Como combater a pobreza em Timor-Leste?

Segundo o Índice da Pobreza Multidimensional (MPI, em inglês), divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU), aproximadamente 42% dos 1,3 milhões de habitantes de Timor-Leste estão em situação de vulnerabilidade social/Foto: Diligente

O Diligente conversou com membros da sociedade civil, cidadãos comuns e estudantes para explorar as suas ideias de como enfrentar o problema.

Timor-Leste é o resultado de uma longa revolução (24 anos de resistência), tendo alcançado, a 20 de maio de 2002, a sua soberania. Passados quase 22 anos da restauração da democracia, nove governos sucederam-se no comando da nação, promovendo avanços, como a erradicação da malária, a ampliação da cobertura da rede elétrica, a participação do público na escolha dos governantes através de eleições livres, o acesso a dispositivos digitais e uma melhoria nas infraestruturas, sobretudo na capital, Díli.

Contudo, há um problema que continua a persistir: a pobreza. Cerca de 546 mil timorenses encontram-se nesta condição. Segundo o Índice da Pobreza Multidimensional (MPI, em inglês), divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2022 (o mais atual), aproximadamente 42% dos 1,3 milhões de habitantes de Timor-Leste estão em situação de vulnerabilidade social. O documento indica ainda que 22% da população sobrevive em condições de pobreza extrema, ou seja, com menos de 1,90 dólares por dia.

O MPI foi lançado originalmente em 2010 e tem em consideração indicadores económicos, educacionais, habitacionais, nutricionais, sociais e de saúde para elaborar o relatório.

De acordo com dados (2021) da Organização Não Governamental (ONG) La’o Hamutuk, o desemprego em Timor-Leste atinge 27% da população em idade laboral e o salário mínimo no país é de 115 dólares – valor fixado em 2012 pela Comissão Nacional do Trabalho (CNT) para o setor privado, à semelhança do salário mínimo aplicado à Função Pública, e que não sofreu qualquer atualização até hoje.

Outro dado que inspira preocupação relaciona-se com o Índice Global da Fome (GHI, em inglês) de 2022 (o mais atual), que colocou Timor-Leste no 110.º lugar entre 121 nações, com uma pontuação de 30,6, que classifica o país num nível “grave”.

Por sua vez, o mais recente ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), análise que mede a qualidade de vida da população, evidenciou que, entre 2015 e 2022, Timor-Leste caiu 18 posições, passando a figurar na 155ª posição entre 193 países avaliados.

Perante tudo isso, o Diligente foi à rua e conversou com membros da sociedade civil, cidadãos comuns e estudantes para explorar as suas ideias de como enfrentar o problema da pobreza.

“A causa fundamental da pobreza é a falta do campo de trabalho e esta falha acontece porque o governo não tem a seriedade de investir na agricultura para empoderar os agricultores locais a produzir e, assim, diminuir a dependência da importação”

Amandina Maria Helena da Silva, membro da ONG Ásia, Justiça e Direitos (AJAR, em inglês) /Foto: DR

“A causa fundamental da pobreza é a falta de campo de trabalho e esta falha acontece porque o governo não tem seriedade de investir na agricultura para incentivar os agricultores locais a produzir e, assim, diminuir a dependência da importação. Os produtos importados são apenas para aqueles que têm capital. A maioria da população, que ganha um rendimento mínimo (por volta de 115 dólares), não tem condições para adquirir essas mercadorias.

Nesse sentido, o investimento nos agricultores serviria também para que esses trabalhadores se sentissem valorizados. O Governo chegou a implementar uma política intitulada “Povo kuda, Governo sosa” (Povo cultiva, Governo compra), mas a iniciativa já não está em vigor.

Por outro lado, o setor da educação é crucial e deveria receber um investimento substancialmente maior para garantir que as escolas públicas ofereçam a mesma qualidade das escolas privadas. Assim, os cidadãos teriam uma formação melhor e estariam mais preparados para competir em pé de igualdade pelas oportunidades de trabalho.

A implementação de políticas públicas é como uma herança que os governantes deixam para a nova geração, por isso as autoridades devem colocar em prática ações que sirvam de bom exemplo aos jovens, para que possam continuar a construir um bom futuro para Timor-Leste”.

“O governo deve apoiar a fundação de cooperativas em várias áreas, como a agricultura, indústria criativa e pescas. Deve também facilitar o acesso a crédito com juros baixos”

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Miguel Monsil, ativista e membro da Aliança Maubere Nacional (AMN)/Foto: DR

“Primeiro, o Estado precisa de ter dados concretos sobre a pobreza no país. É necessário que o Estado introduza um paradigma económico que envolva o povo para o colocar numa posição clara: os trabalhadores são escravos salariais ou o Estado oferece formação em gestão financeira e outras que desenvolvam os seus conhecimentos?

Depois da formação, o Governo deve apoiar a fundação de cooperativas em várias áreas, como a agricultura, indústria criativa e pescas. Deve também facilitar o acesso a crédito com juros baixos. Estes procedimentos seriam indicadores da seriedade do governo para garantir a independência das cooperativas e, consequentemente, diminuir o desemprego e a pobreza.

Muitas vezes, os produtos locais não são vendidos, porque são mais caros do que os importados. Neste caso, o governo precisa de apoiar os produtores do país, de modo a garantir um preço mais baixo, como por exemplo, no caso do arroz. Se o governo subsidiasse os agricultores nacionais para baixar o preço do arroz local, os consumidores prefeririam comprá-lo, em vez do importado”.

“Como a maioria dos cidadãos prefere ser funcionário público, o papel do governo é incentivar os que querem começar negócios e incentivar aqueles que já têm um negócio, através de impostos reduzidos, para os motivar a serem independentes”

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Jacinta Abu Cau Pereira, vice-presidente da Associação Empresarial das Mulheres de Timor-Leste (AEMTL) para os Assuntos de Empoderamento e Fortalecimento Institucional/Foto: DR

“O governo deveria utilizar os terrenos abandonados para o bem comum, através de uma política de fortalecimento. Esses espaços vazios poderiam servir para produzir arroz, milho e mandioca, reduzindo, assim, a pobreza, através do esforço dos cidadãos. Infelizmente, o governo não implementou esta medida e ainda há muitos terrenos abandonados.

Por outro lado, há muitos timorenses que estudaram no estrangeiro, mas não são aproveitados como deveriam. Muitos ficam desempregados ou trabalham em áreas que não são as suas.

As autoridades locais têm de controlar aqueles que recebem subsídios, de forma a que utilizem esse apoio para as suas necessidades e não em atividades culturais. Para isso, o governo deve oferecer formação intensiva em literacia financeira.

Como a maioria dos cidadãos prefere ser funcionário público, o papel do governo é incentivar os que querem começar negócios e os que já têm um negócio, através de impostos reduzidos, para os motivar a serem independentes. Para além disso, o Executivo deve tomar medidas que combatam o excesso de burocracia no acesso a crédito.

É muito importante que o governo no poder dê continuidade a políticas de combate à pobreza mesmo que sejam da gestão anterior”.

“Também temos muitos locais turísticos que estão abandonados, se desenvolvessem estes sítios automaticamente trariam benefícios para os vendedores nestas áreas, porque poderiam lucrar com os turistas, mas o Ministério do Turismo não pensa nisso”

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Amancio Domingos Ximenes, vendedor de lotaria/Foto: DR

“Vendo lotaria para sustentar a minha família. Os cidadãos com o salário mínimo, como é o caso de alguns professores, também vendem lotaria, porque o vencimento não é suficiente para as despesas mensais. Isto acontece porque a política do salário mínimo não é fundamentada numa pesquisa sobre as necessidades familiares.

Criar campo de trabalho é função do governo, mas a taxa de desemprego continua a aumentar. O Ministério da Agricultura e o Ministério do Turismo não funcionam bem e não têm seriedade de investir em locais abandonados e estratégicos para criar campo de trabalho. A deslocação dos jovens para o estrangeiro, onde trabalham em hortas, demonstra que têm vontade de trabalhar como agricultores, mas o governo precisa de investir nestes setores, através de oferta formativa. Caso contrário, os jovens vão continuar a fugir para outras nações.

Também temos muitos locais turísticos que estão abandonados, se desenvolvessem estes sítios automaticamente haveria benefícios para os vendedores nestas áreas, porque poderiam lucrar com os turistas, mas o Ministério do Turismo não pensa nisso. O governo só se preocupa em terminar os contratos do governo anterior e contratar os que são do seu partido, contribuindo para o aumento dos desempregados”.

“Antes de combater a pobreza, é muito importante combater a corrupção e promover a transparência na governação para garantir a eficácia da utilização dos nossos recursos para beneficiar o povo”

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Andrade Pinto, estudante da Faculdade de Direito da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL) /Foto: DR

“Para combater a pobreza em Timor-Leste, o mais importante é o governo cooperar com os outros partidos e valorizar o princípio de continuidade numa governação, ou seja, o partido que está no poder pode mudar, mas não deve acabar com políticas que sejam benéficas para o povo só porque foi o governo anterior que as implementou.

Com o intuito de garantir o bem comum e competências para criar emprego é preciso investir na educação. Além disso, o governo deve incentivar o desenvolvimento dos setores privados e as cooperativas locais, criando, assim, campo de trabalho, impedindo que tantos jovens emigrem.  O governo precisa de apoiar e desenvolver as pequenas empresas e as iniciativas empreendedoras das comunidades para reforçar a economia local.

Antes de combater a pobreza, é muito importante combater a corrupção e promover a transparência na governação para garantir a eficácia da utilização dos nossos recursos para beneficiar o povo”.

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  1. Chega-se a conclusao de que os sucessivos governos tem as prioridades erradas e os politicos fazem ouvidos de mercador ao que diz o Povo.
    Nao quero insistir na mesma tecla mas os 12 milhoes que se vao gastar com a vinda do pontifice, eram ouro sobre azul na vida deste pobre Povo. A nao ser que o governo sabe com certeza absoluta que o santo padre faz milagre de multiplicacao. Bem no caso de TL, tem de ser milagre de quintoplicacao.

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