Políticas públicas: Timor-Leste e a nova política do presidente dos EUA, Donald Trump

Timor-Leste deve trabalhar seriamente na reforma fiscal e investir na economia interna e, ao mesmo tempo, mobilizar as finanças públicas através do investimento interno em áreas produtivas /Foto: DR

Logo após a tomada de posse, o novo presidente americano, Donald Trump, assinou uma série de ordens executivas e fez alterações significativas nos primeiros dias do seu mandato, causando impacto em vários setores e políticas em todo o mundo. Para além de mudanças políticas internas, o presidente Trump retirou os Estados Unidos da América (EUA) do Acordo de Paris sobre Alterações Climáticas e de outras organizações regionais e ordenou a suspensão de todos os Programas de Apoio ao Desenvolvimento (APD) patrocinados e financiados pelos EUA. Tal medida não só reconfigura a política externa dos EUA, mas mudou completamente a política desde que o presidente John F. Kennedy criou a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) a 3 de novembro de 1961. Algumas destas ordens executivas incluem:

– A reestruturação das agências de APD dos EUA e a sua estrutura. Trump propôs eliminar ou reestruturar várias agências, incluindo o Departamento de Educação, a Agência de Proteção Ambiental (EPA) e a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID).

– Congelamento da assistência humanitária, que contempla o congelamento de milhares de milhões de dólares na assistência humanitária a outros países, afetando assim os programas de ajuda em todo o mundo.

-A mudança das políticas de imigração e introdução da política de não tolerância aos migrantes ilegais. Milhares de migrantes ilegais nos EUA principalmente provenientes da América Latina, foram detidos e mandados de volta aos seus respetivos países.

– Mudanças nos cuidados de saúde e na nutrição, nos quais a administração de Trump alterou os programas de saúde e nutrição, incluindo os que prestam assistência nutricional a bebés e crianças subnutridas.

– Alterações nas políticas ambientais, incluindo reverter as regulamentações ambientais e rescindir os fundos climáticos, o que poderia ter implicações significativas para as políticas ambientais globais.

– Estas mudanças podem ter impactos nos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (PEID), que recebem apoio financeiro dos EUA, e milhares de funcionários que trabalham nestas instituições. Para os PEID, como Timor-Leste, que utilizam o dólar americano como moeda nacional, estas mudanças poderão ter consequências de longo alcance, incluindo o término da licença para o uso do dólar, potenciais perturbações nos programas de ajuda, instabilidade económica e impactos sobre a saúde e a nutrição.

Estas mudanças refletem uma transformação significativa na política americana em todo o mundo, com potenciais consequências para os programas de ajuda global, as políticas ambientais e a estabilidade financeira e económica.

O que Timor-Leste e outros países insulares devem fazer?

Para se protegerem económica e financeiramente da mudança na política americana durante a administração do presidente Donald Trump, muitos países do mundo introduziram várias políticas para se protegerem, mas, ao mesmo tempo, optaram por continuar a colaborar com o governo dos EUA para evitar qualquer reação e impacto direto. Embora esta abordagem seja considerada politicamente ambígua, é necessária uma abordagem cuidadosa para evitar qualquer reação direta que possa pôr em perigo as economias pequenas e frágeis, como Timor-Leste, e evitar um colapso total. Neste sentido, o governo de Timor-Leste deverá considerar as seguintes estratégias:

Timor-Leste deve trabalhar seriamente na reforma fiscal e investir na economia interna e, ao mesmo tempo, mobilizar as finanças públicas através do investimento interno em áreas produtivas. É bom saber que o governo de Timor-Leste está a começar a investir muito em infraestruturas, especialmente em estradas, transportes, telecomunicações e na área da digitalização. Esperamos que este investimento possa ajudar a resolver algumas das fragilidades no caso de uma mudança radical na política monetária do presidente Donald Trump.

No entanto, é importante manter uma relação equilibrada com os EUA. Apesar da mudança na política americana, Timor-Leste deve continuar a colaborar com o governo dos EUA para manter uma forte relação bilateral e proteger os seus interesses. A relação com os EUA não é apenas importante, mas também estratégica, tanto mais que Timor-Leste também subscreve a perspetiva do Indo-Pacífico.

Timor-Leste precisa de diversificar as parcerias comerciais e reforçar as relações comerciais com outros países, especialmente aqueles que fazem parte da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), não para reduzir a dependência do mercado dos EUA, mas para se salvaguardar dos efeitos devastadores de tais políticas. Timor-Leste deveria começar a dar prioridade às relações comerciais com países selecionados da ASEAN e da Ásia no seu conjunto. As relações económicas com a China, o Japão, a Índia, a Indonésia e a Austrália também devem ser priorizadas e reforçadas.

Timor-Leste precisa de monitorizar e adaptar-se às políticas comerciais dos EUA, particularmente as relacionadas com tarifas e o Sistema Generalizado de Preferências (SGP), e adaptar as suas estratégias comerciais em conformidade.

Timor-Leste também precisa de trabalhar na promoção da resiliência económica, concentrando-se na promoção desta e investindo em setores-chave como a agricultura, o turismo e o desenvolvimento de infraestruturas. Não há tempo para esperar. O presidente José Ramos-Horta apresentou brilhantemente a ideia ao presidente Jokowi, da Indonésia, sobre uma Zona Industrial de Cooperação (Parque Industrial) a ser desenvolvida conjuntamente ao longo da fronteira com Timor Ocidental, mas nenhum esforço foi conduzido neste sentido.

Como membro da ASEAN, Timor-Leste deve promover a cooperação regional para enfrentar os desafios económicos comuns e promover a integração económica regional. Contudo, uma vez que Timor-Leste não tem acesso à ASEAN, deverão ser adotadas prioridades económicas seletivas com países seletivos que possam beneficiar diretamente Timor-Leste.

Timor-Leste não pode esperar mais, mas sim tomar medidas preventivas e abandonar a sua política convencional de “esperar e observar”. Tais medidas são necessárias e indispensáveis, tendo em conta que Timor-Leste ainda não está preparado economicamente para se tornar financeiramente independente.

Uma vez adotadas, espera-se que estas estratégias possam reduzir a vulnerabilidade económica de Timor-Leste devido às mudanças na política americana e, em torno, promover o crescimento económico sustentável e o desenvolvimento. É urgente que se forme uma equipa constituída por especialistas e liderada pelo gabinete de Sua Excelência o Primeiro-Ministro para analisar esta questão.

Esta opinião é pessoal e não vincula a instituição que o autor representa.

 

Dionísio da Costa Babo Soares é académico e político timorense, doutorado em Antropologia pela Universidade Nacional da Austrália em 2003. Atualmente é o Representante Permanente de Timor-Leste junto da Organização das Nações Unidas. Foi ministro dos Negócios Estrangeiros de 2018 a 2020, para além de outros cargos importantes ao longo da sua carreira

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  1. Dionisio, para que isso aconteca a ” velha guarda” tem de arrumar as botas e dar lugar aos mais jovens com canudos. Devia ter acontecido ha 10 anos atras. A velha guarda, “raposas velhas”, andam a marcar passo, pisar ovos, pois sofrem do reumatico politico.
    Timorenses como tu, o Zacarias da Costa, etc…
    Ponham os politicos “geriatricos” no albergue para idosos.

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