Adriano do Nascimento: “Para dinamizar a economia do país, o Governo tem de trazer o gasoduto, acelerar a perfuração do petróleo no Suai e capitalizar os bancos para oferecer crédito”

“Loro Mau” foi ministro da Presidência do Conselho de Ministros no VII Governo Constitucional/ Foto: Diligente

Assessor no Parlamento Nacional, “Loro Mau” é um dos membros do Fórum Comunicação Figura Política e Pública – grupo que pretende renovar a política timorense. Em entrevista ao Diligente, destacou que os líderes da nova geração estão prontos para contribuir para o desenvolvimento do país

Líderes de diferentes grupos da vida política em Timor-Leste decidiram unir-se para discutir sobre o que se passa no país, na tentativa de renovar a esperança e avaliar possíveis soluções para os problemas mais urgentes.

Lançado neste mês, o coletivo denomina-se Fórum Comunicação Figura Política e Pública (FKFPP) e pretende reunir intelectuais em encontros para debater sobre o futuro de Timor-Leste. Alguns de seus membros são o ex-primeiro-ministro Rui Maria Araújo; ex-ministro da Presidência do Conselho de Ministros, Fidélis Magalhães; e os ex-ministros dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Dionísio Babo e Aurélio Guterres.

Também integra o grupo Adriano do Nascimento “Loro Mau”, 54 anos, natural de Covalima. Atualmente a exercer o cargo de assessor no Parlamento Nacional, “Loro Mau” foi ministro da Presidência de Conselho de Ministros no VII Governo Constitucional.

Em entrevista ao Diligente, Adriano do Nascimento destacou a importância de se investir na saúde e na educação, para além de procurar alternativas ao fundo petrolífero, que segundo previsões do VIII Governo, deve acabar em 2034.

O Fórum Comunicação Figura Política e Pública (FKFPP) é um grupo que reúne figuras importantes da política, com diferentes ideologias. Como surgiu a ideia da criação do FKFPP? E quais são os objetivos do grupo?

O grupo nasceu através de várias discussões, que começaram em 2018. Alguns de nós já conversavam informalmente sobre a situação política e o desenvolvimento económico. Decidimos criar este grupo, porque, muitas vezes, os líderes mais antigos dizem que os jovens devem organizar-se. Consideramos que é um trabalho de casa para nós, os líderes das novas gerações. Queremos criar um diálogo entre nós para responder a esta chamada, no sentido de dar continuidade aos sonhos dos nossos Katuas (os mais velhos), como Xanana Gusmão, Mari Alkatiri, Falur Rate Laek e os veteranos.

Por outro lado, observamos que o funcionamento da democracia tem sido marcado por  polémicas, sobretudo no diz respeito à formação do Governo. Durante as campanhas eleitorais presidenciais e parlamentares, os líderes dos partidos, sobretudo os nossos katuas, atacaram-se uns aos outros com palavras pesadas. São dinâmicas da democracia, mas temos de criar um canal de comunicação entre nós, os novos líderes e intelectuais, para refletir sobre o futuro do país. Às vezes, antigos líderes do país ensinam-nos através das zangas que têm uns com os outros. As novas gerações devem começar a cultivar hábitos de comunicação com os futuros líderes dos partidos. Não vamos discutir os programas ou princípios de cada partido, mas o interesse comum.

O impasse político no país mostrou-nos que precisamos de um mediador dentro dos partidos para procurar soluções. Essa situação teve um impacto negativo para o desenvolvimento económico.

Temos duas questões importantes: as sustentabilidades política e económica. Queremos melhorar o nosso sistema democrático, evitar impasses políticos no futuro e transmitir confiança ao povo. Um dia, quando os líderes antigos já não estiverem connosco, estaremos nós, mesmo que em diferentes partidos, estaremos prontos para dar continuidade.

Em relação à sustentabilidade económica, sabemos que o Orçamento Geral do Estado (OGE) depende muito do fundo petrolífero. Ainda não temos fontes de receitas alternativas, o que temos, infelizmente, não permite financiar o salário dos funcionários. O problema é que ainda não desenvolvemos os recursos naturais, um dos exemplos é o Greater Sunrise. Além disso, as crises políticas nos outros países também influenciam e impedem atividades económicas. E se os líderes não comunicam, como será o futuro do país?

Precisamos de desenvolver uma boa comunicação entre os líderes, através de debates e discussões, no sentido de apelar ao Governo para gerir bem o nosso fundo petrolífero, uma vez que é a única fonte da rendimento. Se não formos cuidadosos e gastarmos tudo, onde vamos buscar dinheiro?

O grupo pretende tomar alguma medida prática?

Numa primeira fase, reunimos.  Depois, demos a conhecer o grupo ao público neste mês,  em Dare. Nos próximos dois meses, vamos convidar jovens intelectuais do país para proceder a uma consciencialização, sobretudo na questão da sustentabilidade económica. Vamos organizar um debate para identificar os desafios e soluções alternativas para a nossa economia. Os líderes das novas gerações, em representação dos seus partidos e de organizações, podem contribuir com as suas perspetivas para ajudar o Governo. É importante chamar a atenção da população para os problemas que estão a acontecer no país e para as possíveis soluções, de modo a que todos os cidadãos estejam a par do que se passa.

Quais foram os assuntos discutidos nos encontros que já aconteceram?

Já reunimos quatro vezes. Inicialmente, falámos sobre a formação e o perfil da nossa organização. Identificámos os temas centrais do grupo: sustentabilidades económica e política. Depois, concordámos em integrar intelectuais no grupo para reforçar a organização e também participar no debate semanal, que vamos realizar no próximo mês.

Sabemos que alguns dos membros estiveram envolvidos nas governações anteriores junto de figuras antigas, como Xanana Gusmão, Mari Alkatiri, Ramos Horta, entre outros. O que é que o FKFPP apresenta como novidade?

Queremos dar esperança. Estamos preparados para analisar questões de interesse nacional. Somos de diferentes partidos, mas não há problema, é importante chegarmos a um consenso político, colocando os interesses do país e do povo em primeiro lugar. Quando os antigos líderes já cá não estiverem, já teremos ideias para desenvolver o país.

Depois de 21 anos de restauração da independência, a população timorense ainda enfrenta muitos problemas sociais relacionados com saúde, educação, acesso a água, alimentação, desemprego, entre outros. Segundo a observação do FKFPP, porque é que estas questões básicas ainda não foram resolvidas?

Estes problemas não acontecem apenas no nosso país, os países avançados também passam por isso. O  nosso país ainda está concentrado no desenvolvimento das infraestruturas físicas básicas como estradas, água, eletricidade, entre outros. A maior parte do consumo dos recursos financeiros do Governo é para resolver estes problemas.

Ainda não explorámos todos os nossos recursos naturais, o que faz com que a nossa receita doméstica seja mínima. Também ainda não temos indústrias ou fábricas. Não temos receitas alternativas, porque o executivo ainda está a preparar as condições mínimas. A Indonésia, por exemplo, já tem muitas indústrias, porque é um país avançado, mas não nos podemos comparar com os outros.

Teremos outras fontes de receitas quando houver estabilidade política e económica. Estas duas questões estão interligadas, quando a política do país ou regional não está bem, haverá consequências negativas para o desenvolvimento económico. Para um país poder andar para a frente, há dois setores essenciais a desenvolver: a educação e a saúde.

Não podemos ser pessimistas. É importante criarmos um diálogo entre os líderes para procurarmos soluções alternativas para resolver as questões da educação, saúde, economia, entre outros.

Quais são as ideias do FKFPP para garantir e contribuir para a sustentabilidade económica e política do país?

No meu ponto de vista pessoal – não represento o grupo -, para garantir a sustentabilidade económica temos de dar continuidade ou desenvolver as riquezas que Deus nos oferece. O Governo tem de trazer o gasoduto para Timor-Leste. Deve também apressar a perfuração do petróleo em Suai-Covalima, mas temos de ter cuidado na gestão do fundo petrolífero. A alocação do orçamento para setores-chave, como infraestruturas básicas, é muito importante para criar mais oportunidades de fontes de receitas.

Para garantir a sustentabilidade política, é necessário criar um diálogo entre os líderes dos partidos. Claro que num país democrático ter diferentes ideias é normal, uma vez que a natureza ou princípio da democracia funciona assim, mas é importante promovermos a comunicação efetiva entre as pessoas envolvidas.

Como avalia o envolvimento dos jovens e das mulheres na vida da política do país?

Quando falamos sobre a participação das mulheres na vida política, Timor-Leste é um modelo para outros países. O Governo de Timor-Leste dá prioridade à promoção das mulheres em cargos superiores. Por exemplo, o Parlamento Nacional é liderado por uma mulher. Além disso, temos outras organizações de mulheres, como a Rede Feto e Fokupers, o que demonstra que a luta pela igualdade de género em Timor-Leste está a dar passos positivos.

Os jovens participam na vida política, assumindo cargos importantes no Governo e em instituições públicas. Estão envolvidos em partidos e em várias organizações. Porém, as oportunidades de emprego escasseiam, porque ainda não temos receitas suficientes e há falta de investimento nas indústrias.

Sabemos que a maior fonte do rendimento do país é o fundo petrolífero e economicamente Timor-Leste ainda depende muito de importações. Como é que o grupo vê esta situação e que alternativas propõe para dinamizar a economia do país?

Agora a única fonte de receita do país é o petróleo, ainda não desenvolvemos as nossas riquezas da terra como o mármore, o petróleo no Suai. Não temos indústria de pescas e os sítios turísticos estão abandonados. Estas são as fontes das receitas, mas ainda não estão bem desenvolvidas e capazes para produzir receitas.

Outra questão tem a ver com o facto de o Governo ainda não ter capitalizado o banco nacional. Em qualquer outro país, os cidadãos vivem com o crédito e o Governo deve criar condições para facilitar o acesso ao mesmo, de modo a podermos desenvolver o comércio e a indústria. O nosso Banco Nacional Timor-Leste ainda não disponibiliza créditos a muitos cidadãos e os outros bancos estrangeiros também não.

Além disso, ainda há o problema do estatuto do terreno. O terreno é um recurso importante para poder desenvolver a vida de um indivíduo e do país. Algumas pessoas querem investir, mas devido à indefinição do estatuto do terreno, acabam por não o fazer.

Por isso, para dinamizar a economia do país, o Governo tem de trazer o gasoduto para Timor-Leste, acelerar a perfuração do petróleo no Suai e capitalizar os bancos para oferecer crédito.

É fundamental reunirmos para discutir quais sãos os principais problemas que influenciam o desenvolvimento económico do país. Os políticos também podem falar sobre esta questão, mas é essencial ouvirmos as perspetivas dos peritos e economistas, uma vez que eles são especialistas na análise económica do país.

Como é que o grupo avalia a governação dos executivos durante 21 anos de restauração da independência?

Houve muitos progressos durante estes 21 anos. As infraestruturas básicas foram melhoradas, mesmo que ainda haja locais de difícil acesso. A participação das mulheres na tomada de decisões mostrou um grande avanço, nota-se a maturidade política dos líderes, a liberdade de imprensa também mostrou desenvolvimento, entre outros. Por isso, a vida é dinâmica e sempre temos falhas, mas o importante é estarmos unidos nas ideias para desenvolver Timor-Leste. Temos de investir mais na educação e na saúde para produzirmos recursos qualificados para melhorar o país.

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