Estudantes da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL) denunciaram ao Diligente casos de alegado abuso de poder por parte de docentes da instituição. Os alunos acusam alguns professores de “falta de profissionalismo”, nomeadamente de protelarem a defesa de algumas monografias de licenciatura como forma de represália aos estudantes que questionem as suas decisões, que ponham em causa os métodos de ensino, que, em algum momento, os corrijam em sala de aula ou até que tentem conciliar trabalho com estudos, numa universidade onde não existe um estatuto de trabalhador-estudante. A reitoria garante não ter recebido nenhuma queixa relativa à situação descrita pelos alunos, mas aconselha os estudantes que possam ter passado por essas situações a apresentarem queixa nos serviços competentes.
Os estudantes que denunciam os supostos incumprimentos pedem para não ser identificados e dizem fazer estas denúncias “na esperança de que as entidades responsáveis ajudem a acabar com esta situação”. Garantem que “os casos são muitos, mas a esmagadora maioria dos estudantes não fala por medo de represálias”.
Romi Carvalho (nome fictício), 32 anos, finalista da UNTL, fez parte do movimento estudantil Front Mahasiswa de Timor-Leste (FMTL), agora já extinto, que atuava na reivindicação dos direitos dos alunos e “criticava comportamentos menos corretos por parte de alguns professores”. O aluno conta que, em 2016, ano em que pertenceu ao movimento, os elementos da FMTL eram, frequentemente, “alvo de ameaças por parte de elementos do corpo docente, mesmo que em tom de brincadeira”. O universitário revela alguns dos comentários que ouviam: “Vocês, que criticam muito, vão ver” ou “Quando eu digo que vocês não vão passar, não vão mesmo”, são alguns exemplos desses comentários.
Garante ainda que tem conhecimento de casos de vários alunos que, por terem criticado os métodos de ensino de professores, “só conseguiram graduar-se depois de pedirem desculpa” aos docentes em causa. Trata-se, de acordo com a estudante, de uma “prática comum entre finalistas que, por algum motivo, se tenham queixado da metodologia de ensino ou de alguma atitude do corpo docente e que, por isso, veem a conclusão dos seus cursos em risco. Acabámos por pedir desculpa para conseguirmos terminar a licenciatura”.
“Fez-me um ultimato: ou fazia a monografia ou trabalhava. As duas tarefas, ao mesmo tempo, o orientador não permitiu”
Outro estudante, Ficky Costan (nome fictício), 26 anos, finalista da Faculdade de Educação, Artes e Humanidades (FEAH), terminou todas as disciplinas teóricas do seu curso em 2020. Em 2021, começou a fazer a pesquisa para a monografia final.
Na mesma altura, o estudante conseguiu um emprego bem remunerado na sua área, numa Organização Não Governamental (ONG). No entanto, o professor que estava a orientar o trabalho de monografia, ao saber que o estudante estava a trabalhar e, simultaneamente, a estudar, “fez um ultimato: ou fazia a monografia ou trabalhava. As duas tarefas, ao mesmo tempo, o orientador não permitiu”. Para poder continuar com o trabalho de pesquisa e não atrasar a conclusão da licenciatura, propôs ao orientador fazer a investigação três vezes por semana: sextas, sábados e domingos. Dedicar-se-ia ao trabalho final de segunda a quinta-feira. O pedido foi recusado: “O professor disse-me para eu parar a pesquisa, sem me ser dada nenhuma justificação e eu, logicamente, escolhi trabalhar, porque precisava do dinheiro para ajudar a minha família”.
Em entrevista ao Diligente, o pró-reitor dos Assuntos de Provedoria e Aconselhamento da UNTL, Tomé Xavier, referiu que a universidade não tem um estatuto de trabalhador-estudante. A esse respeito, defende que “todos os alunos devem ter deveres e direitos iguais e, por isso, ninguém deve usufruir de um estatuto especial para não se gerar um sentimento de injustiça entre os estudantes”, desvalorizando a inexistência de um estatuto que é, na verdade, transversal à grande maioria das universidades do mundo. Questionado sobre os estudantes que, por dificuldades económicas, precisam de trabalhar para suportar as despesas inerentes à licenciatura, responde que essas situações “não são da responsabilidade da universidade, que só presta algum tipo de apoio diferenciado aos estudantes com bolsas de mérito”.
Ficky Costan conta ainda ao Diligente ter conhecimento de casos de outros colegas, também orientados pelo mesmo professor, que, mesmo estando exclusivamente dedicados à pesquisa, “também ainda não terminaram a monografia. Parece-me que este docente faz questão de dificultar a vida a todos os estudantes”, independentemente das suas circunstâncias.
“Não podemos discordar dos professores, caso contrário vamos sofrer as consequências”
O estudante considera que a educação pública em Timor-Leste “quer colocar os alunos numa espécie de caixa de dever de obediência às decisões dos superiores hierárquicos da instituição” e não quer que os estudantes “abram horizontes, nomeadamente através da participação em iniciativas de outras instituições como Organizações Não Governamentais (ONG) ou em formações fora das paredes da universidade, apesar de a própria UNTL não oferecer oportunidades complementares de aprendizagem”.
O finalista relata ainda um outro episódio em que um colega de turma, em 2019, “corrigiu o professor, que, em inglês, disse L.I (Los Ingeles) em vez de L.A (Los Angeles)”. O docente “não aceitou a correção, encarando-a como um ataque pessoal, e expulsou-o da sala”. Esta situação “ afetou-o de tal maneira, que nunca mais veio às aulas. Agora, está a estudar no Brasil, porque conseguiu uma bolsa de estudo. Não podemos discordar dos professores, caso contrário vamos sofrer as consequências”, conta indignado.
Lamenta que “os professores ainda tenham a mentalidade de que as gerações mais novas devem ser submissas às mais velhas e nunca podem expressar a sua opinião, muito menos criticá-las”.
Francelino Alves Coreia, finalista do curso de Política Pública da UNTL, ingressou na universidade, em 2019. Em entrevista ao Diligente, sublinha que tem muitos colegas finalistas que terminaram a componente teórica dos cursos em 2012, ou seja, há mais de 10 anos, e ainda não se graduaram. Admite já “ter ouvido discussões nos corredores da universidade, principalmente nas faculdades de Educação e de Economia”, apesar de nunca ter passado, pessoalmente, por essa situação.
Já Ernesto Soares, licenciado em Ciências Sociais pela UNTL, confessa que se sente “arrastado” por um sistema de ensino cheio de falhas. “Se queremos terminar o curso no prazo estipulado, temos de dizer sempre ‘sim’ aos docentes. Se discordarmos, vamos ter consequências, como, por exemplo, não terminar o curso e ser eternamente finalista”, lamenta em tom indignado.
No seu caso, ao contrário de Ficky Costan, de Romi Carvalho e de outros colegas, conseguiu terminar a licenciatura dentro do prazo estabelecido, mas tem consciência de que isso aconteceu, “porque nunca critiquei nada e estive sempre quieto”, o que não o impediu de “estar atento e desperto para os ensinamentos vazios e para as más atitudes dos professores”. Garante ter testemunhado muitas “situações injustas”, como “estudantes que nunca concluíram a licenciatura por terem participado em manifestações contra os métodos de ensino da faculdade ou por se revoltarem contra alguma injustiça de que tivessem conhecimento”.
O estudante sente que foi “obrigado a ficar calado, sempre no meu cantinho, a fingir que não via nem sabia de nada”. Foi esta a estratégia que usou para não arrastar a conclusão do curso, ao contrário dos outros colegas que, “ao se manifestarem ficaram sujeitos a retaliações”. Não tem pudor em dizer que “não aprendeu nada na UNTL, ao contrário do que teve oportunidade de aprender nas atividades fora do ambiente académico”. Hoje, considera “uma perda de tempo” os anos da licenciatura.
Um outro licenciado pela UNTL, que também prefere manter o anonimato, avança que chegou a fazer parte de movimentos estudantis na luta contra políticas injustas da universidade, mas teve de sair, porque os docentes não “viam com bons olhos” esta atividade. “Os professores consideram as críticas como um ataque pessoal e, como consequência, prejudicam ou impedem o processo da monografia. Eu tive de sair deste movimento para conseguir terminar o meu curso”.
“Se houver efetivamente abuso de poder, os alunos devem denunciar”
“Talvez os estudantes tenham medo por sentirem que os professores podem querer, de alguma forma, vingar-se deles”
“Formalmente, o vice-reitor dos assuntos académicos ainda não recebeu queixas relativas a comportamentos impróprios de abuso de poder e intimidatórios por parte de professores de toda a faculdade”, referiu ao Diligente o pró-reitor dos Assuntos de Provedoria e Aconselhamento da UNTL, Tomé Xavier.
Apesar disso, enfatiza que “embora ainda não existam queixas formais, depois de sabermos pela comunicação social que podem existir esse tipo de comportamentos por parte dos docentes, não vamos ignorar essa situação”.
Questionado sobre o motivo destas queixas não terem chegado ao gabinete dos Assuntos Académicos, Tomé Xavier observa que, “talvez os estudantes tenham medo por sentirem que os professores podem querer, de alguma forma, vingar-se deles” e também por “terem conhecimento de casos de outros estudantes que já passaram por este género de represálias, o que pode travar as denúncias”.
O pró-reitor pede a todos os alunos que “não tenham receio de apresentar queixa ao responsável da faculdade”. Sublinha que, “se o alegado abuso de poder por parte dos docentes acontecer efetivamente, os estudantes têm sempre o direito de reclamar e exigir um acompanhamento digno aos seus professores, principalmente no trabalho de monografia”. Caso isso não aconteça e “não se sintam satisfeitos em relação aos serviços dos docentes, devem relatar o problema ao decano da faculdade e ao vice-decano dos assuntos académicos”.
Tomé Xavier destaca que “manter o respeito pelo professor é importante, porque os alunos não conseguem atingir os seus objetivos sem os docentes e o sucesso dos estudantes é um motivo de orgulho para eles”. No entanto, sublinha que os professores “são humanos e, por vezes, podem não saber controlar os seus atos. Erros acontecem, mas, só através de uma crítica construtiva é que podemos melhorar os serviços da instituição, sobretudo para que atos de abuso não se repitam no futuro”.
Relativamente à forma de os alunos poderem apresentar as suas reclamações, esclarece que existem “dois mecanismos para que estas cheguem até às entidades competentes. Primeiro, podem convocar uma reunião dos alunos para analisar o problema e, se assim o entenderem, fazer uma convocatória para apresentar as suas questões aos professores”. O outro método, caso o primeiro não surta efeito, “é através do Gabinete dos Assuntos Provedoria e Aconselhamento, onde os alunos podem, autonomamente, apresentar as suas preocupações e pedir ajuda para encontrar uma solução para o seu problema”.
Acresce que, ao que o Diligente conseguiu apurar, até agora, nenhum destes dois mecanismos foi alguma vez posto em prática e, além disso, também não chegou nenhuma queixa ou reclamação à Associação dos Assuntos Estudantis da Universidade, um espaço de acompanhamento e apoio aos alunos ao qual, ao que tudo indica, os alunos também não se sentem seguros em recorrer, quando o assunto se trata de incompatibilidades com o corpo docente da UNTL.
De acordo com Cesarina Guterres, funcionária no Ministério da Educação e Mestre em Intervenção Social Escolar, “na maioria das vezes, os estudantes não se sentem confortáveis em fazer reclamações. Por isso, é difícil abordar e resolver estes problemas”. Muitos professores “ainda usam um método de ensino tradicional e querem que os estudantes apenas obedeçam. Um professor tem de reconhecer os seus limites, admitir os seus erros. Caso contrário, os estudantes vão sentir-se inseguros, desmotivados e acabam por não aprender como deveriam”.
Para quebrar o silêncio e contrariar esta mentalidade conservadora, “deve existir, em qualquer instituição de ensino, uma equipa multidisciplinar”, isto é, além de professores e estudantes, “também tem de haver assistentes sociais e psicólogos que ajudem os estudantes em situações como estas, mais complexas, e os encaminhem”, conclui.
“Nem eu nem os outros professores temos motivos para prejudicar os estudantes”
O Decano da Faculdade da Educação Artes e Humanidades (FEAH), Teodoro Soares, professor de Metodologia de Investigação e Seminário, defende que “existem inúmeras causas para a demora dos alunos na conclusão da licenciatura”, além das que os estudantes relatam. O docente sublinha, como principais motivos, “a falta de força de vontade e empenho dos próprios estudantes” e fala ainda do “número reduzido de docentes para a elevada quantidade de alunos”.
“Eu sou responsável da faculdade e, ao mesmo tempo, tenho oito turmas, para as quais tenho de preparar aulas, fazer avaliações e ainda orientar os estudantes estagiários. Na Europa, os professores orientam, no máximo, três ou quatro alunos. Aqui, cada professor orienta 30 ou 40 alunos”, refere. De acordo com o professor, só em 2022, matricularam-se na FEAH praticamente 16 mil alunos (15.729).
Professor quase há 20 anos, Teodoro Soares sublinha que “tem orientado muitos alunos e a maior parte ainda não se graduou por “serem desinteressados”. “Sempre dei a mão quando precisaram, sempre ajudei na escolha dos temas, nas referências bibliográficas, mas muitos não se esforçam, o que me deixa frustrado”, lamenta. Destaca que já orientou muitos estudantes que reprovaram, porque “as monografias não cumpriam os requisitos de qualidade. Nem eu nem os outros professores temos motivos para prejudicar os estudantes. O nosso papel é prepará-los para a vida profissional e não prejudicá-los”.
O responsável afirmou ainda, em entrevista ao Diligente, que nunca teve conhecimento de “casos de professores que tenham impedido os alunos finalistas de concluírem as suas licenciaturas, nem por terem participado em manifestações nem por terem criticado os docentes”.
Os problemas relatados pelos estudantes são, frequentemente, discutidos nos corredores da universidade, mas em surdina. Ao que o Diligente apurou, pelos testemunhos recolhidos mas também por muitos outros depoimentos de estudantes que não quiseram ver os seus casos replicados nesta reportagem, o clima de medo e as acusações de falta de profissionalismo e de comportamentos intimidatórios por parte dos docentes são transversais a uma grande parte dos estudantes da UNTL. Uma realidade que vem contrariar o que qualquer aluno deve esperar de uma instituição de ensino superior: um espaço democrático, tanto de respeito como de partilha de conhecimentos entre alunos e professores, onde cada estudante possa não só aprender como ampliar os seus horizontes de pensamento crítico e liberdade intelectual.
Ja no meu tempo era assim, apenas a UNTL era Escola Industrial e Comercial Professor Silva Cunha. Havia muitos alunos que frequentavam a escola de mala as costas porque ja havia muitos a fazer o mesmo.
E queixavam-se da disciplina imposta etc…estavavam-mos nos anos 1970 a 1973!
Este problema também foi acontece no meu tempo em 2015.
Alguns dos docentes da UNTL continua ‘mergulhar’ o modelo da ocupação Indonésio. Segundo a informação que apurei junto dos antigos alunos de ( 1998-1998), os docentes impediam o processo de monografia quando os alunos participavam manisfestações contra Indonésio.