Sem autorização do homem, mulheres timorenses são privadas do direito ao planeamento familiar

Um estudo do Fundo de População das Nações Unidas revelou que quase 25% das timorenses têm o primeiro filho antes de completar 20 anos de idade/Foto: Opas-OMS

Em Timor-Leste, cidadãs são impedidas de aceder a serviços de saúde reprodutiva se não forem casadas ou não tiverem autorização do marido. O planeamento familiar é considerado um direito humano, mas a Política Nacional de Planeamento Familiar de Timor-Leste ignora a liberdade de mulheres solteiras, sujeitas a abandono por parte dos parceiros e da família em caso de uma gravidez indesejada. Jurista aponta inconstitucionalidade do plano.

“Normalmente, só atendemos os casados ou barlaqueados”, foi a resposta da parteira a Ana Maria (nome fictício), 28 anos, quando a jovem se dirigiu a um centro de saúde de Díli à procura de informações seguras sobre como não engravidar ou contrair doenças sexualmente transmissíveis – questões que fazem parte da Política Nacional de Planeamento Familiar. A jovem, que disse ter um namorado, foi levada para uma sala, onde os olhares intimidatórios da médica e de sete estagiárias a assustaram.

Depois de lhe explicarem todos os métodos contracetivos e os seus efeitos secundários, Ana Maria perguntou qual o mais indicado para ela, ao que a médica retorquiu: “Se só tens namorado, para que queres métodos contracetivos? Os namorados não fazem sexo. Os teus pais sabem que fazes sexo?”.  Para a clínica, o início de relações sexuais é sinónimo de casamento e, se esse fosse o caso, a jovem precisava da “autorização do marido para usar qualquer anticoncecional, porque provavelmente ele queria ter filhos”.

Confusa, Ana Maria voltou a explicar que são apenas namorados, que o corpo é dela e ninguém tem o direito de interferir, seja marido ou namorado. De nada adiantou e, ao perceber que o atendimento médico lhe fora negado, sentiu-se indignada e discriminada.

A jovem saiu da unidade de saúde sem perceber bem a razão de estarem oito pessoas com ela numa sala a fazerem-lhe perguntas do foro privado, a intrometerem-se na sua vida e a dizerem-lhe que não tem liberdade para decidir sobre o seu próprio corpo.

Ainda assim, no dia seguinte, decidiu ir com o namorado ao mesmo centro de saúde. No entanto, depois das explicações sobre os efeitos colaterais dos vários métodos contracetivos, o namorado não autorizou que usasse nenhum deles, argumentando que preferia recorrer ao “método natural”, que consiste na observação do período fértil da mulher.

A possibilidade de as mulheres escolherem o número de filhos que querem e quando os querem é um direito humano.

“Exaltei-me e disse ao meu namorado, à médica e às estagiárias que sou dona do meu corpo e exigi que me colocassem o implante”. Porém, a profissional de saúde manteve-se firme: “Não te podes comportar como uma criança! Tens de respeitar o teu marido, obedecendo às suas decisões”.

A revolta tomou conta da jovem, que lançou uma pergunta às estagiárias presentes: “Vocês são mulheres como eu. Vão deixar que um homem controle o meu corpo? Chega! Mostrem-me a lei que diz que tenho de ter autorização do meu parceiro para colocar um implante no meu próprio corpo”.

O silêncio instalou-se na sala, demasiado pequena para tantos julgamentos, até que a médica respondeu que estava a “aplicar ordens superiores” e que existia um guião, à qual a jovem não conseguiu ter acesso, mesmo depois de vários pedidos para que lho mostrassem.

Ana Maria foi à unidade de saúde duas vezes. Na primeira, viu o atendimento rejeitado. Na segunda, foi proibida de adotar o método contracetivo que escolhera sob o argumento de que precisava de autorização de um homem. Voltou para casa revoltada, a pensar que, em Timor-Leste, “as mulheres, na prática, não veem os seus direitos respeitados”.

Contradições atrás de (con)tradições na Política de Planeamento Familiar

Efetivamente, a Política Nacional de Planeamento Familiar vigente, publicada no Jornal da República a 9 de março de 2022, não refere que a mulher tem de ter autorização do marido para usar qualquer método contracetivo. Cita, no entanto, que as consultas do tipo se destinam a “cônjuges ou casais”, o que deixa de fora as solteiras.

A possibilidade de as mulheres escolherem o número de filhos que querem e quando os querem é, como defende o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA, em inglês), um direito humano, mas também uma forma de empoderamento das mulheres, de redução da pobreza e de alcance de um desenvolvimento sustentável. Este é também um direito de todos os cidadãos, como refere a Constituição de Timor-Leste, no artigo 57.º: “Todos têm direito à saúde e à assistência médica e sanitária e o dever de as defender e promover”.

Já o artigo 16.º (Universalidade e igualdade) também dá conta que ninguém pode ser discriminado com base no seu estado civil: “Todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres. “Ninguém pode ser discriminado com base na cor, raça, estado civil (…)”.

A situação vivenciada por Ana Maria expõe uma dificuldade de tantas outras cidadãs em se informarem a respeito da saúde reprodutiva e em adotar um método contracetivo diferente do que a Política de Planeamento Familiar dá prioridade: o “método natural”, também conhecido por Método de Billings.

Na introdução à referida política, lê-se: “O foco principal desta revisão da Política de Planeamento Familiar assenta, em primeiro lugar, no método natural como primeira opção e método artificial como alternativa. Deste modo, todos os cônjuges e casais terão a oportunidade de escolher conscientemente os métodos de saúde reprodutiva e utilizar os dispositivos de planeamento familiar que melhor represente as suas situações ou circunstâncias”.

Mais adiante, o mesmo documento define o que entende por casais: “Casais referindo ao casamento de acordo com a religião Católica, outras religiões, barlaqueado, casamento civil, parceiros ou cônjuges que se preparam para formar uma família”.

A definição exclui automaticamente as mulheres solteiras, num país em que, segundo um estudo do UNFPA, quase 25% das timorenses têm o primeiro filho antes de completar 20 anos, mais um indício do elevado número de estudantes grávidas.

Apenas 23% das mulheres admitem utilizar algum tipo de método para prevenir a gravidez ou Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), de acordo com um relatório do Governo (Timor-Leste em Números, de 2021, o mais atual). No referido documento, que cita que 330.452 cidadãs (entre 15 e 49 anos) foram ouvidas, o Governo omite ou ignora qualquer informação ou menção sobre homens que utilizam procedimentos contracetivos.

Para a elaboração da Política de Planeamento Familiar em Timor-Leste, o Ministério da Saúde contou com a parceria de representantes de vários segmentos, como a Igreja Católica, muito citada no documento. Na parte que analisa o contexto social no país, consta: “É importante ressalvar a boa cooperação fomentada entre a Igreja Católica e o Ministério da Saúde desde o início do desenvolvimento do Programa de Planeamento Familiar”.

Já mais à frente, no excerto relacionado com princípios que regem a Política, evidencia-se: “A Política de Planeamento Familiar respeita a filosofia Católica, afirmando que o ser humano é a criatura da imagem de Deus. Por isso, a Política de Planeamento Familiar não deve promover ou utilizar métodos ou medicamentos que têm efeitos colaterais diretos para a saúde das mães ou que não opõe a dignidade humana”.

“Uma diretriz do Estado que se baseia na religião ou ideais de determinado grupo religioso é absolutamente incompatível com a Constituição”

Apesar de Timor-Leste ser um país predominantemente católico e de a Igreja Católica ter tido um papel muito importante na luta pela independência, o país, de acordo com a sua Constituição, é laico, o que significa que nenhuma religião (em tese) pode imiscuir-se nas decisões do Estado.

A propósito da influência de uma religião no desenvolvimento de uma política pública, uma fonte da área do Direito, que preferiu não se identificar, ressaltou que a condição contraria o previsto no artigo 45.º da Constituição, que consagra o princípio da separação entre as confissões religiosas e o Estado. “A Constituição proíbe qualquer identificação ou referência à religião, não sendo legítima nem constitucional qualquer ingerência da Igreja nas funções do Estado”, sublinhou a fonte.

Portanto, na sua avaliação, uma diretriz do Estado (como a Política de Planeamento Familiar) que se constrói com recurso à opinião religiosa, de entidades e individualidades religiosas e se baseia na religião, prevendo ações, programas, iniciativas ou medidas concretas que personificam expressamente os princípios ou ideais de determinado grupo religioso, “é absolutamente incompatível com a Constituição”.

Considera ainda “o planeamento familiar, aliás como estabelece a Política em análise, de forma contraditória, essencial para o empoderamento da mulher, saúde e educação reprodutiva”. Tal, destacou a fonte, “pressupõe o direito à escolha (dignidade da pessoa humana, na dimensão de liberdade) e decisões informadas, prevenção da gravidez e de doenças sexualmente transmissíveis (métodos contracetivos) e sexualidade segura”.

No que se refere à exigência por parte dos serviços de saúde de uma autorização por parte do marido para a mulher usar métodos contracetivos, a fonte é categórica em afirmar que o procedimento não apenas é ilegal como até inconstitucional.

Um outro problema relacionado com a Política de Planeamento Familiar é indicado pelo próprio documento e diz respeito à falta de qualificação dos profissionais de saúde. Na componente ligada aos recursos humanos, figura que “a maioria dos médicos, enfermeiros e parteiras destacados para os estabelecimentos de saúde ainda não foram treinados ou habilitados para prestarem os serviços de planeamento familiar, especialmente no que concerne aos vários métodos existentes”.

Logo em seguida, a questão é mais detalhada: “O resultado da recente análise sobre o planeamento familiar feita sobre a necessidade da formação de profissionais de saúde nos municípios de Covalima e em dois Centros da Saúde Comunitários localizados em Díli, revelam que mais de 75% dos profissionais de saúde – médicos, parteiras e enfermeiros – acreditam que eles próprios ainda não se encontram aptos em todos os aspetos do programa de planeamento familiar”.

As mulheres solteiras veem-se privadas de acesso à saúde reprodutiva num país em que o crescimento populacional levanta problemas sérios para a erradicação da pobreza, da fome e subnutrição e garantia de acesso a cuidados de saúde ou educação.

De acordo com o Censo de 2022, Timor-Leste conta com 1,3 milhões de habitantes, o que representa, em relação a 2015, data do censo anterior, um crescimento anual da população de 1,8%. De acordo com o levantamento mais atual, 67% dos timorenses têm menos de 30 anos.

Em 2021, o Banco Mundial dava conta que o crescimento populacional de Timor-Leste era o mais elevado do Sudeste Asiático, situando-se nos 1,6% anuais. Para este valor, contribui, segundo os dados do Banco Mundial, aquela que é a mais alta de taxa de fertilidade da região – 3,1 filhos por mulher.

“As palavras dos meus familiares pesam mais do que a minha barriga”

Entre as milhares de mulheres timorenses que engravidam precocemente todos os anos, encontra-se Zélia. Aos 22 anos, grávida de sete meses, a estudante passa por um momento difícil: o pai da criança e quase toda a família abandonaram-na.

“Quando engravidei, o meu parceiro fugiu e não se quis responsabilizar, dizendo que ainda não estava preparado para ter filhos”, contou Zélia ao Diligente. Segundo a jovem, o pai do bebé anda livremente sem receber qualquer pressão por parte da sociedade, ao contrário do que aconteceu com ela.

“Disseram-me que eu não tinha dignidade, que gosto de provocar e seduzir os homens para ter sexo e que sou uma vergonha para a família”

Depois de contar à família que estava grávida e que o progenitor não queria assumir a criança, foi expulsa de casa, não sem antes de a rotularem de “mulher barata”. “Disseram-me que eu não tinha dignidade, que gosto de provocar e seduzir os homens para ter sexo e que sou uma vergonha para a família”, confidenciou, com os olhos marejados. O tio expulsou-a da casa para onde tinha ido morar para estudar na capital.

A jovem pediu depois abrigo a outros familiares, mas quase todos a ignoraram. A exceção foi uma prima que a recebeu em sua casa. A mãe, quando soube do seu estado, também veio de Balibó, no município de Bobonaro, para a ver.

“Pensei que me vinha apoiar, mas zangou-se comigo e disse-me que estou a denegrir o nome da família na sociedade. As palavras dos meus familiares pesam mais do que a minha barriga. Tratam-me como se fosse uma grande criminosa”, confessa com a cara lavada em lágrimas.

A estudante, que ainda não terminou o curso na Universidade de Díli, confessou que já tentou abortar duas vezes, mas não conseguiu. Desesperada, também pensou em suicidar-se. Foi aconselhada a recorrer à PRADET, organização que acolhe mulheres em situação de vulnerabilidade social. “Mas não quero [procurar apoio na PRADET], porque tenho medo que a organização processe o homem por ele ter um filho com outra mulher. Se ele for preso, quem é que vai cuidar do filho dele?”, perguntou.

Questionada sobre o que vai fazer depois do parto para concretizar a sua ambição de ser docente, Zélia disse que já não tem mais sonhos.

“A lei tem de proteger e garantir a liberdade das mulheres de decidirem sobre o seu corpo”

A jovem é uma das muitas mulheres estigmatizadas pela sociedade timorense, predominantemente patriarcal. São vítimas de abandono e de uma sociedade que não aposta na educação sexual e numa política de planeamento familiar reservado apenas para o casais ou cônjuges, sempre com a autorização do marido, não obstante a alegada inconstitucionalidade da prática.

Impacto psicológico do abandono em mulheres grávidas

De acordo com o psicólogo Alessandro Boarccaech, a discriminação social e a rejeição familiar das mulheres solteiras grávidas podem causar inúmeras consequências psicológicas. “Estas mulheres, além de enfrentarem as dificuldades da gravidez, também sofrem o julgamento negativo da sociedade, da própria família e a falta de apoio material e financeiro”, partilhou.

As consequências passam pelo stress, depressão, ansiedade, solidão, baixa autoestima, desorientação, sentimento de isolamento emocional. Podem sentir-se culpadas, ter vergonha de si mesmas e, até mesmo, ter dificuldades para se ligarem emocionalmente à criança. “Em casos mais graves, a falta de apoio emocional e de suporte financeiro podem causar o sentimento de desamparo e levar algumas mulheres a rejeitar os próprios filhos ou a cometer suicídio”, alertou.

“Sem mudar os padrões sociais, os valores e as lógicas que sustentam estes preconceitos, as mulheres solteiras ou casadas – grávidas ou não -, nunca se sentirão respeitadas”

Para mudar esta realidade opressora contra as mulheres solteiras grávidas, o psicólogo acrescenta ainda que é necessário adotar medidas práticas que envolvam toda a sociedade. A mudança passa pela educação, pela consciencialização, pelas políticas públicas, pela criação de leis e pelo diálogo aberto sobre os valores e a cultura timorense. “Sem mudar os padrões sociais, os valores e as lógicas que sustentam estes preconceitos, as mulheres solteiras ou casadas – grávidas ou não -, nunca se sentirão respeitadas”, frisou.

Nestas situações, de acordo com Alessandro Boarccaech, é fundamental que as mulheres recebam apoio emocional e psicológico, encontrem um ambiente acolhedor e seguro, tenham acesso a cuidados de saúde e a medidas de apoio social. “O Governo e outras organizações, por exemplo, podem promover a inclusão no mercado de trabalho, dar subsídios financeiros, oferecer cursos técnicos para que estas mulheres possam ter perspetivas concretas de ter uma vida independente e sustentar os seus filhos”, observou.

Embora existam algumas instituições com serviços de apoio e um conjunto amplo de leis que protegem e garantem os direitos das mulheres em situação de vulnerabilidade, não conseguem ajudar todas. De acordo com o psicólogo, a legislação nem sempre é aplicada e não há, ainda, uma rede de cuidados especializados e focados na assistência a mulheres solteiras grávidas.

“O trabalho precisa ser multifocal e multidisciplinar, ou seja, profissionais e instituições de várias áreas devem atuar de forma integrada desde a prevenção destas agressões até à universalização dos programas que promovam a autonomia e a qualidade de vida destas mulheres”, sublinhou o profissional.

Atuação do Governo e das ONG em caso de abandono de mulheres grávidas

O Diretor Nacional da Inclusão e Reinserção Comunitária do Ministério da Solidariedade Social (MSSI), Amândio Amaral Freitas, explica que esta direção coordena ações com Organizações Não-Governamentais (ONG), como a Recuperação Psicossocial e Desenvolvimento em Timor-Leste (PRADET, em inglês), Assistência Legal para as Mulheres e Crianças (ALFELA, em tétum)  e o Fórum de Comunicação das Mulheres de Timor-Lorosa’e (FOKUPERS, em tétum) para atender casos de abandono ou violência contra as mulheres.

“Quando a vítima é ameaçada ou abandonada, a primeira providência é protegê-la, levando-a para um local seguro, e só depois contactamos as pessoas relacionadas com o caso”, esclareceu o diretor.

De acordo com Manuel dos Santos, Diretor da PRADET, as mulheres em situação de abandono sofrem traumas, por isso, “é preciso proceder a uma avaliação cuidadosa de cada caso, de modo a traçar um plano de apoio, tanto material como psicológico”. A organização também oferece ações de formação para capacitar as cidadãs na área do empreendedorismo, incentivando-as a terem independência financeira, quando voltarem à comunidade. Disponibilizam também um apoio monetário no valor de 300 a 500 dólares americanos, caso queiram iniciar um negócio.

Manuel dos Santos explicou que a organização só recebe vítimas em casos de urgência e apenas por um período de três dias. “As que precisam de um lugar seguro para ficarem durante mais tempo são encaminhadas para a FOKUPERS”, disse.

Já a Diretora-Executiva da FOKUPERS, Maria Fátima Pereira, confirma que, muitas vezes, recebem vítimas transferidas da PRADET, “que têm de ter a coragem de ir para a casa segura, caso contrário o FOKUPERS não vai interferir”. A permanência neste local é, no mínimo, uma semana e no máximo dois anos, “dependendo da gravidade da sua situação ao nível psicossocial e de segurança”.

No caso de abandono, Maria Pereira acrescenta que é do foro civil e necessários muitos critérios, incluindo provas, e as vítimas têm de apresentar queixa. “Oferecemos serviços de assistência integrada, como assistência legal, médicos, psicólogos, trabalho social, desenvolvimento de capacidades, direitos fundamentais e como se reconstruírem depois de terem sido desvalorizadas.” No ano passado, a casa segura em Díli acolheu 71 mulheres.

O Diligente solicitou ao Ministério da Solidariedade Social os dados das vítimas da violência doméstica, incluindo por abandono, mas não obteve resposta até ao momento.

Direito só para alguns. O que diz a Provedoria dos Direitos Humanos e Justiça?

A propósito da Política de Planeamento Familiar de Timor-Leste contar com o envolvimento ativo de determinado segmento religioso e de alegadamente discriminar as cidadãs solteiras, o Provedor dos Direitos Humanos e Justiça, Virgílio Guterres, destacou que a Constituição do país assegura a todos o direito à liberdade de proteção, de defender a sua própria pessoa, de honra, de privacidade, incluindo a proteção do seu corpo.

“A lei tem de proteger e garantir a liberdade das mulheres de decidirem sobre o seu corpo. Portanto, não é o seu marido que decide, ou o seu lia nain, ou o seu capelão. Refiro-me a todas as mulheres adultas, casadas ou não”, ressaltou.

O Provedor considera que deve haver um debate público sobre a questão. “É preciso encontrar fontes credíveis, antropólogos, médicos, profissionais para discutirem este problema. Num país democrático, os direitos, os valores, os princípios dos direitos humanos é que prevalecem”, afirmou.

Avançou ainda que vai exercer a sua competência, de acordo com o artigo 150.º da Constituição, e solicitar a fiscalização abstrata ao Tribunal de Recurso para rever a Política do Planeamento Familiar, uma vez que a mesma pode estar a restringir os direitos das cidadãs. O caso de Ana Maria também será revisto pela PDHJ.

Posição do Ministério da Saúde

Questionada sobre o motivo pelo qual as mulheres têm de ter autorização do parceiro/marido para utilizar algum método contracetivo, a chefe do Departamento de Saúde Materno-Infantil, do Ministério da Saúde, Agusta Amaral Lopes, afirmou que “esse tipo de decisão deve ser tomada em conjunto”.

“A Política Nacional de Planeamento Familiar diz respeito ao plano para formar uma família, por isso tudo deve ser discutido com o parceiro, seguindo um planeamento familiar que seja ideal para ambos”, argumentou. A chefe acrescentou que algumas mulheres vão aos centros de saúde sozinhas, dizendo que tomaram decisões em conjunto com o parceiro, mas não é verdade – o que depois gera problemas aos profissionais.

A responsável não deu qualquer resposta quando confrontada com o próprio texto da Política de Planeamento Familiar que menciona o seguinte: “O Planeamento Familiar é um direito por si só e é imprescindível ao empoderamento da mulher”.

“Como é que se empodera a mulher, tal como a política em causa diz ser seu propósito, se é o marido que decide por ela?”, perguntou o Diligente, sem ter obtido qualquer resposta por parte da representante do Ministério da Saúde.

Relativamente à alegada inconstitucionalidade da referida política, ao se orientar pelas opiniões de certo segmento religioso, sendo Timor-Leste um Estado laico, Agusta Lopes afirmou que o plano resulta do acordo dos líderes nacionais.

“Nesta política, incluímos as opiniões de vários líderes nacionais, tais como o Presidente da República e a sua esposa, o Primeiro-Ministro e a sua esposa, o Parlamento, agências da ONU, a Igreja Católica, a sociedade civil, de acordo com a situação do país”, limitou-se a dizer.

Questionada também sobre a atuação da médica no caso da Ana Maria, a chefe de departamento disse: “Se algo assim acontecer, deve ser comunicado para garantir um serviço digno e de qualidade”.

Quais serão as consequências de uma Política de Planeamento Familiar que se rege por princípios católicos, dando prioridade ao método natural e discriminando as mulheres solteiras ao referir apenas casais ou cônjuges? Qual é o impacto de consultas que exigem o consentimento por escrito do “marido” para que a mulher possa utilizar métodos contracetivos? A gravidez precoce e indesejada, bem como os casos de bebés abandonados no lixo mantêm-se em Timor-Leste.

 

 

Ver os comentários para o artigo

  1. Vergonhoso, sociedade retrograda, deshumana, pior que a escravatura.
    Ora digam-me la o que acontece quando a mulher quer mandar um peido?

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