PETRÓLEO E GÁS

Bayu Undan: o princípio do fim

O campo de Bayu Undan no mar de Timor-Leste/Foto: ANPM

O Bayu Undan, um dos campos de extração de petróleo do país, está situado na fronteira marítima entre Timor-Leste e a Austrália. O desmantelamento, previsto para 2024, faz parte de um projeto que visa deixar o lugar no seu estado natural. Em discussão está a possibilidade de ser convertido numa estrutura de captura e armazenamento de carbono.

O empreendimento é da responsabilidade da Autoridade Nacional de Petróleo e Minerais (ANPM) e é gerido pela petrolífera internacional Santos. O processo de desmontagem dentro do mar vai ser vigiado pela ANPM e, no terreno, pela Autoridade Nacional de Licenciamento Ambiental (ANLA).

“Os equipamentos, como tubagens no fundo do oceano e a Unidade Flutuante de Armazenamento e Descarregamento (FPSO, sigla em inglês) vão ser retirados e posteriormente lavados no porto de Tíbar”, informou António Lelo Taci, presidente da ANLA. O responsável acrescentou que, depois deste processo, os materiais e equipamentos serão transportados até à Austrália para reciclagem e tratamento dos componentes químicos.

Segundo o presidente da ANPM, Florentino Soares Ferreira, o contrato de produção de petróleo em Bayu Undan cessa a 30 de dezembro e, por isso “é preciso, no fim, desmontar os equipamentos que foram utilizados”.

O dirigente destacou ainda que são precisos legislação, um acordo de desmantelamento e uma empresa que possa executar o projeto. “É difícil encontrar a empresa mais indicada e preparar os requisitos. Não podemos esperar pelo fim da produção para avançar com a preparação do desmantelamento. Temos de avançar com este trabalho, que é demorado, agora, para não deixar o campo abandonado depois. Essa não é uma boa prática”.

Florentino Ferreira encara também este plano como uma oportunidade de trabalho. “Estimulamos a participação dos timorenses em atividades como o fornecimento de bens e serviços de desmantelamento. Há dois anos, promovemos um programa de melhoria de competências e requalificação de modo a preparar os trabalhadores timorenses para o projeto”.

De acordo com a mesma fonte, o campo tem dado, ao longo dos últimos anos, trabalho a cerca de 40 timorenses, com qualificação média, entre os 150 trabalhadores escalados para cada um dos turnos. Além destes números, o responsável destacou ainda a contratação local de 200 pessoas, estas com baixa qualificação, para os serviços de restauração e limpeza. “Ainda no terminal de Gás Natural Liquefeito (LNG, sigla em inglês) em Darwin, Austrália, onde se processa o petróleo para a produção de gás natural, existem entre 10% a 15% de trabalhadores timorenses”, informou o presidente da ANPM.

Florentino Ferreira mostrou-se orgulhoso pelo facto de Timor-Leste, pela primeira vez, executar um projeto de desmantelamento de uma estrutura complexa. “Isto servirá como experiência para o país e poderá, no futuro, abrir-se um mercado de desmantelamento no campo de aviação no Suai”, exemplificou.

Quanto à duração do projeto, os responsáveis estão longe de um consenso. Enquanto o presidente da ANLA, António Lelo Taci, informou que “segundo a companhia, o desmantelamento vai demorar de 12 a 18 meses”, o presidente da ANPM afirma, categoricamente, que o processo vai demorar oito anos e meio.

Relativamente ao custo da operação, Florentino Ferreira avança que vai chegar aproximadamente aos 1,3 mil milhões de dólares, uma verba que foi sendo reservada desde que a produção começou a entrar em declínio, em 2015.

O impacto para o ambiente

O dirigente da ANPM, Florentino Ferreira, explicou que todas as indústrias têm impacto ambiental, mas que, neste caso, “o importante é que os riscos estão controlados”, considerando improvável alguma fuga no processo de desmantelamento, porque “o petróleo que está lá é residual”. Porém, é crucial que se tenha o maior cuidado no manuseamento e tratamento dos materiais perigosos e radioativos já que a fuga destes pode causar um prejuízo ambiental significativo. “Os elementos radioativos em minérios, conhecidos como Material Radioativo de Ocorrência Natural (NORM, sigla em inglês), causam efeitos nefastos ao ambiente e à biodiversidade nas imediações da plataforma”, salientou.

António Lelo Taci corrobora a declaração do presidente da ANPM e mostra-se preocupado com possíveis impactos negativos na biodiversidade marinha: “É essencial uma boa gestão no processo de desmantelamento para não haver fuga e derrame de petróleo ou outros materiais perigosos no mar”.

A ANLA é a autoridade que emite licenças ambientais aos projetos de atividade económica, assegurando que as iniciativas garantem a proteção ambiental. Nesse sentido, a autoridade deve garantir que a companhia tem mecanismos de prevenção e mitigação dos impactos negativos que possam surgir aquando da desmontagem e da lavagem dos equipamentos. “Também compete à autoridade fiscalizar todo o processo de desmantelamento, porque não há garantias de que todas as empresas cumpram com aquilo a que se propuseram”.

O processo de licenciamento ambiental

Considerando o impacto ambiental que pode surgir em cada projeto, é sempre preciso licenciamento ambiental de modo a salvaguardar a proteção ambiental. Neste caso, a preocupação é com o mar. Há cinco etapas para conseguir a licença e a petrolífera Santos, responsável pelo projeto, passou três, preparando-se para avançar com as restantes.

Com o documento inicial, onde se apresentam os planos a serem executados, a autoridade emissora da licença atribui a classificação nas categorias A, B ou C. O projeto de Armazenamento Flutuante ao Largo da Costa (Floating storage offshore – FSO) de Bayu Undan foi classificado na categoria A, o que alerta para um risco significativo.

A segunda etapa é a consulta pública, acompanhada pelas autoridades locais, por Organizações Não Governamentais e grupos com interesse ambiental, como, por exemplo, jovens universitários. Nesta fase, é abordada a identificação do local do projeto, a área de cobertura da pesquisa e os dados que o proponente do projeto deve recolher.

A apresentação dos termos de referência é a terceira fase. O documento, analisado e aprovado em junho pela ANLA, contém os requisitos para fazer um estudo detalhado dos riscos bióticos, físicos e socioculturais.

O estudo biótico e físico está relacionado com o ambiente, nomeadamente com a preservação da biodiversidade do mar. O estudo sociocultural aborda os impactos positivos e negativos do projeto em relação à população.

Faltam agora à companhia a apresentação do esboço dos documentos da Declaração do Impacto Ambiental (DIA) e o Plano de Gestão Ambiental (PGA) que vão resultar da pesquisa dos riscos ambientais. Esses documentos devem revelar de que forma os riscos são controlados e mitigados, explicando ainda como se dará resposta a eventuais acidentes.

Depois de submeter o esboço, a autoridade de licenciamento tem dez dias para criar a Comissão de Avaliação do Impacto Ambiental (CAIA), uma comissão interministerial que envolve, entre outros, o Ministério das Obras Públicas (MOP), o Ministério do Comércio e Indústria (MCI) e o Ministério da Justiça (MJ).

Na consulta pública, o proponente vai apresentar à comissão o resultado dos estudos que fez no campo e os dois documentos. Com a participação pública, a comissão recolherá informações e recomendações para poder ponderar cuidadosamente acerca da emissão da licença ambiental para o projeto.

“Normalmente, quando a comissão aprova uma licença, é porque o projeto, mesmo com riscos ambientais, tem gestão e prevenção. Ainda assim, deve ser revisto pelo ministério que tutela a área e que deve ter em consideração o parecer técnico para tomar a decisão final”, realçou o presidente da ANLA.

Linha cronológica

O campo de Bayu Undan foi descoberto em 1995 pela companhia Phillips Petroleum dos Estados Unidos da América e a companhia de Broken Hill Proprietary (BHP) da Austrália. Tendo começado a produzir petróleo a partir de 2004, o campo de Bayu Undan já contribuiu, no total, com cerca de 20 mil milhões de dólares para os cofres do Estado. “Se acrescentarmos a este valor o imposto que o campo tem pago, a contribuição atingiu 30 mil milhões ou mais”, relatou o presidente da ANPM.

Para assegurar o seu funcionamento, o campo precisou, até agora, de gastar cerca de 14 mil milhões do dinheiro gerado pela produção.

Relativamente a este rendimento, o presidente acrescentou que é inconstante, uma vez que depende das oscilações do preço de petróleo no mercado. “Um barril de petróleo custa normalmente 50 dólares. Houve um momento em que o valor chegou até aos 100 dólares por barril. Nessa altura, ganhámos bastante.”

Com 19 anos de produção, o declínio do campo começou em 2015. “Porém, em 2021, foram feitas três perfurações do poço, que produziram, até 2022, 1,3 mil milhões de dólares de petróleo.” Este ano é considerado o “fim da vida” do campo de Bayu Undan.

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