Silêncio oficial perante possível atentado a ex-Presidente de Timor-Leste

A bala atingiu a mesa onde normalmente o ex-titular se senta/Foto: Página Oficia do Ex-Presidente Lú Olo

Mais de uma semana após um disparo atingir a residência do ex-presidente da República, Francisco Guterres Lú Olo, o Governo e o Estado mantêm silêncio oficial sobre o caso. Apenas a Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) e as Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL) emitiram declarações.

Na noite de 31 de dezembro para 1 de janeiro, enquanto o país celebrava a entrada no novo ano, a residência do ex-presidente Francisco Guterres Lú Olo foi alvejada. A bala atravessou o telhado e atingiu uma mesa próxima de onde o ex-presidente habitualmente se senta. Apesar da gravidade do incidente, até à publicação deste artigo, nem o Governo, nem os ministros da Defesa e do Interior, nem o presidente da República, José Ramos-Horta, emitiram qualquer comunicado oficial.

Na página de Facebook Lú Olo, pode ler-se: “Feliz Ano Novo 2025 com balas traiçoeiras”. Segundo a publicação, o disparo ocorreu exatamente à meia-noite, aproveitando o barulho do fogo de artifício, e teria como objetivo assassinar o ex-Presidente. Na publicação, lê-se: “Feliz Ano Novo 2025 vem com balas traiçoeiras. Ontem à noite, às 00h00 da passagem do ano, pessoas desconhecidas, aproveitando o som de foguetes, dispararam contra a residência do ex-PR e presidente da Fretilin, Francisco Guterres Lú Olo, com a intenção de o matar”.

Francisco Guterres Lú Olo foi o sexto presidente da República (2017-2022) e é atualmente presidente da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (FRETILIN), o segundo maior partido político do país. Foi também o primeiro presidente do Parlamento Nacional, entre 2002 e 2007.

Segundo o artigo 10 do Decreto do Governo nº 12/2011, que regulamenta o Estatuto dos Titulares dos Órgãos de Soberania, os ex-titulares e ex-membros de órgãos de soberania têm direito a segurança permanente, tanto pessoal como na residência, no local de trabalho e durante deslocações no país ou no estrangeiro.

Investigações preliminares: o que sabemos até agora

Nas redes sociais, o caso teve pouca repercussão, limitando-se a comentários na publicação do ex-presidente Lú Olo. No entanto, o chefe do Departamento de Investigação Criminal da PNTL, Superintendente João Belo dos Reis, considera o caso grave, recordando que algo semelhante já aconteceu em 2008 na mesma residência. “Por isso, estamos a esforçar-nos para resolver este caso”, garantiu. Apesar disso, o superintendente observou que, de forma geral, a segurança no país está estável.

De acordo com a PNTL, agentes das forças de segurança estavam no local no momento do disparo, incluindo membros da F-FDTL e da equipa de segurança destinada aos ex-titulares. Contudo, os detalhes sobre o sucedido permanecem escassos. O Superintendente João Belo dos Reis, chefe do Departamento de Investigação Criminal da PNTL, informou que recebeu a denúncia às 2 horas da manhã do dia 1 de janeiro e que a equipa forense se deslocou de imediato ao local.

A investigação inicial aponta que a bala, de calibre 9 mm, foi disparada para o ar antes de atingir a residência. O projétil danificou o telhado e partiu o vidro de uma mesa. Os dados recolhidos foram apresentados ao Ministério Público, que decidirá se delega a investigação à PNTL ou se a conduz diretamente.

O Departamento de Investigação Criminal da PNTL solicitou apoio a parceiros internacionais para realizar um exame balístico ao projétil encontrado, com o objetivo de determinar a origem da arma, uma vez que a PNTL ainda não dispõe do equipamento necessário para este tipo de análise. Além disso, apelou à colaboração de entidades e da comunidade local, pedindo que forneçam qualquer informação que possa ser relevante para o progresso da investigação.

“O processo de investigação irá determinar se o autor do disparo é alguém externo ou se se trata de um descuido da própria PNTL ou de outras instituições armadas”, afirmou o chefe do Departamento de Investigação Criminal da PNTL. Também mencionou um caso semelhante ocorrido em Vera Cruz, onde uma criança foi atingida por uma bala disparada para o ar.

“Seja intencional ou por negligência, o autor deve ser responsabilizado, pois uma bala disparada para o ar ainda tem força suficiente para colocar em risco a vida das pessoas quando cai”, acrescentou.

Ameaça à segurança nacional?

Renhaldo de Andrade, de 28 anos, administrador numa empresa privada, mostrou-se assustado e insatisfeito com o caso. Para o jovem, o incidente revela falhas na segurança destinada a um ex-titular, que deveria ser assegurada com responsabilidade e integridade. “Ou talvez haja interferência da parte da segurança. Não sabemos”, afirmou.

A Fundação Mahein (FM), organização que se dedica à monitorização e advocacia no setor da segurança, alertou para a necessidade de uma resposta mais rigorosa, de modo a prevenir crimes ainda mais graves no futuro.

Nelson Belo, diretor da FM, alertou para o impacto deste tipo de incidentes na sociedade, criando pânico e medo entre a população. Segundo ele, o Governo está a dar prioridade a tarefas como evicções e limpeza de lixo – que poderiam ser realizadas por autoridades locais – utilizando forças de segurança como militares e polícias para essas funções, o que aumenta a sensação de insegurança entre os cidadãos.

“O acontecimento mostra que ainda existem lacunas na segurança do país”, analisou Nelson Belo. Acrescentou que não existem áreas específicas destinadas às residências de ex-titulares, o que significa que estas figuras vivem entre a comunidade, em locais onde há livre circulação de pessoas. Este cenário torna difícil garantir o cumprimento dos protocolos de segurança destinados aos ex-titulares.

Para o diretor da FM, a repetição de um incidente como este deve ser tratada como uma séria ameaça à segurança nacional. Sublinhou que o caso exige uma resposta rigorosa e não pode ser encarado como algo normal. Belo alertou ainda que a ausência de uma reação pública por parte do Governo pode sinalizar fragilidade no sistema de segurança, incentivando crimes organizados.

“Assuntos de segurança não podem ser tratados como brincadeiras. É necessária uma resposta séria e rigorosa para que, se for um crime organizado, os autores sintam receio”, afirmou.

A FM defende que é crucial antecipar potenciais ameaças e não esperar que ocorram para, então, agir. Nesse sentido, sugeriu a criação de uma comissão independente de investigação, composta pelo Serviço Nacional de Inteligência (SNI), pela Polícia Científica e de Investigação Criminal (PCIC) e pela Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL), com supervisão de observadores da Comissão D do Parlamento Nacional e da Provedoria dos Direitos Humanos e Justiça (PDHJ). Esta medida visa garantir transparência no processo investigativo.

Nelson Belo recordou que incidentes semelhantes ocorreram em 2006 e 2008, durante períodos de crise. Na época, o Estado sabia quem eram os responsáveis e respondeu de forma célere e rigorosa. No entanto, o diretor da FM acredita que o atual caso pode envolver um crime transnacional, organizado e sofisticado, possivelmente com o uso de drones ou outras tecnologias modernas.

A FM reforçou ainda a necessidade de o presidente da República convocar o Conselho Superior de Defesa e Segurança. Este órgão, composto pelo primeiro-ministro, ministros responsáveis pela segurança interna e externa e pelas forças policiais, deveria aconselhar o chefe de Estado sobre as medidas a adotar para reforçar a segurança nacional.

Porquê o silêncio?

Até à publicação deste artigo, nem o Governo nem o Estado emitiram qualquer comunicado ou declaração oficial sobre o ataque à residência do ex-presidente Francisco Guterres Lú Olo. O Diligente tentou contactar os ministros do Interior e da Defesa, mas não obteve respostas. Da mesma forma, o presidente da República, José Ramos-Horta, não respondeu ao pedido de entrevista enviado pela equipa do jornal.

Numa conferência de imprensa realizada na quinta-feira, 9 de janeiro, o primeiro-ministro do IX Governo, Kay Rala Xanana Gusmão, foi questionado sobre o incidente. Visivelmente admirado e confuso, declarou estar surpreendido pelo facto de uma bala disparada para o ar ter conseguido furar objetos e potencialmente ferir pessoas ao cair.

“Durante os anos em que fui soldado, usei armas, mas nunca vi algo assim”, afirmou com um tom sério e de desconfiança, pondo em causa a veracidade do acontecimento. Apesar disso, reconheceu a necessidade de uma investigação mais aprofundada para esclarecer o ocorrido.

No entanto, o chefe do Departamento de Investigação Criminal da PNTL, Superintendente João Belo dos Reis, contradisse as dúvidas do primeiro-ministro. Segundo ele, especialistas confirmaram que, mesmo quando disparadas para o ar, as balas mantêm força suficiente para matar ou causar danos graves ao voltar à terra.

Quando questionado sobre a possibilidade de criar uma equipa conjunta de investigação, tal como sugeriu a FM, Xanana Gusmão respondeu de forma irónica: “Na próxima quarta-feira, na reunião do Conselho de Ministros, vamos decidir colocar um batalhão no Farol para nem podermos passar por lá”, referindo-se aos ex-titulares com um tom de gozo.

Quanto à segurança geral do país, o primeiro-ministro afirmou que nem ele conseguiu entrar na residência do ex-presidente devido à “segurança apertada” do local. Esta declaração, no entanto, contradiz as observações da FM, que afirmou que o complexo é de livre circulação, sem controlo eficaz.

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