos humanos, igualdade de género, direitos ambientais, liberdade de expressão e de imprensa. Atualmente, é chefe de redação do Neon Metin.

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  1. Muito pouco estados no mundo resolveram este problema. Temos que ver que o estado nao e o pai Natal. Ha que haver educacao sexual nas escolas, dar preservativos aos rapazes e contraceptivos as raparigas. O mundo ha mais de 20 anos virou selva. Quem nasce torto, tarde ou nunca se endireita. Cada vez mais a rapaziada descobre muito cedo demais que a pilinha nao e so para fazer chichi. Veio-me tambem a cabeca os cintos de castidade
    Mas nao facam nada que o maromak nao goste.

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