No Dia Nacional da Mulher, celebrado em Timor-Leste hoje, 3 de novembro, destaca-se o contributo das mulheres na luta pela liberdade e desenvolvimento do país. No entanto, em pleno século XXI, as mulheres timorenses continuam a enfrentar violência doméstica, discriminação e limitações impostas por um sistema patriarcal.
Em agosto passado, uma mulher foi violentamente agredida pelo marido no mercado de Taibessi, em Díli, enquanto várias pessoas assistiam sem intervir. A polícia identificou o agressor, mas não procedeu à sua detenção, o que levou a vítima a criticar a atuação das autoridades. Em vez de a proteger, o comandante da Polícia Municipal de Díli reagiu com ameaças e insultos, intensificando o sentimento de insegurança da mulher.
O ataque foi filmado por testemunhas e o vídeo tornou-se viral nas redes sociais, mostrando o agressor a bater brutalmente na mulher, com murros e pontapés, chegando a segurar-lhe a cabeça e a golpeá-la contra o chão. A mulher relatou que, ao tentar denunciar a agressão no próprio dia, os agentes policiais minimizaram a situação e chegaram a ridicularizá-la.
Outro caso chocante ocorreu em Ainaro, onde um homem atacou a esposa com uma catana, provocando-lhe um corte fatal no pescoço, deixando-a morta no local. Um incidente semelhante ocorreu no mês passado, na aldeia de Ai Teca Laran, em Becora, onde, durante a madrugada, um homem assassinou a sua esposa grávida de oito meses. De acordo com o relatório da autópsia, a equipa forense identificou 25 ferimentos no corpo da vítima causados por golpes de faca.
No passado dia 11 de outubro, enquanto o mundo celebrava o Dia Internacional das Mulheres Rurais, aconteceu uma história dolorosa que ilustra os desafios enfrentados por muitas mulheres no país. Uma menina de 14 anos perdeu a vida após sofrer agressões físicas por parte dos tios. A vítima também foi violada sexualmente por um dos tios, alguém que considerava como um pai.
“A vítima sofreu agressões físicas graves por parte dos tios e tias, que resultaram em lesões na cabeça. Além disso, apresentou um trauma psicológico profundo, afetando a sua consciência e necessitando de tratamento no Hospital Nacional Guido Valadares”, relatou uma fonte que não quer ser identificada.
Apesar da gravidade da situação, a família pediu a alta hospitalar, alegando motivos não completamente explicados, e recorreu a tratamentos tradicionais. Apenas dez dias depois, a vítima foi novamente levada ao hospital, desta vez em estado crítico, e a 11 de outubro de 2024, acabou por falecer.
Em Baucau, conhecemos Abui (nome fictício), de 40 anos, tomou a decisão corajosa de se afastar do marido após anos de agressões. Abui casou-se em 2005 e tem três filhos. O marido, desempregado e alcoólico, agredia-a frequentemente e ameaçava-a de morte, quando dizia que ia apresentar queixa.
“Conto isto e ele pode ouvir e bater-me novamente. Tenho medo de o denunciar, pois ele encontra-me sempre. Prefiro morrer a continuar assim”, disse em lágrimas.
Abui vive agora com a sua família numa aldeia próxima e trabalha como professora voluntária numa escola primária em Baucau. A sua liberdade está completamente limitada pelo seu ex-parceiro.
Os filhos foram divididos entre os dois e um deles vive com o irmão de Abui, em Díli, para estudar.
Em Timor-Leste, a mentalidade de que “entre marido e mulher não se mete a colher” persiste, dificultando a denúncia de violência doméstica, apesar de a Lei nº 7/2010 estabelecer que é um crime de natureza pública. Assim, o processo criminal pode ser iniciado sem a queixa da vítima, bastando uma denúncia ou o conhecimento do crime pelas autoridades. A lei também permite medidas judiciais para manter o agressor afastado da vítima.
No entanto, ainda prevalece entre muitos cidadãos a ideia de que os problemas entre casais são privados, o que pode ser controverso em casos de abuso, onde a intervenção é essencial. A violência doméstica inclui abusos físicos, emocionais, psicológicos e financeiros, afetando principalmente as mulheres.
Dados da ONU revelam que uma em cada três mulheres globalmente sofre violência pelo parceiro, e em Timor-Leste, 59% das mulheres já foram vítimas de violência doméstica, segundo um estudo do programa Nabilan. O mesmo estudo indica que 79% da população timorense considera que um homem pode bater na sua mulher. Esta normalização resulta em pouca divulgação, menos denúncias e no tratamento tardio dos casos deste tipo.
Todos os anos, cerca de 700 casos de crimes são registados nos tribunais timorenses, com a violência doméstica como o crime mais comum, seguido por violações sexuais, sendo 98% dos agressores homens.
Este ano, a FOKUPERS registou 215 casos de violência baseada no género. No mês passado, houve um aumento preocupante nos casos de violência contra mulheres e crianças, incluindo violência sexual, abuso psicológico e agressão física.
Natália de Jesus, porta-voz da rede Advocacia dos Direitos Humanos, condenou a violência que afeta mulheres e crianças, ocorrendo tanto no seio familiar como na sociedade, devido à vulnerabilidade e à perceção destas pessoas como “fracas”.
“As vítimas de violência precisam de apoio. O lar e a família devem ser espaços seguros, onde o respeito mútuo e a confiança sejam fundamentais”, afirmou.
A Rede de Advocacia considera que a implementação da lei contra a violência doméstica ainda não atingiu o seu potencial máximo. Embora existam políticas e iniciativas, estas muitas vezes “permanecem num nível meramente cerimonial. As mulheres em Timor-Leste continuam a sofrer e a morrer devido à sua condição de vulnerabilidade”, salientou.
Natália de Jesus insiste na necessidade de apoio às vítimas e de uma transformação cultural que reconheça a dignidade e os direitos das mulheres. “As mulheres devem ser livres de exploração e violência”, defende, enquanto apela ao governo para que assuma um compromisso firme com os direitos humanos.
Recorde-se que, em 2002, Timor-Leste ratificou a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW).
A luta de mulheres líderes contra o preconceito
“É uma mulher, mas parece um homem. É mulher, mas fuma e bebe álcool. Ela não deve ser uma líder”. Numa sociedade conservadora, onde ver uma mulher a fumar e a beber é visto negativamente, Joaninha desafia estereótipos. “Uma mulher fumar ou beber não significa que não pode ocupar cargos públicos. O que importa é a capacidade de servir a comunidade”, afirmou.
Esta foi apenas uma das difamações que Joaninha Alves Amaral, atual chefe de suco do Bairro Pite, enfrentou dos seus adversários candidatos durante as eleições para chefe de suco no ano passado. Joaninha foi uma das 241 candidatas ao cargo de chefe de suco, onde os seus adversários a atacaram frequentemente com comentários discriminatórios, com a intenção de demonstrar que ela não seria capaz de liderar.
Após a segunda volta, Joaninha Amaral foi eleita. No entanto, os adversários não aceitaram o resultado, considerando-o injusto e exigindo uma nova votação. Depois de assumir o cargo, enfrentou problemas com o chefe de suco anterior sobre a formação da estrutura do conselho do suco. O ex-chefe defendia que devia liderar as reuniões, mas depois de discussões intensas, decidiram que Joaninha lideraria as reuniões, apesar das tensões entre ambos.
Para Joaninha, estes desafios fortalecem a sua confiança. “Os homens tentam impor barreiras achando que as mulheres não podem liderar. Mas as mulheres devem ser fortes e enfrentar qualquer situação”, encorajou.
Como autoridade local, Joaninha visita as aldeias da região de Bairro Pite, onde observa e conversa muito mais com os homens do que com as mulheres. Segundo a chefe de suco, esta situação deve-se à forte presença do sistema patriarcal, que limita a participação das mulheres na esfera pública. “Na nossa sociedade, uma mulher, por mais que queira envolver-se em atividades sociais, precisa da aprovação e aceitação dos homens ou dos seus parceiros. Se a mulher não é ouvida nas decisões, torna-se difícil para ela agir e promover mudanças”, explicou.
Joaninha sublinhou que muitos homens ainda consideram que o papel das mulheres se restringe ao trabalho doméstico. “Os homens precisam de tomar consciência e reconhecer o papel das mulheres no desenvolvimento, pois, para o bem da nação, todos devem participar e envolver-se.”
Segundo o artigo 16.º da Constituição da República Democrática de Timor-Leste (CRDTL), todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres. A alínea dois do mesmo artigo proíbe a discriminação com base na cor, raça, estado civil, sexo, origem étnica, posição social, convicções políticas ou ideológicas, religião, instrução ou condição física ou mental. O artigo 17.º da CRDTL garante que a mulher e o homem têm os mesmos direitos e obrigações em todos os domínios da vida familiar, cultural, social, económica e política.
Desafios no acesso à educação e ao mercado de trabalho
Muitas mulheres enfrentam barreiras para continuar os estudos. Dircia Lilifania do Amaral, de 27 anos, funcionária de uma agência internacional em Timor-Leste e empresária, destaca que a educação das raparigas é frequentemente desvalorizada, com a prioridade a recair nos rapazes. “Os pais dão prioridade aos filhos, baseados na crença de que os homens são responsáveis pelo sustento da família e que o trabalho doméstico e a maternidade são as funções das mulheres”.
De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística de Timor-Leste (INETL), relativos a uma amostra de idades entre os 3 e os 29 anos, embora mais de 80% das mulheres frequentem a escola até à maioridade, essa tendência começa a reverter-se com a entrada na vida adulta. Apenas 30% das mulheres timorenses entre os 19 e os 29 anos continuam os estudos, sendo o casamento precoce apontado como um dos motivos.
A ausência de educação sexual nas escolas, aliada à influência cultural e à mentalidade patriarcal, que impõe a ideia de que “as mulheres devem ser donas de casa”, são alguns dos fatores que contribuem para a elevada taxa de abandono escolar entre as jovens.
Segundo Dircia, as mulheres timorenses ainda não usufruem plenamente do direito de tomar decisões, “pois a maioria dos timorenses ainda não permite que as mulheres assumam papéis de liderança no seio familiar, especialmente nas questões culturais. A educação é a única via para eliminar este padrão”.
Afirmou que, em Timor-Leste, existem muitas mulheres com potencial, mas o problema é que não são promovidas. A jovem encoraja as mulheres a tomarem a iniciativa de divulgar as suas competências e atividades de negócios, utilizando as redes sociais. “Não devemos preocupar-nos com a opinião dos outros, que podem diminuir a nossa autoestima. Quando fazemos algo com uma atitude positiva, obtemos sempre bons resultados”, assegura.
Emília Moniz, do Movimento Feminista Revolucionário, destacou que o Dia Nacional da Mulher deve lembrar a luta pela libertação das mulheres e pelo fim da exploração. Sublinhou que as mulheres que trabalham em serviços domésticos são vulneráveis e carecem de direitos básicos, pois “não têm acesso à segurança social, a salários justos e a licença de maternidade”.
Em 2023, a Confederação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Timor-Leste resolveu 400 casos de discriminação no trabalho, licença de maternidade, entre outros.
Segundo o relatório do Banco Mundial divulgado em 2023, cerca de 72% da população empregada trabalha no setor informal, o que faz com que a maioria dos trabalhadores em Timor-Leste esteja particularmente vulnerável a crises laborais.
“As mulheres que realizam trabalho doméstico permanecem invisíveis. A sociedade ainda não considera isso como trabalho, enquanto os homens que trabalham como pessoal de limpeza são vistos como profissionais. Este é um problema que ainda não foi discutido ou resolvido”, destacou Emília Moniz.
Para que possam alcançar a liberdade, segundo Emília Moniz, todas as mulheres devem unir-se e participar na educação política para se consciencializarem sobre esta opressão. “Juntas, precisamos de lutar pela lei dos trabalhadores domésticos e pelos direitos à saúde reprodutiva”, sublinhou.
Observou que o sistema patriarcal contribui para a vulnerabilidade das mulheres na família e na sociedade. As mulheres não podem tomar decisões sobre a sua saúde reprodutiva, “uma vez que o número de filhos é frequentemente uma decisão do homem”, lamentou.
Afirmou que apesar de existirem muitas organizações de mulheres em Timor-Leste, ainda não têm plena capacidade para libertar as mulheres da opressão e exploração. “Não devemos lutar apenas pelo empoderamento das mulheres. Devemos garantir que sejam livres de exploração”, destacou.
Acrescentou que é importante que as mulheres não normalizem o sistema patriarcal, mas que adotem uma postura crítica em relação a estas questões sociais. “Precisamos de educação política para ajudar as mulheres a reformarem as suas vidas”, sublinhou.
O Estado de Timor-Leste ratificou vários instrumentos para garantir os direitos das mulheres e das crianças. No entanto, isso parece ainda não ser suficiente. “O governo tem a obrigação de proteger e respeitar os direitos humanos de todos”, afirmou a porta-voz da Rede de Advocacia, acrescentando que é essencial assegurar e proteger os direitos das mulheres e garantir que estejam livres de violência e discriminação.
Neste Dia Nacional da Mulher, que assinala a morte da heroína nacional Maria Tapó, recorde-se o papel fundamental das mulheres timorenses na luta pela independência e no desenvolvimento de Timor-Leste.
A história de Rosa Bonaparte, que em 1975 se tornou secretária-geral da Organização Popular da Mulher Timorense (OPMT) e desempenhou um papel crucial na defesa dos direitos das mulheres e na luta pela independência de Timor-Leste, reforça o simbolismo deste dia. Bonaparte escreveu o manifesto da OPMT, denunciando a “dupla exploração” das mulheres timorenses por valores tradicionalistas e colonialistas, e condenando práticas como o barlake (dote), a poligamia e a exploração sexual. Assim como Bonaparte defendia o fim de práticas opressivas e lutava pela emancipação das mulheres, as mulheres timorenses de hoje continuam a enfrentar a violência, a discriminação e a luta por igualdade, evidenciando a necessidade de uma ação contínua e de uma mudança social que honre o legado das líderes do passado.
Feliz Dia Nacional da Mulher!
Os homens nao dao o valor merecido as mulheres, simplesmente porque temem a sua capacidade. No poder Elas vao envergonha-los com a sua capacidade de gerencia e positividade. So como parte de cada agregado familiar elas dao pano para mangas. Elas sao em grande percentagem o SALVA VIDAS da familia e da NASAUN.
“A mulher relatou que, ao tentar denunciar a agressão no próprio dia, os agentes policiais minimizaram a situação e chegaram a ridicularizá-la.”
Sem querer minimizar os casos de violência que vitimizam as mulheres, mas é o seguinte: a polícia recebe muitas denúncias de violência doméstica contra mulheres, provavelmente na maior parte das vezes são as próprias vítimas que fazem a denúncia, uma vez que a prática comum é mesmo que “entre marido e mulher não se mete a colher”. O que acontece muitas vezes é que estas vítimas acabam por se reconciliar com o agressor mesmo antes de o caso ir parar ao tribunal. Isto é frustrante também para um agente da polícia. Daí que consegue-se entender se já não há paciência para estas denúncias, se estas vão terminar em “reconciliações”. Portanto, se é para ir para a frente com um processo crime, mulheres, continuem em frente, porque parar a meio só vos irá prejudicar.
O pior inimigo da mulher e a mulher!
Muitas ha que fazem o papel de Judas por uma razao ou outra, em vez de se juntarem para uma causa muito sui generis. Ha que reinforcer barreiras em prol de uma maior igualdade e justica.