António Leite: “Gostaríamos que o português fosse falado por 100% dos timorenses”

António Leite, secretário de Estado da Educação português/ Foto:DR

Numa visita de cinco dias a Timor-Leste, o secretário de Estado da Educação de Portugal, António Leite, deu posse à nova direção da Escola Portuguesa de Díli (EPD), visitou os Centros de Aprendizagem e Formação Escolar (CAFE) de Aileu, Baucau e Manatuto e encontrou-se, entre outros, com o primeiro-ministro Taur Matan Ruak e com o Presidente da República, José Ramos-Horta.
A visita fica marcada pela assinatura do protocolo, entre Portugal e Timor-Leste, para a expansão e reforço do projeto CAFE, a começar pela implementação de uma escola no município de Ataúro.
Em entrevista ao Diligente, o responsável português fez um balanço do resultado da cooperação, abordou os principais desafios relativos ao setor da educação e destacou a disponibilidade de Portugal para colaborar com Timor-Leste “no limite daquilo que é a sua capacidade”.

Depois de tantos anos de cooperação de Portugal com Timor-Leste na área da educação, qual é o balanço que faz neste seu último dia de visita?

É um balanço muito positivo, porque verifiquei, no terreno, a forma como funciona a escola portuguesa, mas sobretudo a forma como funciona um projeto que é único relativamente a todos os outros países com que Portugal tem cooperação, que é o projeto CAFE, um projeto verdadeiramente das duas nações e dos dois povos. Fiquei muito impressionado, em Aileu, Manatuto e Baucau, com o entusiasmo e o amor daquelas crianças e jovens pelo conhecimento e também com a capacidade de dádiva e profissional dos professores portugueses e dos professores timorenses que ali ensinam as várias disciplinas e também a língua portuguesa. Ao fim de uma semana, para além de muitas emoções, levo a ideia de que temos futuro e caminho para trilhar em conjunto.

A EPD, com 1.300 alunos, tem uma grande lista de espera. Tendo em conta o crescente número de inscrições, o alargamento ou construção de novas infraestruturas resolve a situação?

Em primeiro lugar, é um bom sinal que uma escola tenha mais gente a querer frequentá-la, do que aquela que tem capacidade para receber, mas não deixa de ser um problema. Portanto, temos várias hipóteses em cima da mesa que teremos de trabalhar com a direção da escola e, naturalmente, com o governo da República Democrática de Timor-Leste, no sentido de encontrar a melhor solução, que pode basicamente ser alargar o espaço, construindo um pouco mais em altura. A outra possibilidade é abrir um segundo pólo, dividindo a escola em função dos ciclos de ensino ou uma terceira possibilidade, que passa por construir de raiz uma escola nova, que possa albergar todos os ciclos de ensino e todos os meninos, meninas e jovens que querem frequentar a escola. Portanto, esse é o nosso próximo trabalho em conjunto com o governo de Timor-Leste.

“O acesso à educação para todos e para todas é absolutamente essencial para cada uma dessas crianças e desses jovens, e, evidentemente, para o desenvolvimento do país”

 

Todos os anos há atrasos na chegada dos professores do CAFE a Timor-Leste o que prejudica o arranque do ano letivo e a aprendizagem. Está prevista alguma solução para esse problema?

Vamos ter de encontrar uma solução, não sou capaz de dizer exatamente qual, porque os anos letivos em Portugal e em Timor-Leste não se iniciam na mesma altura, portanto isso cria um problema, mas temos de encontrar uma forma de agilizar o processo e permitir que os professores portugueses possam vir quando o ano letivo começa e não dois ou três meses depois. Não sou capaz de dizer qual vai ser a solução, mas temos de a encontrar, para que isso deixe de ser um problema.

Há escolas públicas em Timor com duas turmas de 50 alunos a partilharem a mesma sala, para além de muitas outras situações precárias. Que papel tem a cooperação na melhoria das condições de ensino das crianças e jovens timorenses que não podem frequentar nem os CAFE nem a EPD?

O acesso à educação para todos e para todas é absolutamente essencial para cada uma dessas crianças e desses jovens, e, evidentemente, para o desenvolvimento do país. Portugal estará disponível para colaborar, no limite daquilo que é a sua capacidade. Lembro também que Portugal e Timor-Leste se inserem numa comunidade mais alargada, a Comunidade dos Países da Língua Portuguesa (CPLP) e creio que podemos também ter uma cooperação para além da bilateral, envolvendo outros países de língua oficial portuguesa e muitos falantes portugueses, o que poderá, eventualmente, significar um apoio maior. Ontem, um dos agentes políticos com quem falei, referiu uma expressão muito interessante que foi “as escolas CAFE trabalharem com as escolas não CAFE”, o que pode ser uma solução. Timor-Leste tem a felicidade de ter uma taxa de natalidade elevada, Portugal tem o problema contrário, o número de crianças está a diminuir fortemente, mas, nem por isso, temos a possibilidade de encaminhar muitos professores para virem para aqui, porque o número de professores em Portugal está a diminuir ainda mais rapidamente do que o número de alunos.

De acordo com os censos de 2015, apenas 30% dos timorenses falam português? É uma percentagem aceitável depois de tantos anos de projetos de cooperação entre Portugal e Timor-Leste, cujo objetivo sempre foi promover o ensino em língua portuguesa?

Se a percentagem estivesse a diminuir, eu diria que é inaceitável, como, tanto quanto eu sei, a percentagem dos que falam português está a aumentar, creio que só podemos estar insatisfeitos com a pouca rapidez com que isso acontece. Gostaríamos que fosse mais rápido, mas enquanto a percentagem estiver a aumentar, é bom sinal, quer dizer que os timorenses querem aprender português e quer dizer que estamos a encontrar, portugueses e timorenses, formas de responder. Evidentemente, que todos nós gostaríamos que o português fosse falado por 100% dos timorenses e que, para além disso, os timorenses falassem todas as outras línguas, para além das suas próprias línguas maternas. Para nós, o objetivo final é que o português seja também uma língua materna para os timorenses e para muitos já o é, mas, de facto, estando a acontecer um aumento da percentagem, o que nós podemos é procurar que o aumento seja mais rápido. Preocupante seria se estivesse a acontecer o contrário.

O que poderá ser feito para aumentar esta percentagem?

Em primeiro lugar, compete ao Governo timorense dizer o que pode e tem de fazer. Timor-Leste é um país independente, respeitamos inteiramente as opções do seu Governo, mas a primeira responsabilidade é do executivo. Não há nenhuma dúvida que a principal vontade e responsabilidade são da próxima governação timorense, como de todos que até aqui governaram. O que nós continuamos a dizer é que estamos disponíveis para continuar a colaborar, a cooperar e a aprofundar essa colaboração, se for essa a opção do novo Governo timorense.

Considera que, no âmbito da cooperação, Timor-Leste tem feito a sua parte para contribuir para a promoção da língua portuguesa?

Acho que sim. Creio que o projeto CAFE é um excelente exemplo de como o Governo timorense se envolve numa missão que é difícil, que é a de recuperar uma língua que foi perseguida durante 24 anos. Sabem, melhor do que eu, que os jovens e as crianças que hoje frequentam as escolas timorenses têm um défice significativo na aprendizagem do português, porque os seus pais não aprenderam em português, foram proibidos de utilizar esta língua e perseguidos por a utilizarem, uma das muitas atrocidades que a ocupação indonésia cometeu. É uma grande dificuldade ensinar uma língua nova, mas sendo essa a opção de um povo que resistiu 24 anos a um invasor, centenas de vezes mais forte e maior, seguramente será também capaz de garantir que o português será falado cada vez mais e, no futuro, mais ou menos próximo, por todos.

“O que mais me impressionou foi mesmo o projeto dos CAFE. Sobretudo em Aileu, onde as condições são bastante menos simpáticas, é, de facto, um enorme esforço daquelas crianças, jovens e professores”

 

De que maneira é que o Governo português pode ajudar o Governo timorense a responder aos desafios da educação no país?

Aumentando a nossa presença e estudando com o Governo timorense quais são as melhores soluções. O ponto que eu gostava de salientar é sempre o mesmo, Portugal tem disponibilidade, por um lado, e tem limitações, por outro, como qualquer país, mas tem sobretudo de responder àquilo que for a vontade do Governo de Timor-Leste, qualquer que ele seja.

De todos os projetos de educação que visitou, qual foi aquele que mais o impressionou e porquê?
O que mais me impressionou foi mesmo o projeto dos CAFE. Espero que os meus colegas da Escola Portuguesa Ruy Cinatti (EPRC) não fiquem muito zangados comigo, mas a EPRC, em Díli, é mais uma das nossas escolas portuguesas fora do país. É uma escola excelente e de referência, por isso é tão procurada, tem condições bastante razoáveis, mas o que eu vi, sobretudo em Aileu, onde as condições são bastante menos simpáticas, é, de facto, um enorme esforço daquelas crianças, jovens e professores, que em condições menos favoráveis, estão sempre alegres. Seguramente, é esse esforço e alegria que mais me impressionaram e que gostava muito de ver em todas as escolas do mundo inteiro, não só em Portugal. Vi aqui e levo isso no coração.

“É muito impressionante verificar que os guerrilheiros, para além de terem lutado contra o invasor, lutaram também contra a ignorância. E isso é absolutamente extraordinário, é uma lição para o mundo”

 

Como avalia a presença da língua portuguesa em Timor-Leste?

Avalio como uma oportunidade. Dando um passo atrás, a RDTL escolheu ter o português como língua oficial, foi uma escolha livre e democrática. Só por isso, creio que foi já um enorme ato de coragem daqueles que assumiram o poder depois da recuperação da independência. E, ao longo destes mais de 20 anos, Timor-Leste tem sempre procurado aumentar a presença da língua portuguesa. Aliás, de todos os atuais responsáveis políticos com quem eu falei e outros que podem vir a ser, no futuro próximo ou não (o povo assim decidirá), o que foi comum em todas as conversas foi essa vontade de continuar a apostar na língua portuguesa e, por isso, creio que essa questão não está em cima da mesa como um problema.
Agora, temos de nos lembrar que o período pós-recuperação da independência ainda é mais curto do que o período de ocupação da Indonésia, ou seja, 24 anos de atraso não se recuperam com facilidade, os portugueses que o digam, sofremos a mesma ditadura que sofreram os timorenses durante 48 anos. Estes tipos de regimes deixam sempre uma marca muito forte e muito difícil de vencer. No caso português, não havia um problema de língua, sempre falamos a nossa língua, aqui houve mesmo perseguição, porque o português era a língua da resistência, é uma língua de identidade e de acesso ao conhecimento. É impressionante verificar que os guerrilheiros, para além de terem lutado contra o invasor, lutaram também contra a ignorância. E isso é absolutamente extraordinário, é uma lição para o mundo. Estes processos demoram tempo, mas assim continuaremos a apostar e a aumentar o nosso investimento, e estamos certos que, em breve, talvez nos encontremos e possamos ter uma conversa já com mais de 30% dos timorenses a falarem português normalmente. Haverá seguramente uma parte significativa que são aqueles que compreendem a língua, mas não a falam, portanto, esta percentagem até deve ser um pouco maior. Temos de conseguir que os adultos também aprendam. É um desafio que deixo aqui e que deixei a vários dos dirigentes políticos com quem falei.
Quando pensamos na educação, pensamos, quase sempre, nas crianças e nos jovens, acho que é uma excelente ideia pensar também nos adultos. Há muitos adultos que estão em boa altura de aprender seja o que for. Nunca é tarde para aprender, e, porque não criar um programa de apoio ao ensino e aprendizagem de português destinado não só às crianças e aos jovens, mas também aos adultos que queiram? Portugal tem um sistema não propriamente para ensinar a língua, porque não temos esse problema, mas um sistema para melhorar as qualificações escolares portuguesas, que funciona bem, e estamos disponíveis para colaborar com Timor-Leste, se eventualmente um dia vier a ser feita essa opção.

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  1. Senhor Secretario de Estado da Educacao de Portugal

    Eu trabalhei na educacao em Timor e em Portugal de 1 de Jan74 a 30/8/85.
    O seu ministerio extinguio as Direcoes Escolares do Pais e foi incapaz ou negligente em guardar os cadastros de funcionario do pessoal daqueles organismos, entre eles o meu, terceiro oficial do quadro da ex-direcao escolar de Portalegre na situacao de licenca ilimitada.
    Tem-me feito a vida negra para me atribuirem a pensao de aposentacao a que tenho direito gracas a essa incompetencia, ando a ser objecto de bola de ping pong do ME EVORA, da CGA, da burocracia portuguesa em Portugal e no estrangeiro faz 2 anos.
    Senhor Secretario de Estado da Educacao de Portugal, francamente…
    Os meus detalhes estao neste website do Diligente, em caso tenha a dignidade de me querer contactar.

    Respeitosamente
    Carlos Batista
    Portugues, nascido em Dili-Timor a residir na Australia.

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