VENDA AMBULANTE

Vender às escondidas do Governo: “Somos vendedores ladrões”

Vendedores e compradores “abarrotam” as ruas de Kampung Baru/Foto: DR

Os vendedores ambulantesemigraram” para as bermas das estradas mais movimentadas de Díli, em Fatuhada, Kampung Baru e Delta, para conseguirem vender os produtos. Os mercados delimitados pelo Governo em Taibessi, Comoro e Manleu já não têm espaço suficiente para acomodar o número elevado de negociantes, a perder de vista.

Os mercados “clandestinos ” têm causado engarrafamentos constantes na capital. Israél Soares, 25 anos, vendedor de peixe em Kampung Baru, está consciente das implicações que esta forma de venda pode causar no trânsito, não só engarrafamentos mas também acidentes. No entanto, não tem outra opção, já que, nos lugares que o Governo definiu para os negociantes venderem legalmente, não tem espaço.

“Nós só começamos a vender depois das 17h, quando os fiscais contratados pelo Governo para nos controlar já terminaram o seu turno. Se nos apanharem, expulsam-nos”, conta o jovem. Também sobre os horários em que conseguem trabalhar, Marciana Justina Boavida, 70 anos, vendedora de vegetais em Kampung Baru, considera ser “muito tarde vender a esta hora, até porque as pessoas já fizeram as compras de que precisavam durante o dia”.

Apesar de ficar no mercado até às 21h, são muitas as vezes em que volta ainda de madrugada, antes das 7h da manhã, para a beira da estrada, por não ter conseguido compradores suficientes na noite anterior. “Somos vendedores ladrões. Só podemos vender quando ninguém do Governo está a ver”, reclama. O receio de perder clientes é cada vez maior e aumenta “com a concorrência das lojas chinesas, porque as pessoas preferem comprar vegetais em locais limpos e organizados”.

A vendedora acrescentou que a subida do preço dos vegetais, influenciada pelo aumento do custo dos combustíveis, também dificulta o seu negócio. Não raras vezes, vê-se impossibilitada de comprar stock de vegetais aos fornecedores que vêm dos municípios por não ter ainda conseguido reaver o investimento das compras anteriores, muito menos obter lucro, que nunca vai além da margem entre os 25 e os 50 centavos.

Engarrafamento causado pelos vendedores no mercado em Kampung Baru/Foto: DR

Apesar de a venda em Kampung Baru ser proibida, Marciana continua a trabalhar às bermas, porque não tem outra forma de sustentar os quatro netos, que foram abandonados pelos pais e não conseguiram terminar os estudos. A neta mais velha ainda conseguiu acabar o ensino secundário, mas, devido às dificuldades financeiras, não pôde frequentar a universidade.

A septuagenária chegou a tentar vender nos mercados de Taibessi e Manleu, mas acabou expulsa pelos vendedores que já lá estavam por não haver lugares suficientes. São tantas pessoas, tantos produtos, muitos dos quais acabam por ficar estragados depois de um dia inteiro expostos ao calor que a vendedora chega mesmo a comparar os mercados de Taibessi e Manleu a “uma pocilga ”.

Os donos dos carrinhos de cocos, que decoram as ruas da cidade, não escapam a esta situação. Ambrósio Pereira, 22 anos, e Januário Pinto, 42, vendedores de coco no Bairro Formosa, perdem, muitas vezes, a sua única fonte de rendimento, uma vez que os inspetores, que atuam sem pré-aviso, apreendem todos os cocos, quando encontram os negociantes a vender em locais proibidos, como é o caso da via pública.

Falta de espaço agrava situação económica precária

Joana Cárceres, 52 anos, vendedora de vegetais em Taibessi, também se mostra preocupada com a desorganização do mercado. Alerta para a quantidade de vegetais estragados e explica que tende a aumentar, tanto com a confusão causada na época das chuvas como sempre que são expulsos e obrigados a deixar os produtos para trás.

A ex-professora, que se dedica há quatro anos ao comércio de vegetais, acorda de madrugada para comprar os legumes que os fornecedores transportam dos municípios. Diariamente, costumava conseguir um lucro que rondava os dez dólares americanos, mas tem progressivamente sentido necessidade de diminuir os preços e, consequentemente, o lucro para fazer frente aos vendedores ambulantes que se colocam na entrada do mercado, bloqueando a passagem para o seu local de venda e “roubando-lhe” clientes.

A vendedora é obrigada a dormir todas as noites no mesmo lugar onde trabalha, protegida por uma estrutura apenas com teto e sem paredes. Em 2019, as três casas que tinha foram consumidas por um incêndio de causas desconhecidas. No ano passado, ficou viúva e com quatro filhos a seu cargo, todos com mais do que 17 anos, o que a impede de receber a bolsa da mãe, um subsídio estatal de apoio a mães viúvas com filhos até àquela idade. Joana sente-se rejeitada pelo próprio país. “Sinto que não sou cidadã de Timor-Leste. O Governo devia tratar todos da mesma maneira”.

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Falta de espaço no mercado de Taibessi/Foto: Diligente

Promessas por cumprir

Marciana Boavida lamenta o incumprimento da promessa feita pelo Governo, no início da pandemia, de alargar os mercados de modo a a poderem albergar todos os vendedores. “Os administradores recolheram os nossos dados, mas nunca aconteceu nada e nós continuamos a vender à socapa”.

“Peço ao Governo que cumpra as promessas de há cerca de quatro anos sobre a extensão do mercado para que possamos ter um lugar digno e viável de negócio”, suplica Joana Cárceres. A vendedora sugere ainda que o Governo atribua um subsídio para ajudar o negócio dos comerciantes que têm sofrido com todas estas limitações.

Em resposta a estas preocupações, o vice-ministro do Comércio e Indústria (MTCI), Domingos Antunes, reconhece que ainda não existe um plano de alargamento, mas lembra que o ministério disponibilizou um microcrédito com 3% de juros ao ano. O acordo entre o Governo e o Banco Nacional do Comércio de Timor-Leste (BNCTL) foi assinado em 2020. Desde então, o Governo já transferiu, pelo menos, 1,3 milhões de dólares, para o BNCTL financiar negócios, desde que estes cumpram os requisitos exigidos, nomeadamente o plano de negócios.

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