Diariamente, meninos e meninas deambulam pelas ruas da capital de Timor-Leste para ajudar a família com qualquer dinheiro, na esperança de também encontrar algum brinquedo nos contentores que revolvem.
A infância é um período para a pessoa brincar, não ter preocupações e ser bem nutrida. No entanto, em Timor-Leste, para ser criança é preciso ser forte, trabalhadora e, muitas vezes, também ser uma importante parte do sustento da família. No país, milhares de meninos e meninas são obrigados pelos próprios pais, diariamente, a trocar a escola pelas ruas para vender o que quer que seja, de frutas a objetos aleatórios. Muitas vezes, na ânsia de encontrar algo que possa servir de mercadoria, remexem contentores de lixo, de noite ou de dia. São quase invisíveis para quem vive ensimesmado, absorvido pela ocupação diária e indiferente ao que se passa à sua volta.
Eram 18h de uma sexta-feira nublada. Na avenida 20 de maio, zona central de Díli, quatro crianças reviravam os contentores. Para elas, o lixo acumulado é uma oportunidade para encontrar um brinquedo, ou algum outro item para vender e depois entregar o dinheiro aos pais. Uma delas, António (nome fictício), tem 9 anos. Ao ouvir um som eletrónico, o menino corre para verificar um outro contentor. Após examiná-lo, estica um dos braços para dentro do recipiente e parece retirar algo de lá, guardando num saco que leva consigo.
Quando volta a caminhar, cruza-se com a jornalista. “O que tens no saco?”, pergunto-lhe. “Brinquedos e outras coisas boas que consegui apanhar no lixo, vou usar algumas e vender outras”, ouço como resposta. Em seguida, António abre o saco para me mostrar o que tem dentro, ao mesmo tempo em que, com muita desenvoltura, tenta fazer negócio. “Pode ver à vontade, caso queira comprar, posso baixar o preço.” A sua tenra idade destoa da sua fala, típica de uma pessoa adulta.
“Intrigada, fiz-lhe outra pergunta: ‘Quando fores grande, o que queres ser?’. Sem hesitar, António disse: ‘Eu quero ser professor de matemática e religião moral’. O menino, então, sorriu, e despediu-se com o seu saco grande, levando consigo, além dos muitos objetos, o sonho de ser educador”
“O avental do bebé vou dar para o meu sobrinho, o afiador e a tesoura vou levar amanhã para a escola. A tomada não posso vender, porque os meus pais devem precisar. O resto podes escolher, mas os dois robôs brancos eu quero para mim. Vou tentar arranjar e comprar outra pilha e vão ficar com sons e luzes”, partilhou, entusiasmado.
Intrigada, fiz-lhe outra pergunta: “Quando fores grande, o que queres ser?”. Sem hesitar, António disse: “Eu quero ser professor de matemática e religião moral”. O menino, então, sorriu, e despediu-se com o seu saco grande, levando consigo, além dos muitos objetos, o sonho de ser educador.
Não muito longe dali, outras três crianças continuavam a verificar os demais contentores pela via. Felisbela (nome fictício), a mais nova, tem 6 anos, e estava a acompanhar os dois irmãos. Moram a 5 minutos a pé do local, para onde vão todos os dias depois da escola, na esperança de encontrar alguma coisa de valor no lixo. Na ocasião, Felisbela tinha encontrado uma pen drive, que entregaria à irmã mais velha.
Já eram 20h quando apareceu uma vizinha dos três irmãos. Ao ver a jornalista a falar com a menina, interrompeu a conversa, dizendo: Já estão acostumados, porque os pais não os procuram”.
Em situação parecida com a de António, Felisbela e os dois irmãos estão aproximadamente outras 52 mil crianças timorenses (entre 5 e 17 anos). Os dados são de um estudo da Comissão Nacional contra o Trabalho Infantil (CNTI), que fez o levantamento do número de crianças trabalhadoras em Timor-Leste, de 2016 a 2022.
Em 2019, relatórios sobre o trabalho infantil divulgados pelo Governo revelaram que cerca de 43 mil crianças nunca frequentaram a escola.
Entre o discurso e a ação
Por ocasião da celebração do Dia Internacional da Criança, no dia 20 de novembro, a presidente do Instituto de Defesa dos Direitos das Crianças (INDDICA), Dinorah Granadeiro, alertou para a necessidade de apoio e mais ações para melhorar a vida das crianças em situação de pobreza.
No seu discurso, a presidente enfatizou o compromisso do Estado na defesa dos direitos dos menores timorenses. “Timor-Leste já atingiu um progresso significativo. Nos últimos 10 anos, reduziu a taxa de mortalidade infantil, mas ainda precisamos de nos esforçar muito para não deixar nenhuma criança para trás. Um dos direitos básicos é usufruir de serviços de saúde e educação de qualidade”, afirmou.
A deputada Maria Gorumali Barreto, presidente da comissão F, que trata dos assuntos de saúde, segurança e igualdade de género, observou que o problema mais grave é o facto de os pais, que deveriam ser responsáveis, não darem a mínima atenção para os filhos.
“Quando os filhos menores saem de casa e demoram a voltar, os pais não se preocupam nem tentam saber se está tudo bem com eles”. Neste contexto, a presidente apela aos responsáveis e aos vizinhos para serem os pilares das crianças, protegendo-as de todas as formas de violência.
A presidente realçou ainda que a Constituição Democrática de Timor-Leste (CRDTL) reconhece à criança, “o direito à proteção especial por parte da família, da comunidade e do Estado, particularmente contra todas as formas de abandono, discriminação, violência, opressão, abuso sexual e exploração”. Esses direitos também estão presentes na Convenção sobre os Direitos da Crianças, que o país ratificou a 17 de setembro de 2003.
“Falo também com os pais, aconselho-os a incentivarem os filhos a voltarem a estudar, mas alguns pais não querem saber. É muito triste ver a falta de perspetivas dos responsáveis, o coração chega até a doer. O que eu posso fazer é abraçá-las [as crianças], acreditando que todos os diálogos e interações sobre empatia, espiritualidade as ajudem a promover capacidades sociais”
Como, contudo, se verifica dificuldade por parte do poder político em lidar com a questão do trabalho infantil, a Igreja católica acaba por desempenhar um papel importante na proteção das crianças. Em conversa com o Diligente, a madre Guilhermina Marçal, uma das maiores líderes católicas do país, reforçou a importância das atividades da Igreja na vida dos menores.
“A instituição apoia as crianças em qualquer situação, mas a família é a base de tudo. A Igreja apenas reúne as crianças no momento da preparação para receber a primeira comunhão, o que é importante para as formar espiritualmente e lhes ensinar sobre amor e fé”, contou.
A madre conta que já foi várias vezes falar com as crianças que se encontram em situação de trabalho infantil e encorajá-las a voltar a estudar, mas, muitas vezes, são os próprios pais que as obrigam a trabalhar para sustentar a família.
“Falo também com os pais, aconselho-os a incentivarem os filhos a voltarem a estudar, mas alguns pais não querem saber. É muito triste ver a falta de perspetivas dos responsáveis, o coração chega até a doer. O que eu posso fazer é abraçá-las [as crianças], acreditando que todos os diálogos e interações sobre empatia, espiritualidade as ajudem a desenvolver capacidades sociais”, partilhou.
Para combater o problema, segundo a madre, é necessária uma educação contínua e sensibilização para o papel dos pais na vida dos filhos.
Lei de proteção das crianças e jovens em perigo
Em março deste ano, o Parlamento Nacional aprovou uma legislação específica (lei nº6/2023) centrada na proteção de crianças e jovens em perigo “e sensível às suas necessidades”. De acordo com a lei, corre risco a pessoa até 21 anos que, entre outras situações: “É obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento; É negligenciada por não receber, de forma grave ou reiterada, os cuidados de alimentação, saúde, educação, higiene, vigilância ou a afeição adequada à sua idade e situação pessoal; Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação”.
A lei prevê também que o Estado intervenha nos casos em que for confirmado o abandono dos cuidados dos filhos por parte dos seus responsáveis, encaminhando as crianças e jovens para instituições de acolhimento ou mesmo outras famílias. A lei ainda insta o Ministério da Solidariedade Social, autoridades policiais, Ministério Público, tribunais e entidades que trabalham na defesa dos direitos dos menores a atuarem na sua proteção.
Resta saber se esta será mais uma entre tantas outras medidas que, em teoria, são bem fundamentadas, mas que, na prática, pouco ou quase nenhum efeito têm. Não são as crianças e os jovens o futuro da nação?
SImplesmente VERGONHOSO!
Nao importa se TL, ou outro pais adoroso
Brinquedo no lixo?, odioso
Oh governante e politico guloso
Oh IRMAO meu, MAFIOSO
Vestes- te de tais tao POMPOSO
Pareceste-te tao FORMOSO
Simplesmente VERGONHOSO
Meu OCIOSO
Es o nosso GOZO
Ze Labarik
Poeta e escritor de TL