Declarações misóginas de Pró-Reitor da UNPAZ geram indignação e pedidos de ação

“Este pró-reitor tem um pensamento sexista e, além disso, promove essa mentalidade publicamente para discriminar e inferiorizar as mulheres”/Foto:DR

Antoninho Benjamim Monteiro, pró-reitor da Universidade da Paz (UNPAZ), está a ser acusado de discriminação e assédio sexual após publicar declarações polémicas sobre o vestuário das estudantes. Movimentos feministas e defensores dos direitos humanos exigem responsabilidade e condenam o uso de fundamentos religiosos para justificar limitações às mulheres.

O debate sobre o vestuário feminino em cerimónias académicas em Timor-Leste tomou proporções nacionais após uma publicação polémica de Antoninho Benjamim Monteiro, pós-reitor para os Assuntos de Pesquisa e Publicação da Universidade da Paz (UNPAZ).

Na sua página pessoal no Facebook, Antoninho Monteiro criticou o uso de roupas curtas por parte das estudantes durante eventos como o judicium e graduações, classificando-o como uma falta de respeito à solenidade destas ocasiões.

Entre as declarações mais polémicas, Monteiro afirmou: “Judisium e graduação são eventos académicos – não desfiles de moda” e “Milhares de jovens terão de arder no fogo do Inferno para sempre por seguirem as modas do mundo criadas pelo Diabo”. Para justificar as suas críticas, recorreu a passagens bíblicas, incluindo uma de Mateus (5:28), onde se lê: “qualquer um que olhar para uma mulher com desejo já cometeu adultério com ela no seu coração”.

Contudo, numa tentativa de ilustrar a sua posição, Monteiro acabou por se contradizer ao admitir que, para evitar acusações de assédio, teve de usar óculos escuros para olhar para as estudantes sem ser visto. Segundo as suas palavras: “O teu estilo faz a minha mente viajar por todo o lado. Para evitar pecar, tive de colocar óculos escuros. Assim, mesmo que olhe demasiado, ninguém percebe.” Esta declaração gerou indignação e foi amplamente interpretada como uma admissão implícita de comportamento inapropriado, levantando questões sobre o respeito às estudantes e sobre o papel de um académico em situações como esta.

Monteiro também incentivou os pais a disciplinar fisicamente as suas filhas, caso não se vistam de forma “adequada”, e apelou às instituições de ensino superior para estabelecerem códigos de vestuário rígidos. Alegou que as universidades devem dar prioridade não só ao desenvolvimento intelectual dos estudantes, mas também à sua “formação moral”.

O pós-reitor não se limitou às palavras: gravou um vídeo de estudantes presentes numa cerimónia de judicium, sem o consentimento destas, e publicou-o nas redes sociais acompanhado de comentários inadequados. Entre eles, afirmou: “Your style makes my mind traveling everywhere” (O teu estilo faz a minha mente viajar para todo lado).

As declarações geraram críticas ferozes de movimentos feministas e de defensores dos direitos das mulheres, que acusam o pós-reitor de perpetuar uma cultura de culpabilização das mulheres e de justificar o assédio sexual com base no vestuário feminino. Para os críticos, o facto de Monteiro admitir que observou as estudantes utilizando óculos escuros para evitar ser apanhado demonstra uma contradição flagrante nos seus argumentos, ao mesmo tempo que expõe comportamentos inaceitáveis no contexto académico e em qualquer contexto.

Movimentos feministas condenam as declarações

Emília Moniz, membro do grupo Feminista Revolucionaria, condenou “as atitudes desrespeitosas” e os comentários do pró-reitor da UNPAZ, afirmando que o docente tentou rebaixar a posição das mulheres na sociedade. A ativista destacou que, enquanto intelectual, o professor deveria ser um exemplo e um protetor, garantindo espaços seguros e prevenindo qualquer tipo de violência contra as estudantes no ambiente escolar.

Segundo Emília, as publicações do docente evidenciam que os abusos e assédios sexuais continuam a ocorrer diariamente nas universidades, fazendo com que as estudantes não se sintam seguras para estudar. Acrescentou que muitos casos de abuso e assédio sexual acontecem nas escolas, mas as vítimas não têm coragem de os denunciar.

“Condenamos, totalmente, as ideias e os discursos do pró-reitor da UNPAZ, que culpam as mulheres pela forma como se vestem, porque o modo de vestir nunca deve ser interpretado como consentimento. Acredito que o vice-reitor não compreende a questão do consentimento”, afirmou Emília.

As mulheres têm a liberdade de se vestir como quiserem, pois isso faz parte dos seus direitos de expressão pessoal. “As mulheres vestem-se com roupas curtas ou longas porque se sentem confortáveis. No entanto, o pró-reitor disse que o modo de vestir das mulheres ou os seus estilos o fazem imaginar coisas, o que constitui um tipo de assédio sexual contra as estudantes”, acrescentou.

Segundo Emília, a cerimónia de graduação é um momento em que os docentes devem valorizar e elogiar os estudantes, especialmente as mulheres que conseguem concluir os seus estudos, e não julgá-las pela forma como se vestem. “As conquistas alcançadas pelas estudantes são ignoradas pelo docente, que prefere vê-las como objetos sexuais”, lamentou.

Emília Moniz também discordou do pró-reitor, que incentivou os pais a ensinarem as suas filhas a vestirem-se “adequadamente” e a castigá-las fisicamente caso não o façam. “É um académico, mas promove e reforça a ideia de que os pais devem cometer crimes contra as suas próprias filhas. Os homens não conseguem controlar-se e, em vez disso, voltam a ensinar as mulheres sobre como se vestirem ‘decentemente’”, criticou.

Destacou ainda que o mais grave é o facto de o docente ter gravado vídeos e feito zoom nas estudantes que usavam roupas curtas, publicando-os nas redes sociais. “Essa gravação tem uma natureza de assédio sexual contra as estudantes e foi publicada no Facebook sem o consentimento delas. Isso é um crime”, afirmou Emília.

A publicação recebeu elogios do reitor da UNTL, João Martins. Segundo Emília, isto demonstra que os dirigentes das instituições tentam normalizar os tipos de assédio sexual contra as mulheres. “O assédio sexual é cometido por ema boot, como Xanana Gusmão, mas a nossa sociedade apenas tolera e normaliza. Isso continuará a afetar outras instituições, onde as mulheres se tornam as principais vítimas.”

Emília afirmou que os comentários do vice-reitor contribuem para reforçar os valores patriarcais que as instituições atualmente estão a tentar combater. “A atitude deste docente serve para justificar os homens a praticarem bullying e cometerem assédio sexual contra as suas colegas mulheres. Se um docente pode fazer isso, então está a encorajar os estudantes a seguirem o mesmo comportamento”, sublinhou. Afirmou ainda que a atitude deste docente afeta a liberdade das mulheres de existirem, estarem seguras, aprenderem e exercerem outros direitos.

Concluiu argumentando que o uso de roupas, seja qual for o estilo, “não é motivo para justificar violações contra as mulheres”, pois até mesmo meninas pequenas e mães que usam roupas completamente fechadas sofrem abusos e violações sexuais cometidas por homens.

Por sua vez, Fiche Piedade, do grupo Rosas Mean, afirmou que a publicação do docente da UNPAZ é um claro indicativo de discriminação e assédio sexual nas universidades. “Este docente abriu espaço para que todos possam fazer comentários negativos contra as mulheres apenas devido ao modo como elas se vestem, o que é totalmente injusto”, disse. Acrescentou que, na verdade, é o docente quem precisa de mudar a sua mentalidade e controlar os seus instintos, em vez de culpar as mulheres pela forma como se vestem.

“As mulheres vestem aquilo com que se sentem confortáveis para usar em público. A sua escolha de roupa não limita os direitos de outras pessoas nem prejudica ninguém. Por isso, não cabe questionar o que vestem. Vestir-se é um direito pessoal. É inaceitável que este docente use as suas publicações para lançar discursos que culpam as mulheres”, afirmou.

Fiche Piedade sublinhou que o docente utilizou a sua posição para perpetuar pensamentos discriminatórios e estereótipos contra as mulheres. “Este pró-reitor tem um pensamento sexista e, além disso, promove essa mentalidade publicamente para discriminar e inferiorizar as mulheres”, lamentou.

Segundo os movimentos feministas, é essencial promover e debater questões sobre igualdade de género e feminismo no ambiente universitário, para que as pessoas possam compreender e respeitar a existência e os direitos das mulheres. As organizações femininas devem unir-se numa única voz para criticar e tomar uma posição contra qualquer atitude que culpe as mulheres.

“As estudantes devem mobilizar-se para garantir um espaço seguro onde possam estudar e criar movimentos de resistência”, apelaram.

Octaviano Gomes, um jovem ativista, afirmou que as mulheres têm o direito de escolher como se vestir e se apresentar em público, em qualquer momento. Nesse sentido, “ninguém tem o direito de limitar, proibir, assobiar ou assediá-las. Esta declaração do professor da UNPAZ tende a promover comportamentos de assobios, assédios e maldições indiretas contra as mulheres timorenses nas redes sociais. Isso é intolerável”, afirmou.

O jovem acrescentou que este tipo de crítica limita a liberdade de expressão da maioria das mulheres, muitas das quais acabam por seguir declarações como as do pró-reitor por medo ou falta de coragem para se oporem a essas ideias.

Octaviano avaliou que muitas pessoas concordam com a publicação do docente e, por isso, “a esmagadora maioria seguirá as regras de vestimenta impostas pelos homens, sem a liberdade de expressar a sua vontade de se vestir ou de escolher roupas confortáveis, devido a discursos deste tipo”.

Estado assume compromisso com a igualdade e segurança nas universidades

A Secretária de Estado da Igualdade, Elvina de Sousa Carvalho, afirmou que o facto de as mulheres usarem roupas curtas ou longas não pode justificar que os homens cometam assédio ou abuso sexual. A governante destacou que todas as pessoas têm o direito de se expressar através do que vestem, do que dizem ou dos atributos que utilizam.

Elvina discordou completamente da ideia de que o assédio sexual ocorre porque as mulheres provocam, sublinhando que nenhum tipo de violência sexual deveria acontecer. “Muitos casos ocorrem, mas as estudantes têm medo de apresentar denúncias. Continuamos a encorajar as nossas irmãs a falarem, e a Secretaria de Estado para a Igualdade (SEI) está pronta para oferecer assistência e garantir acesso à justiça”, afirmou.

A governante destacou que a SEI tem trabalhado em colaboração com o ensino superior para promover políticas de inclusão e garantir que os campi sejam seguros e livres de assédio sexual. Além disso, tem desenvolvido iniciativas para prevenir outras formas de trauma que possam dificultar a liberdade de expressão e o bem-estar dos estudantes.

Apesar desses esforços, os casos de assédio sexual envolvendo estudantes e docentes continuam a surgir nas universidades de Timor-Leste. “Condenamos essas ações, porque os campi devem ser locais seguros onde todos os estudantes possam aprender”, sublinhou Elvina. Segundo a Secretária de Estado, cabe às universidades a responsabilidade de assegurar que os estudantes estejam livres de qualquer tipo de assédio sexual.

Elvina reforçou ainda que combater violações e assédios sexuais é uma responsabilidade coletiva. Informou que a SEI está a trabalhar em parceria com o Ministério da Educação para desenvolver políticas que incluam a questão da violência baseada no género nos currículos escolares. O objetivo é construir uma sociedade mais igualitária e inclusiva, prevenindo no futuro pensamentos e comportamentos que incentivem o assédio sexual contra qualquer pessoa.

Episódios de assédio sexual envolvendo docentes e estudantes continuam a surgir em várias instituições de ensino em Timor-Leste.  Recorde-se que, em agosto deste ano, foi noticiado um alegado caso de assédio sexual perpetrado por um docente da UNPAZ.

Provedor dos Direitos Humanos condena declarações discriminatórias do pró-reitor 

O Provedor dos Direitos Humanos e Justiça (PDHJ), Virgílio Guterres, lamentou profundamente que as declarações polémicas tenham vindo da comunidade académica, considerando-as discriminatórias e comparáveis a práticas do período medieval. “Estas declarações, que recorrem a fundamentos religiosos para discriminar e criticar, sobretudo as mulheres, são completamente antiquadas e inadequadas no contexto atual”, afirmou.

Virgílio sublinhou que a lei garante a liberdade de expressão, mas alertou que esta deve ser exercida dentro dos limites que não prejudiquem os direitos de outras pessoas ou grupos na sociedade. Para o provedor, as declarações do pró-reitor ferem claramente os princípios fundamentais da igualdade de género e do respeito pelos direitos humanos. “Qualquer expressão que discrimina mulheres é automaticamente uma violação dos princípios de direitos humanos”, enfatizou.

A PDHJ anunciou que irá averiguar as declarações do pró-reitor da Universidade da Paz (UNPAZ), avaliando possíveis violações dos direitos humanos e o impacto das mesmas nas condições de vida de outras pessoas. Virgílio destacou que, se as declarações foram baseadas em fundamentos religiosos, tratam-se de discriminação e limitação da liberdade individual. “O vestuário é uma forma de expressão da identidade pessoal e cultural. Não se pode usar medidas religiosas para padronizar a maneira de vestir, porque vivemos numa época em que as pessoas são livres. É anacrónico e antiquado limitar como as mulheres se vestem com base em razões religiosas”, afirmou.

Conforme as provas recolhidas, a PDHJ planeia emitir uma carta de advertência à universidade, instando-a a tomar medidas para prevenir situações semelhantes no futuro. Virgílio apelou ao público para estar consciente de que declarações discriminatórias e difamatórias têm implicações legais, podendo levar a responsabilização civil e criminal. “Não há espaço para declarações discriminatórias ou difamatórias num ambiente democrático, onde devem prevalecer a liberdade e o respeito mútuo”, frisou.

O provedor também demonstrou preocupação com a possibilidade de a universidade aceitar ou tolerar as declarações do pró-reitor, sobretudo por ele ser um académico. “É preocupante que uma figura da comunidade académica, com responsabilidades na formação de jovens, possa emitir declarações tão desfasadas no tempo. Isto pode influenciar negativamente os valores da instituição”, alertou.

Virgílio apelou aos estudantes que foram alvo das declarações discriminatórias para não se calarem. “Levantem-se, falem alto e denunciem publicamente que as afirmações do docente estão erradas e são inaceitáveis. Além disso, estas declarações não são educativas, nem para as mulheres, nem para a sociedade”, declarou.

O provedor reforçou que a luta pelos direitos das mulheres ainda é longa e enfrenta desafios significativos, sobretudo relacionados com barreiras psicológicas e religiosas. Virgílio instou os cidadãos a denunciarem qualquer declaração de professores, líderes religiosos ou políticos que contradigam os princípios de igualdade de género.

“As declarações do pró-reitor dão-nos ainda mais razões para reforçar a nossa cooperação com as entidades académicas. A PDHJ irá intensificar esforços para promover a advocacia e conduzir formações sobre direitos humanos junto da comunidade académica, para que estes valores sejam compreendidos e respeitados”, concluiu.

O Diligente tentou contactar Antoninho Benjamim Monteiro, mas não obteve resposta até à publicação desta notícia.

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  1. No melhor pano cai a nodoa!
    O que tem a ver o cu com as calcas?
    O papel fundamental dele e de fazer tudo do foro didactico para que o ensino universitario seja o melhor para os estudantes e TL beneficiar.
    Se eu fosse estudante do sexo feminino poderia ir de pijamas?

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