Lei antitabaco esquecida: fumar em espaços públicos continua sem sanções em Timor-Leste

De acordo com os artigos 5.º e 7.º do regulamento nacional de controlo do tabaco, é expressamente proibido fumar em locais como instituições de ensino, centros de saúde, transportes públicos, locais de trabalho e outras instalações públicas fechadas/ Foto: Diligente

Apesar da proibição legal de fumar em espaços públicos fechados e da obrigatoriedade de afixar sinalização adequada, a prática continua generalizada em Timor-Leste. No Dia Mundial Sem Tabaco, a realidade expõe a fragilidade da fiscalização e a indiferença institucional perante uma crise de saúde pública que afeta até os mais jovens.

A aproximação do Dia Mundial Sem Tabaco, que se assinala no próximo dia 31 de maio, oferece uma oportunidade para refletir sobre o cumprimento da legislação em vigor e sobre a responsabilidade do Estado na proteção da saúde pública. Lançado pela Organização Mundial da Saúde, este dia pretende alertar para os riscos do consumo de tabaco e da exposição ao fumo passivo, especialmente entre crianças, jovens e grupos vulneráveis.

Apesar de a legislação timorense proibir de forma clara o ato de fumar em espaços públicos fechados e exigir a afixação de sinalização adequada, estas normas continuam a ser sistematicamente desrespeitadas, refletindo a ineficácia da aplicação da lei.

Um exemplo recente foi registado: um condutor de microlete a fumar durante o serviço, colocando em risco a saúde e segurança dos passageiros.

De acordo com os artigos 5.º e 7.º do regulamento nacional de controlo do tabaco, é expressamente proibido fumar em locais como instituições de ensino, centros de saúde, transportes públicos, locais de trabalho e outras instalações públicas fechadas. A legislação exige também que esses espaços exibam sinais visíveis de proibição de fumar, de acordo com os padrões definidos pelo Ministério da Saúde.

Na prática, no entanto, estas regras raramente são cumpridas. A grande maioria dos locais obrigados a afixar sinalização não o faz, e as autoridades, confrontadas com violações públicas da lei, não atuam. Como resultado, a população continua indiferente à legislação em vigor. Além de proibição de locais para fumar, o regime prevê também a criação do Conselho Nacional de Controlo do Tabaco que visa apoiar a implementação de campanhas de combate ao tabagismo em Timor-Leste.

Luís Francisco e Baltazar da Silva começaram a fumar na adolescência, influenciados por amigos, e admitem conhecer os riscos associados. Luís afirma que evita fumar em microletes, escolas e centros de saúde, mas continua a fazê-lo em outros espaços públicos quando está com amigos.

“Quando estou sozinho, não fumo. E não sabia que o fumo do cigarro podia fazer mal às pessoas à minha volta”, disse.

Baltazar, por sua vez, afirma que fuma frequentemente em espaços públicos e admite saber que é proibido fumar antes dos 17 anos, mas nunca foi repreendido. “Sei que os fumadores passivos também são afetados, mas continuo a fumar perto de outras pessoas”, confessa. Diz querer deixar de fumar, mas considera difícil, porque já está habituado.

Os seus testemunhos refletem a facilidade de acesso ao tabaco por menores e a ausência de ações educativas eficazes, reforçando a urgência de aplicar a legislação e promover campanhas de sensibilização.

Vários cidadãos expressam desconforto com o fumo passivo e apontam falhas graves na proteção dos seus direitos. Areno Luís Soares afirmou: “Não gosto de estar perto de fumadores. O cheiro enjoa-me. O tabaco só prejudica a saúde.” Diz que já tentou convencer amigos a parar, mas ouviu respostas sarcásticas: “Não vais morrer com o meu fumo.”

Nina Novita relata situações frequentes de desconforto dentro das microletes. “Sinto-me muito mal com o cheiro. O Governo devia levar esta questão mais a sério, mas parece que não se importa.”

Lúcia da Silva refere que o fumo lhe provoca dificuldades respiratórias. “Quando estou perto de fumadores, fico logo com falta de ar. O fumo contém substâncias perigosas.” Conta que o marido é fumador e, apesar de ter tentado deixar o vício com ajuda médica, volta sempre a fumar. “Peço-lhe para não fumar dentro de casa porque temos uma criança pequena.”

Estes testemunhos evidenciam uma consciência crescente sobre os perigos do fumo passivo, mas também um sentimento generalizado de abandono por parte das autoridades.

Fiscalização falha e desrespeito pela lei expõem população aos riscos do tabaco

A Aliança Nacional de Controlo do Tabaco de Timor-Leste (ANCTTL) denuncia a fraca aplicação da legislação antitabágica no país e a escassez de ações de fiscalização por parte das autoridades competentes.

O diretor da ANCTTL, Sancho Fernandes, sublinha que a lei em vigor já prevê um enquadramento claro: permite fumar a adultos, mas proíbe expressamente o consumo de tabaco em espaços públicos fechados, incluindo transportes públicos.

“O principal problema é que, apesar da existência da lei, continua-se a fumar em espaços públicos, sobretudo dentro das microletes. As autoridades responsáveis ainda não assumiram plenamente a sua obrigação de fiscalizar e aplicar sanções”, afirmou.

De acordo com Sancho Fernandes, o fumo de cigarro afeta diretamente os não fumadores e fumar dentro das casas é, por natureza, difícil de controlar. Por isso, considera que a sensibilização e a educação cívica são fundamentais para proteger a saúde das famílias e da comunidade em geral.

A ANCTTL desenvolve atualmente quatro programas prioritários, com destaque para o acompanhamento da aplicação da lei pelas autoridades e a realização de estudos sobre a eficácia das campanhas de proibição de fumar em espaços públicos. Segundo um estudo recente da organização, apenas os centros de saúde, entre os 26 locais públicos avaliados, cumprem corretamente a lei e exibem sinalização adequada. Os resultados foram entregues ao Ministério da Saúde e a outras instituições, mas, até ao momento, não foram adotadas medidas concretas para responder à situação.

“Continuamos a realizar ações de sensibilização em locais públicos e através dos meios de comunicação, divulgando os efeitos nocivos do tabaco para fumadores e não fumadores. No entanto, ainda não temos dados quantitativos detalhados sobre o nível de conhecimento da população em relação aos perigos do tabaco”, acrescentou.

Através de observações no terreno, a ANCTTL concluiu que o consumo de tabaco em locais proibidos permanece generalizado e que a aplicação das sanções previstas na lei é praticamente inexistente.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o tabaco mata mais de oito milhões de pessoas por ano. Destas, mais de sete milhões morrem devido ao consumo direto, enquanto cerca de 1,3 milhões são vítimas do fumo passivo.

A OMS alerta que todas as formas de consumo de tabaco são prejudiciais e que não existe qualquer nível seguro de exposição ao fumo, seja de cigarros, charutos ou cachimbos. “O fumo ambiental do tabaco (fumo passivo) continua a ser uma ameaça fatal”, sublinha a organização. “Todos os anos, mais de um milhão de pessoas morrem devido à exposição ao fumo, mesmo sem serem fumadoras. A exposição, mesmo que breve, pode provocar danos graves.”

Estudos mostram que a qualidade do ar em ambientes onde se permite fumar pode ser pior do que em ruas com tráfego intenso ou durante incêndios de grandes dimensões. A exposição ao fumo está associada a doenças cardiovasculares, vários tipos de cancro, problemas respiratórios e outras patologias.

O impacto é ainda mais grave em bebés e crianças. A exposição ao fumo durante a gravidez ou nos primeiros meses de vida aumenta o risco de parto prematuro, baixo peso à nascença e duplica a probabilidade de Síndrome da Morte Súbita Infantil (SMSI).

A OMS reforça que a única forma eficaz de proteger a população dos perigos do fumo passivo é a proibição total de fumar em todos os espaços públicos fechados, incluindo locais de trabalho, restaurantes, bares e transportes públicos.

As diretrizes do Artigo 8.º da Convenção-Quadro da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o Controlo do Tabaco (OMS FCTC) foram concebidas para ajudar os países a implementar políticas abrangentes de ambientes livres de fumo. A evidência mostra que estas leis não prejudicam a economia e contam com amplo apoio público em vários países.

De acordo com o inquérito Global Youth Tobacco Survey (GYTS), conduzido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2019, cerca de 37% dos jovens timorenses fumam. Estes dados colocam Timor-Leste no terceiro lugar entre os países do Sudeste Asiático com maior prevalência de consumo de tabaco entre jovens. O estudo revela que quatro em cada dez estudantes, com idades entre os 13 e os 15 anos, têm o hábito de fumar — um sinal alarmante para a saúde pública.

Segundo o The Tobacco Atlas, uma plataforma desenvolvida em parceria entre a Vital Strategies e a Tobacconomics da Universidade Johns Hopkins, Timor-Leste continua a apresentar níveis elevados de consumo de tabaco, com sérias implicações para a saúde pública.

Os dados de 2022 indicam que cerca de 30,8% da população adulta timorense é fumadora. Entre os mais jovens, a situação também é preocupante: 22,9% dos adolescentes consomem produtos de tabaco.

O impacto do tabagismo vai muito além do comportamento individual — estima-se que 10,5% de todas as mortes no país estejam diretamente associadas ao consumo de tabaco, representando uma carga significativa para o sistema nacional de saúde.

O The Tobacco Atlas é uma plataforma online gratuita que avalia a dimensão e as consequências da epidemia global do tabaco e disponibiliza soluções baseadas em evidência científica para apoiar os países na implementação de políticas eficazes de controlo do tabaco.

O Diligente contactou o Ministério da Saúde para obter esclarecimentos sobre a fraca aplicação da legislação antitabaco e para saber que medidas estão previstas no combate ao consumo de tabaco em locais públicos. Até ao momento da publicação desta reportagem, não foi recebida qualquer resposta.

Em Timor-Leste, a lei que proíbe fumar em espaços públicos fechados existe, mas continua a ser amplamente desrespeitada. A ausência de fiscalização eficaz, a falta de sinalização e a normalização social do consumo de tabaco, mesmo entre menores, contribuem para uma realidade que contraria os esforços internacionais de controlo do tabagismo. Testemunhos de cidadãos, estudos da ANCTTL e dados da OMS evidenciam os riscos para a saúde pública, sobretudo através da exposição ao fumo passivo. Com o Dia Mundial Sem Tabaco a assinalar-se a 31 de maio, permanece por cumprir o desafio de garantir ambientes livres de fumo em Timor-Leste.

 

 

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