Em 2022, acompanhou um grupo de voluntários, que saíram de Portugal para a Ucrânia com o intuito de ajudar no transporte de alimentos, medicamentos e na retirada de pessoas de zonas de perigo. No ano seguinte, integrou uma missão internacional no Myanmar, que atravessa uma grave crise sociopolítica.
A postura e a roupa levam-nos a pensar que estamos perante um militar, mas depois de alguns minutos de conversa percebemos que Almério Lopes é um civil. Natural do Suai (Covalima), o rapaz de 39 anos mudou-se com a família para Portugal no período da ocupação indonésia em Timor-Leste. Ainda criança, percebeu como era difícil viver como refugiado, longe de casa. Porém, com muito esforço e solidariedade de várias pessoas, adaptou-se, vindo a obter cidadania portuguesa, posteriormente.
Os momentos vividos na infância em terras lusitanas contribuíram para despertar em Almério Lopes o espírito humanitário e a vontade de ajudar o próximo. O sentimento, aliado ao seu interesse pela vida militar, levou-o a tentar entrar para o exército português, mas um problema de saúde impediu-o. Contudo, quis o destino que conseguisse, anos depois, prestar serviços nas forças militares dos Estados Unidos, e também de Portugal.
Numa dessas incursões, juntou-se a um grupo de voluntários e partiu da terra de Camões para a Ucrânia, que, desde 24 de fevereiro de 2022, se encontra em guerra com a Rússia. A referida missão foi formada por civis e ex-militares portugueses e consistiu no auxílio na retirada de desabrigados, transporte de alimentos e medicamentos. Almério Lopes e a equipa ficaram um mês em terras ucranianas.
Almério com amigos voluntários portugueses na Ucrânia/Foto: DR
Antes de viajar, frequentou uma formação sobre competências básicas durante uma semana, em Portugal, que envolveram lições de segurança, proteção a cidadãos mais vulneráveis, primeiros socorros e planos de evacuação.
Entrou em território ucraniano e depois seguiu até à fronteira da região de Kherson, onde explosões foram registadas, não foi a Kiev, a capital, por ser muito longe.
A partida para o país em guerra foi envolvida em segredo: por receio da reação da família, Almério Lopes não disse nada. Porém, enquanto ainda estava em território ucraniano, fotos suas circularam nas redes sociais, e os familiares acabaram por descobrir o seu paradeiro. “Enviaram-me mensagens para que eu me cuidasse, mas não houve desespero. Talvez por saberem do meu senso de responsabilidade e comprometimento em ajudar o próximo”, refletiu.
Viu o medo e o trauma nos olhos dos ucranianos, cujas casas tinham sido destruídas. “Eu podia voltar, eles tinham de estar na linha da frente e apoiar os militares com alimentação e medicamentos”, conta. Almério Lopes recorda os gritos e choro de pessoas feridas e compara a situação ao que ocorreu em Timor-Leste, no tempo da ocupação indonésia (de 1974 a 1999). “É muito parecido com o que aconteceu aqui”, observou.
Almério Lopes com refugiados na Ucrânia/Foto: DR
Consciente dos perigos de um país em guerra, quando questionado se teve medo de morrer, Almério Lopes responde que não. E acrescenta que se sentiu muito orgulhoso por ajudar as pessoas num momento difícil, e por representar Timor-Leste. “Muita gente dizia: ‘Timor-Leste é um país pequeno, mas consegue ajudar outros’”, recordou.
Já em 2023, Almério Lopes foi fazer atividades humanitárias no Myanmar (antiga Birmânia), país do Sudeste Asiático que enfrenta uma crise após militares tomarem o poder, em fevereiro de 2021.
Em janeiro do ano passado, a Organização das Nações Unidas (ONU) registava 2.890 pessoas mortas pelos militares desde o início do golpe. “Deste total, 767 morreram sob custódia do Estado. E por causa da violência, 1,2 milhão de birmaneses tornaram-se deslocados internos. A quantidade de pessoas que deixaram o país ultrapassa 70 mil”, citou a ONU, num comunicado na sua página oficial.
No país, o jovem também ficou um mês e colaborou com o transporte de alimentos e medicamentos. Almério Lopes viajou através de uma iniciativa da organização humanitária multinacional Free Burma Rangers, que também atua no Sudão e Kurdistão.
Questionado sobre os motivos que o levam a envolver-se em atividades humanitárias em zonas de conflito, Almério Lopes, resumidamente, responde que se sente bem ao ajudar os outros. “Aprendi estes valores com a minha mãe, que também ajudava sempre quem mais precisava”, refletiu.
Infância e envolvimento com serviços militares
Visto pelos amigos como uma figura bem-humorada, generosa e corajosa, Almério Emiliano Teixeira Lopes é o filho mais novo da família. Ele tem um irmão, o pai era administrador em Covalima na altura da ocupação da Indonésia, e a mãe, dona de casa.
Recorda com saudosismo a infância na terra natal, onde vivia livre, sem internet ou telemóvel. “Acordava de manhã, ia para escola e quando voltava, almoçava e passava as tardes com os meus colegas a brincar no mato, na ribeira e em outros bairros. Só voltávamos para casa quando o sol se punha”, relembra com nostalgia.
Fã assumido do Rambo – o soldado norte-americano que enfrentava sozinho todo um exército nos filmes homónimos –, o pequeno Almério gostava de brincar na lama. “Via o Rambo a rolar na lama e imitava-o. Sujava-me todo. Gostava tanto da personagem que até dei o nome de Rambo ao meu cão”, conta.
Completou o ensino primário em Timor-Leste e o secundário foi feito na Indonésia e Portugal. No país lusitano, viveu grande parte do tempo em Oeiras .
Terminado o ensino secundário, Almério Lopes participou numa formação de jornalismo, entre 2003 e 2005. “Em Portugal, aprendi a ser mais disciplinado. Também aprendi a língua, a cultura e fiz amizades”, partilhou.
Em 2005, quando muitos timorenses foram trabalhar para Inglaterra, Almério Lopes também embarcou nessa aventura, tendo vivido em Oxford durante um ano. Atualmente, domina cinco línguas: português, inglês, espanhol, indonésio e tétum.
No ano seguinte, Almério Lopes recebeu uma oferta de trabalho e regressou a Timor-Leste. “Comecei a trabalhar para uma instituição dos Estados Unidos da América, a Naval Criminal Investigation Service (NCIS), no Destacamento de Proteção das Forças (FDP, em inglês), como assistente do Agente Especial do Destacamento de Proteção das Forças”, sublinhou.
Entre 2009 e 2015, assumiu o cargo de gestor de campo que fornece conhecimentos especializados e apoio logístico. Prestou serviço na gestão de transporte de camiões e veículos para os Sea Bees da Marinha dos EUA, durante a sua implantação em Timor-Leste.
Também desempenhou trabalhos com as Forças Aéreas dos EUA, atuando como gestor dos transportes e tradutor para a Pacific Angel Mission, uma operação conjunta humanitária e cívico-militar, em Baucau, que envolveu ainda as F-FDTL e forças australianas.
“A Pacific Angel pressupõe várias atividades simultâneas de assistência civil-militar, incluindo programas médicos que consistem em: medicina dentária, optometria, saúde da mulher, medicina geral, programas de engenharia e intercâmbios de peritos na área da educação em saúde pública e educação veterinária”, explicou.
A sua dedicação ao trabalho, valeu-lhe uma condecoração pelas Forças Aéreas dos EUA.
Em 2012, integrou ainda a Missão de Observação Eleitoral da União Europeia em Timor-Leste, como Assistente de Operação especializado. Ajudou na conceção, planeamento e execução de todas as atividades logísticas necessárias para garantir o sucesso das atividades.
Já em dezembro 2019, participou, durante um mês, na formação de Combate Tático e Tratamento de Feridos (Tactical Combat and Casualty Care), nos EUA, sendo treinado por ex-membros do grupo Armas Táticas Especiais ou (SWAT, em inglês).
“Através dos meus contactos com as forças, tive esta oportunidade, mas fui eu que paguei o curso. Quis frequentar esta formação, porque em locais de conflito precisam sempre de pessoal com qualificação especial. Se, no futuro, o meu negócio não correr bem, tenho esta formação que me permitirá trabalhar no estrangeiro, na área da segurança”, detalhou Almério Lopes. Atualmente, é dono de uma empresa que realiza impressões, em Colmera.
Almério Lopes também integra a organização SABEH (Saúde ba Ema Hotu ou Saúde para Todos), que presta serviços para a população nas áreas rurais que tem dificuldade em aceder a cuidados médicos.
Para além disso, está a desenvolver uma iniciativa voltada para atender os jovens. “Ainda tenho de apresentar o projeto ao Governo. Pretende-se desenvolver as capacidades dos jovens, para isso vamos fomentar as habilidades básicas para que, no futuro, consigam concorrer a vagas na Proteção Civil, Bombeiros, Polícia Nacional de Timor-Leste e F-FDTL”, afirma.
Almério Lopes incentiva os jovens a não deixarem de sonhar, apelando para que estejam atentos e não deixem escapar as oportunidades que aparecem.