Ativistas consideram “imoral” indulto do Presidente a Emília Pires e Madalena Hanjam permitido por “esquema do Parlamento”

A alteração da Lei permite que Presidente indulte cidadãos que não estejam presos/Foto: Diligente

As duas ex-governantes, condenadas por participação económica em negócio, foram indultadas pelo Presidente da República com base na nova Lei do Indulto. Preocupados com o setor da justiça, ativistas consideram que alteração à lei foi aprovada no Parlamento Nacional para permitir a concessão do indulto a  Madalena Hanjam e Emília Pires. PDJH vai pedir fiscalização abstrata da lei.

A concessão de indulto do Presidente da República a Emília Pires, ex-ministra das Finanças, e Madalena Hanjam, ex-vice-ministra da Saúde, condenadas por participação económica em negócio, está a receber fortes críticas. Ramos Horta diz ter indultado as ex-governantes por considerar a condenação “injusta”. Juristas, ativistas e cidadãos classificam este indulto de “imoral” e mostram-se preocupados com o enfraquecimento do setor da justiça e promoção da corrupção no país.

Em causa está o facto de o indulto, divulgado esta quinta-feira (14/12), ter sido concedido com base numa nova Lei do Indulto, promulgada dois dias antes, e que exclui o critério da necessidade do cumprimento de um terço da pena. É também criticado o facto de ser concedido a alguém que “fugiu à justiça”, Emília Pires, publicamente defendida pelo Primeiro-Ministro, Xanana Gusmão, apoiante da candidatura de Ramos Horta à Presidência.

A nova lei de concessão de indulto e comutação de pena, promulgada esta terça-feira (12/12), exclui, além de critérios como o cumprimento de pelo menos um terço da pena, crimes insuscetíveis de perdão e a necessidade de um bom comportamento na prisão.

Para Armindo Moniz Amaral, jurista timorense, a alteração da Lei de indulto é “um grande esquema do Parlamento Nacional, que está a preparar condições para que todos os crimes sejam perdoados, principalmente a corrupção, um crime que deve ser combatido sem tolerância”.

O jurista considera que o indulto concedido a Emília Pires e Madalena Hanjam é injusto e os líderes têm como intenção apagar a pena que deveriam cumprir. “De acordo com a anterior lei sobre o indulto, as duas ex-líderes não tinham a possibilidade de serem perdoadas, mas o Parlamento Nacional eliminou os critérios que impossibilitavam o perdão, tornando-as merecedoras de indulto”, explicou.

Armindo Amaral sublinha ainda que, por se ter ausentado do país e não ter colaborado com o Tribunal, Emília Pires não só humilhou a justiça nacional como também enfraqueceu a confiança do povo perante os Tribunais e “por causa disso, a sua pena deveria ser aumentada”.

“Imoral” é como Miguel Monsil classifica o indulto: “É a decisão mais imoral que alguma vez aconteceu por parte de um Presidente de Timor-Leste”. Para o ativista, quem comete corrupção “não merece ser indultado, porque não o faz por dificuldades financeiras, mas meramente por ganância de acumular riqueza”.

Monsil reconhece, no entanto, que todos os indultos concedidos a pessoas que cometeram crimes graves, nomeadamente Rogério Tiago Lobato, que distribuiu armas na crise de 2006, não são suscetíveis de perdão. Porém, olha para o indulto a Emília Pires como algo grave, “uma vez que esta fugiu do processo judicial timorense e o Presidente está a contrariar as expectativas do povo, que exigiu que trouxessem a condenada de volta para cumprir a pena”.

O ativista diz ter suspeitado, aquando da aprovação da Lei em novembro no Parlamento, que seria dada liberdade a Emília Pires e Richard Dashbach, o ex-sacerdote condenado por pedofilia em Oecússe. “A primeira, que nunca entrou na prisão, já foi. É muito provável que o segundo, que está preso, seja no próximo ano”, referindo-se à possível influência de Xanana Gusmão, que tem defendido abertamente o recluso perante Ramos Horta, por ser politicamente apoiado pelo atual primeiro-ministro.

É público o apoio de Xanana Gusmão a Emília Pires. O atual e então também Primeiro-Ministro defendeu depois da condenação, em janeiro de 2017, numa carta aberta, a inocência de Emília Pires e Madalena Hanjam, considerando-as vítimas da “injustiça da Justiça” e deixando fortes críticas ao sistema judicial timorense.

A agência Lusa dá também conta que, em outubro deste ano, Xanana Gusmão voltou a falar publicamente do caso de Emília Pires, classificando-o como “uma grave e tendenciosa manipulação de factos”. O Primeiro-Ministro considerou ainda o sistema judicial “incapaz e injusto” e “demasiado vulnerável à pressão de terceiros”.

Monsil considera o Parlamento “um lugar de compra e venda de interesses, porque os deputados só criticam as leis que não os beneficiam de alguma forma, mas aceitam as que os favorecem”. Olha ainda para o Congresso Nacional para a Reconstrução de Timor-Leste (CNRT) como o partido que serve o interesse das elites e que “está a reembolsar os custos da campanha para as eleições parlamentares”.

“ Já houve movimentos sociais a criticar o Parlamento por ser um comité das elites. Agora, com esta nova Lei que permitiu ao presidente indultar Emília Pires e Madalena Hanjam, o Parlamento justifica as críticas”, concluiu.

A ativista Berta Antonieta lamenta ainda o facto de o Presidente da República não cumprir o que prometeu durante a campanha eleitoral: defender a Justiça e servir os pobres. “Ao salvar os poderosos e as elites, está a fazer exatamente o contrário e a causar dúvidas entre o povo”, salientou.

“A decisão de Ramos Horta permite aos políticos serem corruptos, porque estão confiantes de que vão receber indultos. Isso pode acontecer, porque o Presidente não colocou os corruptos no seu lugar. Optou por salvá-los”, conclui a jovem ativista.

As críticas não se ficam só pelos ativistas. Eliziano Quintão, 30 anos, assistente do Projeto Tais, na Comissão Nacional de Timor-Leste para a UNESCO, também se insurge contra a decisão do Presidente. Para o jovem, havia uma intenção escondida na alteração da Lei do indulto pelo Parlamento Nacional. “Estão a conspirar para libertar os seus aliados políticos”, critica.

Belena Matos, 22 anos, estudante do Instituto Empresarial (IOB, em inglês), considera as leis “cortinas, que mostram ao mundo que somos um Estado de direito democrático, mas, na prática, é precisamente o contrário”. Para a jovem, a justiça não é igual para todos: “Os que roubam para comer não são perdoados, talvez por não terem dinheiro, nem prestígio social. A justiça só funciona para os pobres. Os ricos e as elites estão acima da lei”.

O principal partido da oposição, a Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente (Fretilin), referiu-se, em comunicado de imprensa divulgado na passada sexta-feira (15/12), à decisão como uma “tentativa de matar o sistema judiciário timorense, a autoridade e competência do órgão soberano e prejudicar o bem-estar do Estado e do povo, sendo perigoso para a consolidação do direito democrático de Timor-Leste”.

PDHJ vai pedir fiscalização da nova Lei de Indulto

A nova Lei do Indulto considera o “excessivo rigor jurídico” como impedimento ao exercício do poder do Presidente da República em “corrigir os defeitos legislativos”, nomeadamente sentenças judiciais que se tornam inválidas por eventuais mudanças da lei ou erros judiciários.

“É necessário proceder-se à sua revogação de modo a que o instituto do indulto e da comutação de pena possa efetivamente cumprir a sua natureza político-constitucional”, pretendendo assim produzir uma “legislação mais aberta” para acelerar a sua concessão.

Para a Fretilin, a lei que o CNRT propôs e aprovou com maioria absoluta contraria totalmente a Constituição, “porque promove o branqueamento dos crimes, lavando todos os delitos, incluindo corrupção, crimes contra a integridade humana, contra o Estado, homicídio e terrorismo”.

A Provedoria de Direitos Humanos e Justiça (PDHJ) já anunciou pretender fiscalizar a inconstitucionalidade da lei que serviu de base para o Presidente tomar a decisão de conceder o indulto.

“A PDHJ vai recorrer ao Tribunal de Recurso para fiscalizar e declarar, se for verificado que a Lei contraria mesmo a Constituição, que a Lei de indulto é inconstitucional”, comprometeu-se o provedor Virgílio Guterres.

Será uma fiscalização abstrata por ser efetuada depois de aprovada e publicada. Não é permitido ao provedor realizar fiscalização preventiva, mesmo tendo conhecimento prévio da aprovação pelo Parlamento.

Presidente “condena” a justiça

Emília Pires e Madalena Hanjam foram condenadas em primeira instância, em dezembro de 2016, pelo crime de participação económica em negócio, respetivamente a sete e a quatro anos de prisão.

Antes da condenação, apesar da medida de coação de proibição de saída do país, o juiz autorizara a participação de Emília Pires em encontros no estrangeiro, tendo de regressar até 19 de outubro de 2016, o que nunca veio a acontecer. O Tribunal de Díli viria a emitir em dezembro desse ano, antes de conhecida a sentença, um mandado de captura para a ex-ministra.

Em novembro do mesmo ano, ainda antes do mandado de captura, Emília Pires pedira a delegação do seu processo para Portugal para que eventuais recursos fossem julgados em tribunais portugueses, alegando incapacidade e “falta de vontade” do sistema judicial timorense em garantir a realização da Justiça.

Condenadas em dezembro de 2016, Emília Pires e Madalena Hanjam apresentaram, em janeiro de 2017, recurso da sentença, que acabaria por ser anulada, dois anos depois, pelo Tribunal de Recurso. Também o Ministério Público interpôs recurso da pena, que viria a desaparecer dos autos e só seria anexado ao processo passados mais de dois anos.

Volvidos mais de 10 anos desde o início do processo, o Tribunal de Recurso condenou, em junho deste ano, Emília Pires a quatro anos e meio de prisão efetiva e Madalena Hanjam a uma pena de prisão de três anos, suspensa durante cinco anos.

O Tribunal dava assim como provado que a compra de centenas de camas hospitalares, no valor de 800 mil dólares, em contratos adjudicados à empresa do marido da ex-ministra das Finanças resultou de conluio entre os três.

Ramos Horta assumiu-se, em conferência de imprensa nesta sexta-feira (15/12), como um Presidente com poder político exclusivo atribuído pela Constituição e pela nova Lei para “corrigir os erros” do Tribunal. “Ela [Emília Pires] perdeu tudo: dinheiro e dignidade. Mas considero-a inocente”, disse convicto.

Mencionou também Xanana Gusmão e Mari Alkatiri como outros líderes que defendem Emília Pires, porque foram a tribunal por a considerarem inocente. “Eu podia ficar indiferente, mas sentir-me-ia um covarde político por não ter coragem de tomar uma posição não popular”, afirmou.

Horta lembrou ainda o envolvimento da condenada na luta pela independência e pelos direitos humanos, bem  como a reforma do sistema financeiro timorense realizada por Emília Pires, que levou ao investimento em ativos financeiros internacionais. “Esse sucesso arrecadou para o Estado cerca de 8 mil milhões de dólares”, disse Horta.

Outro motivo para o indulto prendeu-se, segundo o Presidente, com questões humanitárias, já que a ex-ministra está doente e com dificuldades em se movimentar. Por isso, lhe foi concedido indulto para poder passar o Natal com a sua família na Austrália.

Dizendo-se conhecedor do processo, defendeu que os 800 mil dólares “não estão perdidos, porque as camas compradas estão nos hospitais. O problema é estes bens terem sido adquiridos na companhia do marido de Emília Pires, mas não haveria garantia de que o preço fosse mais baixo em outras empresas”.

O Presidente considerou ainda a compra de camas à empresa do marido da ex-ministra “uma ação assertiva”, porque, na altura, o país enfrentava um surto de dengue e era urgente a aquisição de mais camas para os doentes. Afirmou ainda que a compra a uma fonte única é permitida por lei.

Questionado pelo Diligente sobre a concessão de um indulto a uma pessoa que fugiu à justiça, Ramos Horta limitou-se a dizer que Emília Pires “foi muitas vezes a Tribunal e gastou muito dinheiro para pagar aos advogados” e a dar o exemplo do português Tiago Guerra, que fugiu e acabou por ser absolvido depois do recurso.

Recorde-se, no entanto, que o português esteve detido mais de 20 meses antes de deduzida a acusação e seria depois ilibado dos crimes pelo Tribunal de Recurso, uma situação diferente da ex-ministra que nunca foi presa e que veria a sua condenação confirmada por este tribunal.

Questionado sobre a origem da decisão, o presidente garantiu que foi iniciativa sua, por, desde o seu primeiro mandato, ver muitas situações injustas no setor judiciário. “Xanana falou da politização em instituições da justiça. Nem todos, mas são muitos. Isso é uma ameaça contra a independência e a integridade da magistratura, à qual não posso fazer vista grossa”, sublinhou.

“Respeito os que não concordam, mas esta é uma decisão tomada em consciência e de acordo com a Constituição e a Lei do Parlamento, tendo em conta todos os factos e depois de estudar detalhadamente o processo”, concluiu.

Array

Ver os comentários para o artigo

  1. Nao venho aqui bater no ceguinho.
    Hoje e aqui apelo a todos os amantes e defensores da lingua portuguesa espalhados por este mundo fora que deem uma ajuda financeira ao jornal Diligente. E que maneira mais sublime, e Natal e, e necessario nao deixar morrer a voz desta trombeta. Apelo ao PM, ao PR, ao Instituto Camoes, a Fundacao Calouste Gulbenkian, a Associacao Portuguesa de Jornalistas e aos paises de lingua portuguesa, na pessoa do meu amigo e companheiro de refugio em Atambua(1975/76) e conterraneo Dr Zacarias Albano da Costa.
    Ja agira os textos das noticias do Diligente, textos com classe literaria, deviam ser, se ainda nao sao, usados como ferramenta de trabalho nas Universidades de Timor e dos paises de lingua portuguesa onde se ministra a lingua de Camoes.
    Bom Natal para todos e Feliz Ano Novo 2024

  2. Falo e escrevo portugues com vaidade!

    Desde o berco, em tenra idade
    Lusiada da minha portuguesidade
    Portugalidade e a minha caridade
    Mas o bichinho saudade
    Nosso bastiao de qualidade
    Expressao linguista com humanidade
    Dadiva que guardo ate a eternidade
    Num planeta cada vez mais cheio de mediocridade
    A lingua de Camoes e a minha portugalidade
    Heranca de meus pais com bondade
    Falo e escrevo portugues com vaidade!

    Carlos Batista
    Poeta de TL

Comente ou sugira uma correção

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Open chat
Precisa de ajuda?
Olá 👋
Podemos ajudar?