Sete pessoas foram atacadas por cães em Atabae, Bobonaro, numa nova vaga de raiva. As autoridades confirmaram a presença do vírus e lançaram uma campanha nacional de resposta. A raiva é 100% fatal após os sintomas, mas totalmente evitável com tratamento imediato.
Sete pessoas foram atacadas por dois cães em momentos distintos, no passado sábado, 14 de junho, na aldeia de Vila Maria, suco de Rairobo, em Atabae, Bobonaro. Este novo surto de raiva surge após uma vaga registada no ano passado. A doença é 100% fatal após o aparecimento dos sintomas, mas pode ser totalmente evitada com tratamento imediato.
As vítimas — entre elas uma mulher de 60 anos, um homem de 36, um jovem de 19, uma menina de 14 anos, duas crianças de 9 e 6 anos, e outra de apenas 2 anos atacada por um cão diferente — sobreviveram, mas sofreram ferimentos e receberam tratamento médico. O suco de Rairobo, onde ocorreram os ataques, tem mais de duas mil pessoas.
Um dos feridos, Romualdo Tavares, de 36 anos, contou ao Diligente como foi atacado. “Estava a mudar as lonas de um carro e pousei-as no chão. Vi o cão ao longe — parecia um leão. Veio na minha direção, saltou para cima de mim e mordeu-me no braço esquerdo”, relatou.
O chefe do Centro de Saúde de Atabae, Roberto Dao Bitin, confirmou os ataques e explicou que os incidentes aconteceram por volta das 13h00 e das 17h00. A população local matou um dos cães e entregou a cabeça ao Ministério da Agricultura para análise laboratorial. O resultado foi positivo para o vírus da raiva.
“O cão que mordeu seis pessoas nunca tinha sido vacinado. Já o outro, que atacou apenas uma pessoa, tinha sido vacinado”, afirmou o responsável.
Após os ataques, todas as vítimas receberam tratamento imediato no centro de saúde de Atabae. “Lavámos os ferimentos com água e sabão durante cerca de 15 minutos, fizemos os curativos normais e aplicámos a vacina na zona da mordedura, de acordo com a idade de cada paciente, para garantir uma resposta imunológica adequada”, explicou Roberto Dao Bitin.
Romualdo confirmou o atendimento recebido: “Lavaram a ferida com água e depois com outro medicamento. Aplicaram a vacina à volta do ferimento e deram-me comprimidos para tomar em casa.”
O responsável do Centro de Saúde de Atabae acrescentou que todos os feridos iniciaram o esquema completo de vacinação pós-exposição, que inclui cinco doses: a primeira no dia do ataque, e as seguintes ao 3.º, 7.º, 14.º e 29.º dia.
“Agora sinto-me bem e já retomei as minhas atividades normais”, disse Romualdo. “Recebi duas doses da vacina e os médicos explicaram que tenho de completar o total de cinco.”
Governo lança resposta conjunta para conter avanço da raiva em Timor-Leste
Em conferência de imprensa realizada esta segunda-feira, o Ministério da Saúde e o Ministério da Agricultura, Pecuária, Pescas e Florestas alertaram para a gravidade do surto de raiva em Timor-Leste.
De acordo com o representante do Ministério da Saúde, Névio Sarmento, entre 2024 e 17 de junho de 2025, seis pessoas morreram devido à raiva no país. As vítimas mortais são provenientes dos municípios de Ermera (1), Oé-Cusse (3) e Bobonaro (2).
“O surto é preocupante. A raiva não é apenas uma questão de saúde animal — é uma emergência de saúde pública”, afirmou Névio Sarmento.
Segundo o responsável, entre 2024 e 2025, o sistema de vigilância sanitária identificou 1.445 pessoas mordidas por cães. “Dessas, 41% foram classificadas como categoria 3, o nível de maior risco, que exige administração imediata de anticorpos. No entanto, apenas 18% dos casos receberam efetivamente esse tratamento”, alertou.
Face à gravidade da situação, os Ministérios da Saúde e da Agricultura, com o apoio de parceiros internacionais, lançaram uma campanha nacional de prevenção da raiva. “A estratégia inclui reforço da vacinação humana e animal, ações de sensibilização comunitária e vigilância mais apertada. Este tipo de raiva tem uma taxa de mortalidade de 100% se não for tratada. Mas é totalmente evitável, desde que a pessoa procure rapidamente o centro de saúde e siga o tratamento recomendado”, sublinhou Sarmento.
Carlos Antunes Amaral, Diretor-Geral da Pecuária e Veterinária, confirmou que, após a identificação do primeiro caso de raiva em Oé-Cusse, uma equipa do Ministério se deslocou ao local para realizar ações de sensibilização, em colaboração com as autoridades locais e outras entidades competentes.
“No início de 2024, a equipa deu início à vacinação dos animais, nomeadamente cães, gatos e macacos. Mais tarde, a vacinação foi alargada a outros municípios fronteiriços, como Bobonaro, Covalima, Díli e à ilha de Ataúro”, explicou o responsável.
Segundo o diretor, o programa de vacinação contou com o apoio do Governo Australiano, que forneceu cerca de 200 mil doses de vacina.
Questionado sobre os animais que circulam livremente nas ruas, Carlos Antunes Amaral afirmou que está a ser equacionado o abate, se o número de casos aumente significativamente. “Se houver um número excessivo de casos, a equipa irá proceder ao abate dos animais errantes. Podemos também aplicar o Decreto-Lei da Pecuária, que regula a restrição de movimento de animais em zonas urbanas”, indicou.
O Decreto-Lei n.º 12/2014, de 14 de maio, prevê, no artigo 11, sobre o destino dos animais apreendidos, várias possibilidades: “Os animais apreendidos poderão ter os seguintes destinos, por decisão do Órgão Sanitário Responsável: sacrifício in loco; resgate dos animais apreendidos mediante o pagamento da multa e das despesas no prazo de 10 dias após a apreensão; leilão em hasta pública; ou doação”, lê-se no documento.
Confrontado com a hipótese de adotar alternativas ao abate, Carlos Antunes Amaral foi claro: “Se os animais que andam na rua representarem perigo para a vida das pessoas, o abate torna-se necessário. Estamos a falar do vírus da raiva. Quer se goste ou não, temos de os abater”, declarou.
A posição do responsável timorense contrasta com a abordagem seguida em Portugal, onde o controlo da população animal assenta numa lógica de saúde pública e bem-estar animal, com medidas preventivas. A legislação portuguesa obriga à vacinação antirrábica, esterilização e identificação eletrónica dos animais errantes. A Lei n.º 27 de 2016 proíbe o abate como forma de controlo populacional e determina que os municípios devem promover a captura, vacinação, esterilização e devolução dos animais sempre que possível. A Portaria n.º 146 de 2017 regula os programas CED (captura, esterilização e devolução), especialmente dirigidos a gatos, e o Decreto-Lei n.º 314 de 2003 estabelece a vacinação obrigatória contra a raiva para todos os cães a partir dos três meses de idade. O Despacho n.º 3530 de 2025 reforça estas medidas, definindo as regras técnicas da campanha nacional de vacinação e identificação.
Em resumo, em Portugal os animais errantes são geridos através de políticas de prevenção e controlo ético, com o abate reservado apenas para situações excecionais, devidamente justificadas por razões sanitárias.
Entre 2024 e fevereiro de 2025, foram vacinados 8.224 animais em Oé-Cusse, 7.191 em Covalima, 13.828 em Bobonaro e 20.944 em Díli e Ataúro. “Nos restantes municípios, a vacinação vai começar em breve”, concluiu.
Na sessão plenária da passada segunda-feira, 16 de junho, a deputada Maria Gorumali, do CNRT, apelou à Autoridade de Proteção Civil e à equipa de vigilância da raiva para que reforcem o controlo dos animais errantes e tornem a vacinação antirrábica o mais abrangente possível.
Especialista alerta para os perigos da raiva: “É 100% fatal após os sintomas, mas totalmente evitável”
Alípio de Almeida, docente do Departamento de Saúde Animal da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL) e membro da Associação de Médicos Veterinários de Timor-Leste (AMVTL), alertou para os perigos da raiva, uma doença viral grave que afeta cães, gatos, macacos e morcegos, podendo ser transmitida aos seres humanos.
“A raiva é causada por um vírus da família Rhabdoviridae, do género lyssavirus, presente na saliva dos animais infetados. É altamente contagiosa e fatal após o aparecimento dos primeiros sintomas”, explicou o especialista.
Segundo Alípio, a transmissão ocorre geralmente através de mordeduras, arranhões ou contacto da saliva de um animal infetado com feridas abertas. “Mesmo uma simples lambidela numa ferida pode ser suficiente para transmitir o vírus”, alertou.
O especialista recordou um caso ocorrido em 2023, em Oé-Cusse, quando um cão infetado atravessou a fronteira com a Indonésia e mordeu uma mulher, que acabou por falecer. “Esse cão também mordeu outros animais não vacinados, o que facilitou a propagação da doença”, acrescentou.
Relativamente aos sintomas nos animais, Alípio explicou que há alterações de comportamento como agitação, agressividade, febre, e sinais como medo da luz (fotofobia), do ar (aerofobia) e da água (hidrofobia). “O cão fica extremamente agressivo, ataca qualquer coisa que esteja à sua frente. Depois entra numa fase de paralisia e acaba por morrer”, descreveu.
Nos seres humanos, os sintomas são semelhantes. “Febre e dor de cabeça são sinais iniciais, mas o mais específico é a mudança de comportamento. A pessoa torna-se agressiva e tem dificuldade em engolir saliva — esse é um sinal patognomónico da raiva. Quando o vírus atinge o cérebro, já não há cura”, frisou.
Questionado sobre o aumento de casos apesar das campanhas, Alípio reconheceu limitações. “Embora o Ministério da Agricultura continue a realizar campanhas de vacinação para cães, gatos e macacos, há muitos cães sem dono e outros com dono que não são vacinados. Isso compromete o controlo da doença. Infelizmente, a raiva já se espalhou de Oé-Cusse para Bobonaro, Covalima e agora até Ermera. Um dos problemas é que vacinamos os animais, mas depois não avaliamos se a vacina foi eficaz. Isso tem de ser corrigido”, defendeu.
Sobre o controlo dos animais errantes, Alípio lembrou práticas antigas: “Quando ainda era estudante, em casos suspeitos, os profissionais chegaram a capturar e abater cães vadios durante surtos, por receio da propagação do vírus. Se os cães têm donos, cabe a esses protegê-los com a vacina”, sublinhou.
Relativamente ao plano de vacinação, o docente defendeu a obrigatoriedade da vacinação anual de todos os cães, como forma de garantir a imunidade. “Mesmo que um cão vacinado seja mordido por um animal infetado, estará protegido”, garantiu.
Sobre o período de incubação do vírus, Alípio explicou que este varia conforme a gravidade da mordedura e a sua proximidade do cérebro. “Se um cão for mordido na zona da cabeça, o vírus pode atingir o cérebro mais rapidamente. Por isso, os sintomas podem surgir em poucos dias ou semanas. O mesmo se aplica aos humanos”, esclareceu.
O especialista reforçou que, apesar de a raiva ser 100% fatal após os sintomas, também é 100% evitável com tratamento imediato. “É fundamental que, após uma mordedura, a ferida seja lavada com água e sabão ou antisséptico durante 15 minutos e que a vítima se dirija de imediato ao centro de saúde mais próximo”, recomendou.
“A saliva de um cão infetado contém grande quantidade de vírus, por isso os animais salivam muito — não conseguem engolir. O mesmo acontece com os humanos quando o vírus atinge o cérebro. São sintomas muito específicos da raiva e não devem ser ignorados”, reforçou.
Alípio concluiu com um apelo à prevenção: “O Governo tem feito esforços, mas ainda não conseguiu erradicar a doença. É essencial que a comunidade colabore e garanta que os seus animais estão vacinados”.