Empoderar para mudar: workshop promove igualdade de género e inclusão em Timor-Leste

"A lei assegura que cada pessoa tem autonomia sobre o seu corpo, mas falta implementação e educação para mudar esta mentalidade enraizada, que vê a mulher como propriedade do homem"/Foto: Diligente

Num evento realizado pela YSEALI Women Network, ativistas, académicos e líderes discutiram desafios como o patriarcado, a discriminação e a falta de direitos reprodutivos. O objetivo: promover o empoderamento de mulheres e da comunidade LGBTQIA+.

A luta pela igualdade de género e pelos direitos reprodutivos em Timor-Leste enfrenta desafios profundos, como a impunidade em casos de abuso de poder e de assédio, normas culturais patriarcais e influências religiosas que limitam as escolhas e liberdades das mulheres. Durante o workshop “Understanding Gender Equality and Social Inclusion: and Feminism”, organizado pela YSEALI Women Network, foram discutidas soluções para superar essas barreiras.

O evento, realizado ontem, dia 18 de janeiro, na Xanana Reading Room, destacou questões como a influência da religião na formulação de políticas públicas, a ausência de educação sexual e a discriminação persistente.

O workshop faz parte de um plano de ação dos alumni da Academia de Liderança Feminina YSEALI, apoiados pela YSEALI Regional e pela organização WEDU – Investing in Women Leading the Change.

Armandina Helena Maria da Silva, organizadora do evento, sublinhou a relevância de sensibilizar e capacitar as pessoas para compreenderem os conceitos de igualdade de género e inclusão social:   “O objetivo deste workshop é ajudar as pessoas a entenderem claramente os conceitos de igualdade de género, de uma sociedade inclusiva e dos fundamentos do feminismo, adaptados ao contexto timorense”, afirmou.

Durante o workshop, a ativista Emília Oliveira criticou um caso recente envolvendo o pró-reitor da UNPAZ, que publicou uma fotografia de recém-graduadas, criticando o vestuário das mulheres e alegando que “provocava os homens”.

“Como mulher, considero inaceitável que o pró-reitor promova publicamente ações que incentivam práticas criminosas. Um académico deveria dar o exemplo, não prejudicar as mulheres ou objetificá-las. Isto é particularmente grave num contexto em que a graduação deveria ser um momento para celebrar as conquistas das mulheres”, afirmou.

A ativista sublinhou ainda a necessidade de o ensino superior implementar políticas que garantam espaços seguros e combatam a violência contra as mulheres:  “A implementação destas políticas é essencial e deve envolver a sociedade civil, o governo e toda a comunidade. Estes esforços são a base legal para combatermos estas práticas discriminatórias.”

Alertou ainda para os perigos de normalizar comportamentos inadequados, mesmo quando praticados por figuras idolatradas como Xanana Gusmão. “A idolatria faz-nos sentir que não podemos criticar figuras públicas, mas precisamos de condenar atitudes erradas, independentemente de quem as pratique. Ignorar estes comportamentos perpetua a discriminação e dá mau exemplo.”

Oliveira reforçou que a normalização de abusos prejudica especialmente as mulheres, que muitas vezes têm medo de denunciar. “As mulheres têm medo de se queixar porque sabem que a sociedade não toma atitudes. Podemos admirar a política de alguém, mas devemos condenar os seus erros. É assim que prevenimos a perpetuação da violência e da discriminação.”

Patriarcado, direitos reprodutivos e educação sexual

A deputada Nurima Alkatiri, oradora no evento, destacou como o sistema patriarcal em Timor-Leste privilegia os homens em detrimento das mulheres, pessoas com deficiência e membros da comunidade LGBTQIA+.

“Em Timor-Leste, coexistem sociedades matrilineares e patrilineares, mas ambas são dominadas pelo patriarcado. Mesmo em regiões onde se implementa a matrilinearidade, como em cerimónias familiares, são os homens que tomam as decisões. Isto demonstra que o sistema patriarcal prevalece em todos os aspetos da sociedade”, explicou.

Nurima apontou que este sistema cria barreiras significativas, como o acesso limitado à educação e saúde.  “Muitas mulheres abandonam a escola para ajudar as famílias ou devido a assédio e violência, enquanto membros da comunidade LGBTQIA+ vivem com medo de discriminação”, acrescentou.

Em entrevista ao Diligente, Nurima também abordou os desafios relacionados com os direitos reprodutivos das mulheres, relatando casos em que as mulheres necessitam de autorização dos seus parceiros para usar contracetivos ou realizar cirurgias essenciais. “A lei assegura que cada pessoa tem autonomia sobre o seu corpo, mas falta implementação e educação para mudar esta mentalidade enraizada, que vê a mulher como propriedade do homem.”

Nurima enfatizou a necessidade de educar a população e implementar políticas de planeamento familiar que respeitem os direitos das mulheres.  “O nosso sistema de saúde está completamente colapsado, o que dificulta até o acesso aos serviços básicos. É urgente implementar uma política justa que garanta às mulheres o direito de tomar decisões sobre os seus próprios corpos.”

A deputada também destacou a importância da educação sexual para combater tabus e desafios como a gravidez precoce. “A educação sexual é essencial para que os jovens compreendam o impacto da sexualidade nas suas vidas. Sem esta compreensão, as consequências podem ser graves, afetando a saúde da mãe e do bebé. Fornecer informações corretas ajuda a promover uma sociedade mais informada e responsável.”

Flaviana de Orleans, estudante da UNTL, destacou a relevância do workshop. “Através deste evento aprendi muitas coisas. O mais importante foi perceber como partilhar estas informações com outras pessoas, para continuarmos a luta contra a discriminação.”

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