Vinte e cinco anos do Referendo: o povo votou com medo e esperança, mas continua à espera de uma vida melhor

“Divertimo-nos num dia, mas sofremos o resto da vida” /Foto: Diligente

Cidadãos partilham impressões sobre a votação que mudou o rumo da história de Timor-Leste. Alguns, diante de problemas socioeconómicos do país, ainda não se sentem independentes.

As celebrações dos 25 anos da votação que decidiu a libertação do país decorreram na passada sexta-feira, 30 de agosto, no estádio municipal de Díli, com música, fogo de artifício, comida e uma feira. No entanto, a população continua insatisfeita com a situação atual do país: falta de um sistema educativo adequado, precariedade do setor da saúde, infraestruturas inapropriadas e desemprego.

Presente nas comemorações das bodas de prata da Consulta Popular, juntamente com outros convidados internacionais, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, destacou o caminho percorrido por Timor-Leste até à independência e o papel da comunidade internacional para pôr fim aos massacres pós-referendo.

“A independência de Timor-Leste foi um momento de grande emoção. Infelizmente, foi seguida por semanas de enorme preocupação e angústia, com a terrível violência que se abateu sobre o país, resultando no massacre do povo timorense”, recordou.

Para o primeiro-ministro, Xanana Gusmão, foi a determinação do povo que conduziu à independência, aguardando pacientemente durante 16 anos pela resposta da comunidade internacional ao seu pedido de referendo. Durante essa espera, muitos jovens foram presos, torturados e mortos. “Devemos tudo isso aos nossos compatriotas que, durante 24 anos, mantiveram vivo o sonho da independência. Morreram com a esperança de que o seu sacrifício, sangue e ossos espalhados pelo país comprariam a independência e uma vida melhor para o povo”, partilhou.

No seu discurso, na noite de 30 de agosto, o primeiro-ministro reconheceu que nem todos estão a usufruir da independência. “A população desejava a independência, porque ansiava por uma vida melhor. Nas áreas rurais, as avós, magras e fragilizadas, não sentem a independência. Dizem: ainda estamos submetidos à fome, à doença e sem casa”, afirmou.

Elda Ferreira de Oliveira “Bitali”, vendedora de artesanato de tais, 64 anos, de Soibada, foi uma das pessoas que votaram no Referendo e que sente que ainda não vive num país independente, devido aos problemas socioeconómicos que a afetam e a grande parte dos 1,3 milhões habitantes de Timor-Leste.

Desde jovem, quando estava no mato durante a guerra, ensinava as crianças a ler e a escrever. Posteriormente, trabalhou clandestinamente, fornecendo comida, munições, fardas e dinheiro aos guerrilheiros.

Descreveu o dia da Consulta Popular como um dia de medo, mas também de esperança de que Timor-Leste se tornasse, finalmente, independente. Logo depois de votar, a sua família procurou um lugar para se esconder, pois o marido era perseguido por ser o chefe da caixa clandestina, o ponto de comunicação entre guerrilheiros, comandantes, diplomatas e o povo.

Ao recordar a sua experiência, Elda de Oliveira manifestou insatisfação, afirmando que Timor-Leste não é o país com que sonhou, quando votou pela independência. “Os governos mudam, mas não há mudanças. A atenção ao povo é pouca. Falam em defender o povo, mas não o fazem na prática”, lamentou.

O facto de a população ser reduzida e de haver apoios financeiros internacionais deixou a vendedora perplexa por o país não ter conseguido desenvolver-se, faltando emprego, o que leva os jovens a emigrar.

As celebrações incluíram um grande bolo e várias garrafas de champanhe para os dignitários brindarem numa área reservada no estádio municipal, cercada e separada dos cidadãos comuns. O espetáculo de fogo de artifício durou aproximadamente cinco minutos, cobrindo o local com o fumo dos fogos.

“A festa é boa, mas deve ter custado muito dinheiro. O povo ainda está a sofrer, principalmente aqueles que foram despejados e não têm um lugar digno onde ficar”, observou Elda de Oliveira, referindo-se ao mercado de Manleu, onde os vendedores permanecem sob o sol, empoeirados. A falta de medicamentos preocupa a senhora, caso algo aconteça a estes vendedores de rua.

“Divertimo-nos num dia, mas sofremos o resto da vida. Não pedimos que o dinheiro seja distribuído por nós, mas pelo menos pensem no povo antes de tomar qualquer decisão. Sem o povo, não há líderes”, apelou. As dificuldades levaram-na ao desespero, chegando mesmo a arrepender-se de ter votado pela independência.

Hélder da Silva, 44 anos, de Baucau, partilha da mesma opinião, observando que algumas pessoas foram à festa dos 25 anos do Referendo por estarem aborrecidas em casa. Participou na resistência clandestina e na votação, passando por situações perigosas. Hoje, trabalhador numa empresa de logística, lamenta que a independência só beneficie uma pequena parte do povo.

“O 30 de agosto de 1999 foi como estar na ponta da faca: entre viver e morrer. Agora estamos a desfrutar da independência, mas muitos ainda estão abaixo da linha da pobreza. Estão tristes, mas vieram cá para se divertir e mascarar a sua tristeza”, sublinhou.

No seu discurso, Xanana Gusmão apelou aos jovens para se empenharem em ser inteligentes e servir o povo.

No entanto, esse apelo não foi bem recebido por Hélder da Silva, que acredita que o verdadeiro poder para desenvolver o país está nas mãos do primeiro-ministro, que detém o poder. “Muitos jovens são criativos, mas falta-lhes orientação e oportunidades. E a Indonésia deixou um mau exemplo: o sistema de nepotismo, que faz com que setores importantes não funcionem bem, o que limita o acesso ao emprego”, disse Hélder da Silva.

Deu como exemplo aqueles que estudam engenharia e conseguem desenhar bons edifícios, mas cujas capacidades não são aproveitadas. Aqueles que dominam línguas para trabalhar no estrangeiro, mas que depois não passam nos exames, também não são aproveitados. Observa ainda que muitos jovens, que passam tempo nos telemóveis, possuem conhecimentos em tecnologia, mas não têm como rentabilizar essas habilidades, porque ninguém as valoriza.

Por outro lado, Clarissa Maria dos Santos Gerónimo, de 60 anos, também uma das pessoas que votaram, vê a situação atual com otimismo. “Sentia medo, mas agora vemos que o país está melhor do que quando estávamos sob domínio da Indonésia. Devemos esforçar-nos para desenvolver o país e não o abandonar, independentemente do que aconteça”, encorajou.

Sendo mulher de um polícia, a sua família vivia no quartel da instituição por questões de segurança. No dia da votação, escondia um membro das FALINTIL e a sua família na sua residência para que pudessem votar. Professora numa escola secundária do país, lembrou que foram votar de madrugada e que, no dia 12 de setembro, foram obrigados a refugiar-se na Indonésia, pois todos os que viviam no quartel tiveram de abandonar o país.

Para Georgina Umbelina Alfonso, de 45 anos, oficial do SERVE em Liquiçá, o país está agora melhor do que antes, apesar dos problemas urgentes como a educação e o desemprego. Presente nas cerimónias, mostrou-se triste ao recordar o que passou.

“A votação foi um momento de tristeza, contentamento e medo, tudo misturado. Medo das milícias, contentamento por ver o sofrimento terminar e tristeza ao lembrar o que passámos para chegar ao Referendo”, contou.

Para Georgina Alfonso, é importante melhorar a vida do povo que sofreu durante a guerra e que os jovens mantenham a paz e o amor. “Devem estudar para poder melhorar o país, porque o futuro está nas mãos deles”, concluiu.

O secretário-geral da ONU, que reconheceu os grandes desafios que o país enfrenta, apelou a uma forte solidariedade internacional para apoiar Timor-Leste a “vencer a batalha do desenvolvimento”. “As Nações Unidas continuam solidárias com o povo timorense e, nesta batalha, podem contar connosco”, comprometeu-se.

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  1. Resolvi fazer um retiro para fazer uma reflexao de 25 anos onde tem corrido muita tinta.
    Muitos ditados e dizeres portugueses vieram a tona nomeadamente;

    Roma e Pavia nao foram feitos num dia (gastou-se muita massa num so dia e o Povo comeu baria);
    Grao a grao enche a galinha o papo (nao se via nenhuma galinha mas havia muitos faisoes, sobrou muito grao);
    Ha males que vem por bem (muitos malaes do alem…);
    Deus da nozes a quem nao tem dentes (vi um grande numero de desdentados, vamos poder exportar nozes num futuro breve);
    Quem fala assim nao e gago (o Povo cagueja);
    Quem vai a guerra da e leva (o Povo nao leva nada);
    O fogo de artificio pode queimar palhotas (mais palhota menos palhota…);
    O saber nao ocupa lugar (Eu sei, sou doutorado em sapiencia);
    Atras de um macaco vai sempre outro (Selva, Tarzan, Jane);
    Eu nao sou Deus nao dou o outro lado da face (isso e o que eles querem);
    Palavras ocas ouvidos moucos (25 anos a espera de olarinologista)

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