José Jerónimo: “Os professores não podem ensinar noutras línguas que não as oficiais”

“Em 2024 todas as universidades já terão base de dados”, afirmou o ministro/Foto: Diligente

Em entrevista ao Diligente, o ministro do Ensino Superior, Ciência e Cultura (MESCC) falou das metas para este ano, informou que o Governo pretende criar mais três institutos públicos em Lospalos, Covalima e Manatuto e explicou o porquê de a atual gestão ter cancelado a construção da cidade universitária de Aileu.

O Ministro do Ensino Superior, Ciência e Cultura (MESCC), José Honório da Costa Pereira Jerónimo, quer investir mais nos estabelecimentos universitários. Pretende também estabelecer mais institutos públicos na área do turismo, engenharia e pescas.

Mestre em ciências pela Universidade Kristen Krida Wacana da Indonésia, o líder lecionou no departamento de Economia e Gestão na Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL).

Relativamente às queixas sobre corrupção e assédio sexual em estabelecimentos de ensino superior, o ministro, que foi pró-reitor de Administração, Planeamento e Finanças bem como de Assuntos de Inspeção, Auditoria e Controlo de Qualidade na UNTL, disse que é preciso apresentar queixa e provas para que o ministério possa avançar com um processo.

Em Timor-Leste, quantas universidades existem atualmente? Quantas pessoas se graduam todos os anos?

No total, temos 19 universidades, das quais duas são públicas, a UNTL e um instituto público, e 17 são privadas. Todos os anos, graduam-se entre mil a três mil estudantes. Devido ao número excessivo de graduados, estamos a alterar a Lei de Base do Ensino Superior, com o intuito de tornar o ensino mais rigoroso. Uma das medidas será, por exemplo, incentivar o uso das línguas oficiais no ensino superior para melhorar o tétum e promover o português, porque algumas universidades privadas ainda usam a língua indonésia, que é uma língua de trabalho no nosso país.

Segundo a Organização Não Governamental La’o Hamutuk, a taxa de desemprego em Timor-Leste é de 27% e atinge principalmente a população mais jovem. A falta de oportunidades de trabalho também é a principal queixa dos recém-graduados. Como o MESCC pretende enfrentar este problema?

Os graduados devem ter qualidade, pois a competição no mercado de trabalho intensificou-se. Talvez a dificuldade dos graduados da UNTL em conseguir trabalho se deva à qualidade da sua formação. Não estou a dizer que a UNTL não produz mão de obra qualificada, mas parece-me que a qualidade ainda não é suficiente.

O MESCC está aqui para regular o ensino superior e garantir que produz profissionais qualificados, para isso queremos investir na qualidade do ensino.

Relativamente ao desemprego, é da competência do Secretário de Estado da Formação Profissional (SEFOPE). Para diminuir a taxa de desemprego, está a arranjar trabalho para os timorenses no estrangeiro.

No entanto, o MESCC está também a trabalhar com o SEFOPE e com o Instituto Nacional de Desenvolvimento de Mão-de-Obra (INDIMO) para dar formação aos timorenses que vão trabalhar no estrangeiro, de modo a serem mão de obra qualificada. Começamos com os estudantes do Ensino Secundário Técnico Vocacional, no sentido de os graduar com um diploma que ateste as suas competências de trabalho.

Sabe-se que as instituições privadas recebem uma subvenção pública. Qual é o valor previsto para este ano? Pode dar um exemplo de atividades desenvolvidas com este dinheiro?

O apoio a institutos privados é de cerca de 5 milhões de dólares. Para ter esta ajuda, no entanto, as universidades devem fazer uma proposta orçamental, explicando para quê e como o dinheiro vai ser utilizado. O atual Governo criou uma comissão, Comissão Coordenadora das Universidades e Institutos Superiores, composta por docentes, pesquisadores, ex-reitores, reitores, ex-membros do Governo e universidades e institutos privados e públicos, que vai avaliar as propostas, tendo como foco o investimento em estudantes, professores e infraestruturas. Se passarem na avaliação, e com a aprovação do primeiro-ministro, as instituições privadas poderão usufruir do apoio.

Uma outra queixa recorrente é de que ainda não há um sistema eletrónico em que o estudante possa aceder às notas e ao percurso académico dentro de determinada instituição, o que torna tudo mais burocrático e pouco transparente. O MESCC planeia oferecer uma plataforma eletrónica para facilitar o acesso dos estudantes a serviços da universidade?

Temos problemas com a base de dados. Neste momento, o Ministério está a resolver isso, comprometendo-se que ainda este ano todas as universidades já terão base de dados. Já conseguimos concluir o sistema para cerca de seis universidades, entre elas a UNTL e o Instituto São João de Brito. Já testámos com a Faculdade da Engenharia da UNTL e o acesso aos dados foi bem-sucedido.

Recentemente, o ministro reuniu-se com representantes do Fundo de Desenvolvimento do Capital Humano onde se falou sobre a atribuição de bolsas de estudo. O que o MESCC pensa fazer para melhorar a implementação deste Programa?

Para além de 24 bolsas de estudo para estudar no estrangeiro, cujas candidaturas estão a decorrer, vamos oferecer cerca de 30 bolsas para mestrado nas áreas da engenharia e do turismo na Malásia ainda neste ano. Estes bolseiros já têm trabalho garantido no Instituto de Turismo que vai ser estabelecido em Lospalos.

Muitos bolseiros reclamam que, ao voltarem para Timor-Leste, não conseguem arranjar um emprego na área em que se especializaram. Como o MESCC avalia esta situação?

A maioria de bolseiros consegue trabalho. Os que não conseguem talvez não tenham aproveitado bem a oportunidade, porque estudar no estrangeiro pode aumentar o domínio linguístico destes estudantes, requisito muito procurado pelas instituições timorenses.

O MESCC tem planos para aumentar o número de universidades públicas?

Há duas instituições públicas: a UNTL e o Instituto Politécnico de Betano. Ainda não pensamos em abrir mais instituições públicas, porque queremos apostar primeiro na qualidade das que já existem. Pretendemos criar, no entanto, um Instituto de Turismo em Lospalos, um de engenharia em Covalima e outro de pescas em Manatuto. Estes institutos têm como objetivo preparar jovens para que, quando terminarem os estudos, possam ter trabalho. Estes estabelecimentos não vão conferir licenciaturas, mas sim um diploma 2, que equivale ao ensino secundário e permite aceder diretamente ao mercado de trabalho. Se quiserem tirar uma licenciatura, podem frequentar universidades.

O Governo anterior tinha o plano de construir uma cidade universitária em Aileu. Porém, a atual gestão desistiu do projeto. Porquê?

A cidade universitária em Aileu ia gastar cerca de 500 milhões dólares. Para o atual Governo, esse valor é exagerado. Por exemplo, vamos estabelecer três institutos com cerca de 90 milhões. Além disso, temos dúvidas se alguém iria estudar em Aileu. Relativamente ao montante que o Governo gastou para indemnizar os moradores lá, não é prejuízo, porque o terreno já é propriedade do Estado. Ainda não temos uma decisão definitiva, mas estamos a pensar em criar um laboratório nacional para que as universidades possam realizar as suas pesquisas lá.

Quantas universidades em Timor-Leste são acreditadas pela Agência Nacional para a Avaliação e Acreditação Académica (ANAAA)? Pode explicar como é o processo de acreditação e qual a sua importância?

Quase todas são acreditadas. Só temos ainda uma universidade que ainda não é, o Instituto Universitário Naroman Esperança, mas já tem uma licença para prosseguir com o processo de ensino-aprendizagem. Estão a construir mais edifícios e a preparar os professores para ensinarem em língua portuguesa.

A ANAAA tem dez critérios, entre eles a existência de professores, alunos e edifícios, a qualificação dos docentes, o currículo adequado e cursos que correspondam às necessidades do mercado.

Até agora ainda há docentes com licenciatura que ensinam os universitários. Com a base de dados, vamos conseguir identificar estas situações e apelar aos professores para que tirem o mestrado, de modo a cumprirem as regras. Caso contrário, estarão a pôr em risco a acreditação da universidade em causa.

Muitos professores do ensino superior ainda ministram aulas em língua indonésia e há rumores de que alguns cobram dinheiro aos estudantes para os aprovar em certas disciplinas. Tem conhecimento destas situações?

Isso não pode acontecer. Os professores não podem ensinar noutras línguas que não as oficiais, muito menos na língua indonésia. E pedir dinheiro a estudantes é proibido, principalmente na UNTL, universidade financiada pelo Estado. Quanto aos institutos privados, mesmo com autonomia financeira, acho que não o deveriam fazer. Os estudantes pagam de acordo com os documentos, não pagam a cada professor.

Eu ouvi falar nisso e também sobre queixas de assédio sexual às estudantes e marcação de encontros fora do horário de trabalho, mas ninguém apresenta queixa. Ninguém veio trazer provas para podermos abrir um processo em Tribunal. Temos um inspetor-geral do Ministério que pode levar o processo até ao inspetor-geral do Estado e, se tiver material suficiente, o caso pode ser levado a Tribunal.

Muitos estudantes comparam o estágio social a uma exploração moderna, pelo facto de as atividades serem totalmente diferentes da área de formação. O MESCC pensa em rever esta dinâmica?

Deve está a falar do estágio social em que os universitários vão viver na comunidade para aprender o que se passa na sociedade e como podem ajudar. Pelo que sei, os estudantes da UNTL têm o direito de escolher entre estágio profissional e social. E o estágio social não pode ser obrigatório, mas opcional. Acho que, alguns departamentos, como contabilidade, por exemplo, não deveriam fazer estágio social. Devem realizar estágio profissional em bancos. Quem faz este estágio, precisa de preparar dinheiro, mas são eles que vão administrar os recursos, não pode ser um professor a fazê-lo. Vamos regular esta questão, falando com os reitores para que orientem corretamente os seus subordinados.

De acordo com o Orçamento Geral do Estado de 2024, o montante destinado para o MESCC é de aproximadamente 9,1 milhões de dólares. Quais as principais metas do MESCC para este ano?

Temos 23 programas para implementar entre 2023 e 2028. Este ano, uma prioridade do MESCC é apoiar as 17 instituições privadas. Pretendemos ainda, através do Fundo de Desenvolvimento do Capital Humano (FDCH), oferecer 24 bolsas de estudo para estrangeiro de modo a reforçar a qualidade do ensino no futuro.

Continuamos a melhorar a ANAAA em acreditação dos cursos no Ensino Superior e a agência já avaliou 30 cursos, incluindo os do Instituto Boaventura de Timor-Leste (IBTL). O MESCC também avalia cursos, com o apoio de avaliadores nacionais e internacionais.

Reforçámos a pesquisa científica do Instituto Nacional da Ciência e Tecnologia, através de ações de formação para os professores. Colaboramos com parceiros internacionais e nacionais, principalmente com as nações da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) para promover a língua. Para tal, trouxemos especialistas para darem formação aos nossos docentes. De momento, temos quatro formadores portugueses e dois timorenses que dão formação de língua portuguesa aos docentes. No âmbito das bolsas de estudo, cooperamos também com a China, Vietname, Indonésia, Austrália e Brunei Darussalam.

O Ministério está a preparar a Lei de Bases do Ensino Superior para regular os cursos, porque há um instituto que só tem um diploma de grau 2, que é menor do que o bacharelato, o que dificulta o acesso ao trabalho no estrangeiro. Com esta lei, vamos mudar esta situação, de modo a que haja bacharelato e licenciatura, através da alteração do currículo e da duração do curso.

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  1. Boa noite.

    Espero que se encontre bem.
    Apenas quero congratular o trabalho desenvolvido pelo Diligente. Informação clara, bem escrita, atual e transparente. Notícias com áudio, oportunidade para sugerir, criticar ou corrigir, incrível este vosso trabalho.
    Gosto imenso das vossas notícias e partilho muitos vezes com os meus alunos. Parabéns.

    Sou portuguesa e vivo em Timor-Leste há mais de 11 anos.

    Cumprimentos.

  2. Desculpem a ignorancia do macaco, para que tantas universidades?
    Timor e tao pequeno que bastam 5 mas das boas com standard internacional!

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