Anito Matos: o rei dos palcos de Timor-Leste

Anito Matos, o artista lendário de Timor-Leste/Foto: Facebook

Cantor, apresentador, humorista e mestre de cerimónia, Anito Matos conta as experiências que fizeram dele tal como o conhecemos hoje.

António dos Santos de Matos, 61 anos, mais conhecido por Anito Matos e Memi, espalha o sorriso no palco há 44 anos, através do humor e descontração que lhe são característicos.

Sua voz, estilo e canções românticas e nacionalistas tocam o coração de todos os timorenses, desde os mais jovens até aos mais idosos. Em 1999, a música “horas to´o ona atu hili” (chegou a hora de escolhermos, em português), composta por Anito e pela banda Lahane group, tornou-se numa ferramenta de protesto importante contra a ocupação indonésia – incentivando milhares de cidadãos a irem votar pela independência, na consulta popular realizada a 30 de agosto daquele ano. Desde então, quando a data se aproxima, a canção é sempre lembrada, sendo quase um hino para boa parte da população.

Atua na área de música desde 1979. Atualmente, acumula no seu currículo 28 álbuns. Foi um dos primeiros artistas a alcançar reconhecimento internacional. As músicas “Doben tan sa o hirus” (em português, amor, por que estás chateada), lançada em 1985, e “Lena”, em 1992, são outras criações de Anito também muito famosas, cantadas ainda hoje por uma enorme quantidade de jovens.

Para conhecer melhor o lendário artista, o Diligente esteve com Anito. O encontro foi ao ar livre, num restaurante no coração de Díli, onde muitas pessoas põem a conversa em dia. Chegou com o sorriso habitual, num visual descontraído (camisa com dois botões abertos), reflexo da sua “alma jovem”. Magro, baixo, cabelo meio ondulado, rosto ligeiramente pequeno, trouxe consigo as suas vivências, umas tristes, outras felizes, mas todas merecedoras de serem contadas ao mundo.

Tem por missão encher o palco de animação, o que faz com que o seu maior medo seja “não conseguir fazer as pessoas rirem e usar palavras que as possam magoar”, confessou.

O seu hobby é jogar basquetebol. O seu prato preferido é feijoada. “Podem tirar-me tudo, mas não me tirem a feijoada. Fico mal-humorado”, contou às gargalhadas.

O início na música

Anito Matos começou a dar os primeiros passos na carreira musical incentivado pelo avô. “Há 50 anos, pelas 4 horas da madrugada, as ruas de Díli estavam completamente desertas. Na altura, havia pouca população. Era naquele silêncio que ouvia o meu avô a cantar. Acordava e ouvia-o apaixonadamente”, recorda. A partir daí, a música instalou-se na sua vida. Esta memória de infância foi fundamental no seu processo de crescimento.

Por morar perto da Igreja, em Mascarenhas, um bairro de Díli, o pequeno Anito Matos não escapou às atividades católicas, foi acólito e fez parte do grupo coral. “Em casa, cantava até às 10h da noite e todos ficavam aborrecidos. As únicas pessoas que nunca se cansavam de me ouvir eram a minha mãe e o meu avô”, conta entre risadas.

Quando os irmãos diziam para parar de cantar, porque perturbava os vizinhos, a mãe defendia-o sempre, dizendo: “deixa-o cantar, ele vai ser um grande cantor no futuro”, frase que o incentivou a não desistir do seu sonho de ser músico.

No entanto, o bullying começou antes da sua carreira musical, o comentário que mais ouvia era “a tua voz é horrível, não serves para nada”, o que mais tarde funcionou como combustível para se manter firme na sua missão, abraçando a herança deixada pelo avô.

Contudo, a situação não lhe roubou o sonho de ser músico. Apesar das dificuldades, Anito Matos manteve-se firme e aprimorou o seu talento. Em 1979, participou no concurso da Bintang Rádio dan Televisi, juntamente com outros artistas nacionais e ficou em primeiro lugar. Em 1981, representou a província de Timor-Timur (na altura em que Timor-Leste ainda era uma província da Indonésia), num concurso musical em Jakarta e conseguiu o terceiro lugar.

Em 1984, juntou-se à banda Arco Íris (Arco Iris Band) composta por Tony Pereira, Dinus Quito e José Cameirão. Por causa da ocupação indonésia, o grupo acabou por se dissolver em 1986. “Alguns foram para Portugal e outros para a Austrália, mas a música manteve-se. A música é o que me permite respirar, enquanto estiver vivo”, ressaltou.

Ao longo da carreira, o artista desenvolveu outras habilidades. É apresentador, humorista, mestre de cerimónia em todos o tipo de eventos, como casamentos, batizados e cerimónias oficiais, entre outros. “Comecei a carreira de apresentador em 1995 por necessidade, mas mais tarde acabou por se tornar no meu estilo de vida”, explicou.

Anito Matos acredita que ser apresentador é uma oportunidade de comunicar de diferentes maneiras: liga-se às pessoas de forma simples, ultrapassa barreiras geográficas, línguas e culturas. Em 2016, foi convidado pelo programa Dangdut Akademy, do canal televisivo Ásia 2, para ser comentador do maior concurso de talentos musicais na Indonésia, envolvendo países como Tailândia, Timor-Leste, Brunei e Singapura.

Períodos difíceis

Vindo de uma família que dedicava a vida à Igreja, Anito Matos viveu dois períodos marcantes da história timorense: a colonização portuguesa e a ocupação indonésia. A 7 de setembro de 1975, o então menino, com 13 anos, foi testemunha da invasão dos militares indonésios ao seu país, sendo obrigado a crescer num contexto onde reinava o terror e as ameaças, cenário que durou 24 anos.

Assistiu a violações dos direitos humanos por parte das milícias, que, com carros com as luzes desligadas, capturaram pessoas, todas as noites, para torturar, matar e violar as mulheres. “Eu assisti a todo o tipo de violência até 1986, quando fui estudar para Bali, juntamente com 500 pessoas”.

Orgulha-se dos dias que pensou que não conseguiria ultrapassar. Foi preso em 1991, durante a ocupação indonésia, na sequência do massacre de estudantes desarmados, ocorrido a 12 de novembro. Na época, estudava numa universidade privada em Denpasar, Bali, e pertencia à RENETIL, uma organização clandestina de estudantes nacionalistas, liderada por falecido Fernando La Sama. A maioria dos seus membros na Indonésia, incluindo Anito Matos, foram capturados na operação policial que se seguiu. Foram sujeitos a uma pressão psicológica extrema durante os interrogatórios, incluindo privação de comida e de sono.

Anito e outros foram libertados depois de dois meses, porque La Sama assumiu a responsabilidade legal pelas ações dos seus colegas. Saiu da prisão com esperança de que iria reencontrar a pessoa que mais ama, mas a vida trocou-lhe as voltas: o seu grande amor tinha ido para a Austrália. Nasceu, então, a música “Lena”, expressão do seu carinho e saudade. A letra da música diz: “Lena, muitas vezes, eu falo, mas você não acredita em mim, por isso nós estamos separados. Oh Lena, um dia a saudade irá embora. O nosso amor acabou (…)”.

Quando o desejo de querer ser independente da Indonésia se tornava insuportável, Anito Matos só viu uma saída, juntou-se à banda Lahane Group, cantando a música “oras to´o ona atui ta hili”, pondo em risco a própria vida. “Fizemos a gravação, clandestinamente e à pressa  para não sermos apanhados pelas milícias. Depois de lançar a música, o meu nome ficou na lista negra”, confessou.

No entanto, triunfou e tornou-se num dos artistas mais famosos de Timor-Leste. Para Anito Matos, o sucesso é algo inegociável. As atuações já foram muitas mais do que alguma vez imaginou, quando ainda era criança, naquelas madrugadas em que sonhava com uma carreira de músico enquanto ouvia o avô a cantar. “Ninguém começa já sendo excelente”, atesta.

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