Em Timor-Leste, centenas de jovens abandonam as suas casas nos municípios para estudar em Díli ou noutras cidades. A maioria vive em casas arrendadas com condições mínimas, sem apoios institucionais. O custo do sonho educativo é, muitas vezes, a fome, o medo e o sacrifício da dignidade.
Em busca de melhores oportunidades educativas, estudantes provenientes de municípios distantes enfrentam sérias dificuldades ao viver em casas arrendadas nas cidades. Sem apoio suficiente, lidam diariamente com problemas financeiros e condições de habitação precárias.
Em Timor-Leste, muitos jovens das zonas rurais mudam-se para Díli para frequentar o ensino secundário ou superior. Esta realidade reflete a ambição de melhorar as suas perspetivas de futuro, mas traz consigo inúmeros desafios. Entre os principais estão as despesas com renda, alimentação, transportes e materiais escolares — custos muitas vezes suportados sem qualquer tipo de apoio.
As casas onde vivem são, frequentemente, pequenas, degradadas e sem condições mínimas de higiene ou segurança. Estas limitações afetam não só a saúde física e mental dos estudantes, mas também o seu desempenho académico. Para além disso, enfrentam a saudade do lar, o choque com o ambiente urbano e o peso de terem de gerir autonomamente o seu dia a dia.
O apoio das famílias e das instituições de ensino é muitas vezes insuficiente, tornando esta jornada ainda mais dura para jovens que apenas procuram estudar.
Testemunhos de resistência: quando estudar é um ato de sobrevivência
Florindo da Conceição Pires, estudante do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Nacional de Timor Lorosa’e (UNTL), natural de Mape, em Covalima, partilha as dificuldades que enfrenta devido à sua origem humilde e à falta de recursos. Para garantir as suas necessidades básicas, vende cigarros à noite, depois das aulas. Vive sozinho numa casa arrendada com condições limitadas, por opção própria.
“Antes, morava com amigos para dividir as despesas, mas percebi que o ambiente não favorecia o estudo. Faltava sentido de comunidade, o que afetava os meus valores e dedicação. Por isso, decidi viver sozinho, apesar das dificuldades, e comecei a vender cigarros à noite. A minha mãe, que é agricultora, não tem meios para me apoiar, por isso tive de encontrar alternativas.”
Manuel Transiano Salsina, estudante da Universidade Oriental de Timor Lorosa’e (UNITAL), vive numa casa arrendada em Becora. Tal como Florindo, vende cigarros para sobreviver e manter os estudos. “Às vezes, quase chega o dia de pagar a casa e não tenho dinheiro. Nessas alturas, sinto um grande peso, porque o senhorio não gosta de atrasos. Em relação à comida, costumo partilhar com amigos no campus, antes de voltar ao trabalho à noite.”
Manuel paga 50 dólares por mês de renda, sem incluir eletricidade. Só têm água à noite, mas, segundo ele, isso já é o habitual e não representa o maior problema.
Abriela Joana Nunes Gago, estudante da UNTL, é natural de Ermera. Vive numa casa arrendada cuja renda mensal — 30 dólares, excluindo água e luz — é paga pela mãe. Para ajudar no sustento, faz trabalhos de desenho, embora nem sempre consiga encomendas. “A maior dificuldade é a comida. Às vezes não tenho nada para comer. Quando isso acontece, ajudo os vizinhos — quase todos agricultores — na colheita, em troca de algum alimento.”
A casa onde vive tem apenas 3×2 metros. Para Abriela, vinda de uma família simples, trabalhar e estudar é uma rotina de sacrifício constante.
Faustino Camões, estudante de Ciência Política na UNTL, já vive em casas arrendadas há sete anos. Mudou-se três vezes por falta de condições adequadas. “Já vivi em sítios onde havia muitos conflitos entre jovens. Uma vez senti-me ameaçado ao chegar tarde a casa.”
Atualmente, vive em Manleu, numa casa com condições mais seguras, mas continua a enfrentar problemas com o abastecimento de água. “A água só está disponível de manhã, e às vezes nem isso. Chego a passar dois ou três dias sem tomar banho antes de ir para o campus.”
Além disso, as casas de banho e sanitas partilhadas são insalubres e difíceis de usar. “A casa tem 40 quartos, uma casa de banho e uma sanita exterior. É muito difícil.”
Escolheu ficar devido ao ambiente tranquilo e à flexibilidade do proprietário nos pagamentos. Consegue pagar os 60 dólares mensais, com água e luz incluídas, graças ao seu trabalho numa instituição pública. O quarto onde vive tem 3×4 metros.

Apoio institucional: tímido, desigual e insuficiente
A diretora-geral do Ministério do Ensino Superior, Ciência e Cultura (MESCC), Maria Filomena Lay, defende que a qualidade do ensino não deve depender da localização geográfica. “As instituições, sejam novas ou antigas, devem seguir os mesmos padrões de infraestruturas, recursos e currículo. No entanto, sabemos que há instituições em municípios com menor qualidade. Alguns professores não estão disponíveis ou acumulam funções, o que compromete o ensino.”
Reconhece que muitos estudantes vindos dos municípios enfrentam dificuldades sérias. “Muitos deslocam-se para estudar e pagam as propinas por conta própria. Vivem em quartos arrendados sem condições mínimas.”
Apesar de algumas instituições terem começado a construir residências estudantis, ainda não existe um plano nacional de apoio. “Durante a pandemia, os apoios foram pontuais e urgentes. No futuro, poderão surgir medidas mais consistentes, mas cada instituição tem autonomia para gerir a situação dos seus alunos.”
A Ministra da Solidariedade Social e Inclusão, Verónica das Dores, afirma que o ministério está a prestar apoio a estudantes deslocados, mas recusou detalhar as medidas. “Estamos a apoiar estudantes de fora, tanto ao nível dos custos escolares como da alimentação. No entanto, cada caso é avaliado individualmente pela equipa técnica, que determina o tipo de apoio a prestar.”
O Reitor da UNTL, João Soares Martins, confirmou que a universidade não tem um programa específico para apoiar os estudantes deslocados. “A decisão de viver numa residência privada é uma escolha pessoal. A UNTL só dispõe de dormitórios para estudantes do curso de Engenharia, no polo de Hera.”
Acrescenta que os alunos com dificuldades podem procurar ajuda no Campus Ministry ou junto da pró-reitora para os assuntos estudantis. “Estamos mais concentrados nas atividades letivas e extracurriculares. Não temos uma resposta direta para a questão da habitação.”
Já o Institute of Business (IOB) apresenta uma abordagem diferente. O Vice-Reitor II, Vacio Sarmento Soares, afirma que entre 70% e 75% dos alunos do IOB vêm de fora do município onde está localizado o campus. “Disponibilizamos residências estudantis para estes casos. Desde 2018, temos um programa chamado ‘regime especial’, que concede bolsas de estudo parciais a estudantes de três municípios por ano. A redução nas propinas pode chegar aos 50%.”
Uma juventude em movimento: migração interna por necessidade
José Monteiro, diretor executivo da Timor-Leste Coalition for Education (TLCE), reconhece que ainda não foi feito um estudo sobre a urbanização estudantil, mas salienta a responsabilidade do governo nesse planeamento.
“Em todo o mundo, é o governo que deve planear e gerir os locais onde os estudantes podem viver com segurança e acesso a serviços. Em Timor, muitos jovens vivem em terrenos do Estado sem autorização, ou constroem junto à estrada, em busca de oportunidades para estudar ou trabalhar.”
Acrescenta que não é raro ver vários jovens a partilhar uma mesma pensão para conseguir pagar a renda. “No passado, havia regulamentos para estas pensões, mas hoje são ocupadas por mais de uma pessoa para dividir custos. O custo da renda ainda é acessível, mas os preços da água e da luz estão a aumentar.”
A migração interna em Timor-Leste tem impacto direto na redistribuição da população. Segundo o Censos 2022, mais de 235 mil timorenses vivem atualmente num município diferente daquele onde nasceram — 17,5% da população. Todos os municípios, com exceção de Díli, perderam população. As maiores perdas foram registadas em Viqueque (16,1 mil), Bobonaro (17,5 mil) e Baucau (21,1 mil).
Esta mobilidade está diretamente ligada à procura de melhores oportunidades, sobretudo em Díli, onde se concentra a maioria das instituições de ensino superior e oportunidades de emprego. Milhares de estudantes e famílias mudam-se para a capital na esperança de um futuro melhor — mesmo quando a única coisa que os espera é um quarto exíguo, uma refeição incerta e um sonho por cumprir.