A maioria dos casos envolve membros do Governo e autoridades de segurança. De acordo com a pesquisa do Alumni Parlamento Foinsa’e Timor-Leste, 66,7% dos cidadãos no país não conhecem a Provedoria dos Direitos Humanos e Justiça.
A Provedoria dos Direitos Humanos e Justiça (PGHJ) registou, de janeiro a julho de 2024, um total de 127 queixas, das quais 42 são de violações de direitos humanos e 85 relacionadas com questões de boa governação. Destes números, a PDHJ está atualmente a investigar 47 casos, sendo que em cinco a investigação foi encaminhada para o Ministério Público.
Numa conferência de imprensa realizada na sede do órgão, em Díli, na passada quinta-feira (15.08), o titular da PDHJ, Virgílio Guterres, informou que o órgão já solucionou cinco casos, quatro foram encaminhados para mediação e 13 foram encerrados, uma vez que foram resolvidos pelas pessoas envolvidas. Além disso, 18 registos ainda estão em fase de avaliação preliminar.
As queixas são provenientes dos municípios onde a PDHJ já estabeleceu os seus serviços, como Díli, Baucau, Maliana, Same e Oé-Cusse.
De acordo com o artigo 27.º da Constituição da República Democrática de Timor-Leste (CRDTL), no número 1, a Provedoria dos Direitos Humanos e Justiça é um órgão independente que tem competência para investigar e tentar resolver os problemas dos cidadãos em relação aos poderes públicos. A entidade foi criada em 2004.
No primeiro semestre de 2024, entre casos pendentes dos anos anteriores e mais recentes, a Direção de Investigação da PDHJ concluiu o inquérito a 45 processos. Estes relatórios incluem dois com recomendações, sete com sugestões e 36 foram arquivados por falta de provas ou por não apresentarem violações.
O provedor, Virgílio Guterres, afirmou que muitos casos estão relacionados com “abuso de poder por parte de entidades públicas, como membros da Polícia Nacional de Timor-Leste [PNTL], que usaram armas de fogo para ameaçar cidadãos, o que constitui uma violação dos direitos humanos”.
Acrescentou que a PDHJ também registou situações de violência doméstica envolvendo membros da polícia e das forças militares. “O abuso de poder também se manifesta em checkpoints onde, em alguns casos, as pessoas são agredidas com capacetes pela polícia”, destacou o provedor.
Há ainda queixas relacionadas com decisões de superiores que, muitas vezes, não seguem as normas corretas. “Um exemplo é o caso de despejos, onde cidadãos são removidos das suas residências sem preparação, resultando na perda de moradia, locais de trabalho e, consequentemente, na perda de oportunidades para as crianças frequentarem a escola”, observou Virgílio Guterres.
O provedor afirmou que a entidade está atenta às situações enfrentadas pelas comunidades em relação às evicções, como em Aitarak Laran e Bidau Santa Ana. Ressaltou que o Governo não está a cumprir as regras de despejos administrativos, uma vez que não dialogou com as comunidades afetadas.
“A investigação revelou que muitas pessoas permanecem em condições precárias por longos períodos, as crianças perdem o direito à educação e não há compensação. Estes são casos graves de violação dos direitos humanos”, enfatizou. Virgílio Guterres comunicou que a PDHJ acionou a Defensoria Pública para acompanhar a situação e dar assistência jurídica a todos os cidadãos afetados pela medida do Governo.
Recomendações feitas e não implementadas
Em relação às queixas e investigações de outros casos de violação dos direitos dos cidadãos, Virgílio Guterres lamentou que, das recomendações enviadas pela PDHJ às entidades respondentes, apenas seis foram totalmente implementadas e três de forma parcial.
“Há cerca de sete meses que os detidos não recebem apoio adequado em termos de produtos de higiene, como pasta de dentes, sabonete e champô.
O órgão também realizou a fiscalização em 35 salas de detenção em todo o território nacional. A equipa observou e identificou que, em geral, as condições dos espaços são más: há falta de equipamentos para a Polícia e, em vários locais, não há água potável.
“Em Lautém, as condições são um pouco melhores, mas ainda há necessidade de melhorias. Outras áreas, como Same, Baucau, Manatuto e Viqueque, não são apropriadas para alojar pessoas detidas. Por exemplo, a sala de detenção em Baucau funciona como um armazém”, contou o provedor.
Virgílio Guterres realçou ainda que a PDHJ supervisionou as prisões em Suai-Covalima, Gleno-Ermera, Becora-Díli. “Há cerca de sete meses que os detidos não recebem apoio adequado em termos de produtos de higiene, como pasta de dentes, sabonete e champô”, detalhou. Notou ainda que o fornecimento de alimentos para os presos, devido à empresa fornecedora estar em Díli, não segue o menu estabelecido.
O provedor explicou que o relatório sobre estes assuntos foi publicado e as advertências foram enviadas às entidades competentes e que já conversou pessoalmente com o Ministro da Justiça para que sejam tomadas providências.
A PDHJ também procedeu à monitorização dos centros de proteção social situados em Laclubar e Díli.
“Identificámos limitações nos recursos humanos para tratamento e falta de especialistas na área de psicoterapia. As acomodações para os pacientes são limitadas, há falta de veículos operacionais para transportar os pacientes e, além disso, não recebem apoio orçamental por parte do Governo”, destacou o titular da PDHJ.
Segundo Virgílio Guterres, a equipa do órgão também fez fiscalizações nos hospitais e centros de saúde em todo o território nacional. “Os principais problemas identificados são a falta de medicamentos essenciais e consumíveis e a falta de pessoal de saúde para prestar atendimento”, partilhou.
Fiscalização da constitucionalidade
A PDHJ exerce a sua função constitucional, conforme o artigo 150.º da CRDTL e já elaborou uma petição para questionar a Lei n.º 20/2023, de 12 de dezembro, sobre o “Procedimento de Concessão de Indulto e Comutação de Pena”, que foi submetida ao Tribunal de Recurso. Suportado pela referida Lei, o presidente da República, José Ramos-Horta, indultou, em dezembro do ano passado, duas ex-governantes de Timor-Leste condenadas pelo crime de participação económica em negócio.
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A contestação da PDHJ foi submetida este ano, porém, foi indeferida pelo Tribunal de Recurso. “Agora estamos no processo de reformulação do pedido. Também consideramos o pedido apresentado pela bancada parlamentar da FRETILIN e PLP, que foi avaliado pelo Tribunal”, disse Virgílio Guterres.
Além disso, a PDHJ exerce a competência constitucional em relação à “Fiscalização Abstrata da Constitucionalidade”. Leis como o artigo 1475.º do Código Civil (sobre a discriminação no casamento); o Decreto-Lei n.º 21/2021, de 10 de dezembro (que cria o subsídio mensal de transporte); e o Decreto-Lei sobre o subsídio para pessoas com deficiência são algumas das que já foram analisadas pela equipa jurídica da PDHJ, “que não identificou contradição com a CRDTL”, informou o provedor.
Pesquisa evidencia que 66,7% dos cidadãos em Timor-Leste não conhecem a PDHJ
A PDHJ, em cooperação com a Alumni Parlamento Foinsa´e Timor-Leste, realizou, em 2023, um levantamento sobre a perceção pública em relação à existência da entidade durante os seus 20 anos de operação. O resultado do inquérito mostrou que 33,3% do público conhece a PDHJ, enquanto 66,7% não conhecem.
Apoiado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o levantamento foi realizado em todos os municípios (incluindo Oé-Cusse), envolvendo um total de 5.487 pessoas, com idades entre 20 e 59 anos. Em média, cada município teve entre 393 e 482 respondentes, sendo 3.018 homens, 2.422 mulheres, 47 membros da comunidade LGBTQIA+ e 192 pessoas com deficiência.
Segundo o relatório a que o Diligente teve acesso, uma parcela significativa dos respondentes não compreende as funções específicas do órgão, incluindo a promoção e proteção dos direitos humanos e a promoção da boa governação. Apenas 33,3% dos respondentes já ouviram falar da PDHJ, 26,1% entendem que o seu papel é promover e proteger os direitos humanos, e 22,6% compreendem que o trabalho da PDHJ é promover a boa governação.
Mais da metade dos respondentes em Díli já ouviu falar e conhece a instituição, enquanto nos municípios, especialmente na Região da Ponta Leste (Baucau, Lautém, Viqueque), a taxa é significativamente menor. Cerca de 77% dos entrevistados conhecem a Provedoria principalmente através da televisão, seguida pelo Facebook com 46,9% e através de divulgação oral, com apenas 31,4%.
O estudo identificou ainda que mais de 80% dos inquiridos afirmam enfrentar dificuldades para aceder aos serviços, sendo o principal obstáculo ou barreira o desconhecimento sobre como o fazer e a distância geográfica.
“Os cidadãos sentem-se insatisfeitos e sem esperança ou confiança na instituição, pois não recebem respostas rápidas e adequadas às queixas que apresentam. Além disso, alguns dos seus problemas continuam pendentes e sem solução até agora”, destaca o relatório.
A Provedoria considerou que a pesquisa representa um passo crucial para refletir sobre as suas conquistas e identificar áreas a melhorar. “Os resultados vão orientar-nos para aperfeiçoarmos os nossos serviços, aumentarmos a confiança pública e reforçarmos o nosso papel na promoção dos direitos humanos e da boa governação”, cita no comunicado de imprensa a que o Diligente teve acesso.
Para aumentar o conhecimento do público sobre os serviços da instituição, o provedor afirmou que a Direção de Promoção e as delegações territoriais de Baucau, Same e Oé-Cusse vão continuar a divulgar informações sobre o papel da PDHJ, direitos humanos, boa governação e o processo de apresentação de queixas nos referidos municípios.
Acrescentou que, como parte da campanha pelos direitos humanos, a entidade participou na marcha do orgulho LGBTQIA+, realizada no passado dia 26 de julho, em Díli, como forma de demonstrar apoio a toda a comunidade em Timor-Leste.
Virgílio Guterres afirmou que a PDHJ já fez um acordo de cooperação com o Centro de Estudo Paz e Desenvolvimento (CEPAD) para realizar uma pesquisa sobre os princípios de boa governação em Timor-Leste e que o resultado será lançado no próximo mês.
De acordo com o Portal de Transparência do Orçamento de Timor-Leste, a alocação de recursos para a PDHJ em 2024 foi de cerca de 2 milhões de dólares americanos e a entidade já executou 49% até 14 de agosto.
Os 12 milhoes davam ca um jeito!