Eduardo Soares: “O jornalismo deve estar ao lado do povo, dos estudantes, especialmente dos mais carenciados, que são vítimas de um sistema desigual”

“Espero que esta reportagem possa, de alguma forma, ajudar não só o Honório, mas todas as crianças pobres de Timor-Leste” / Foto: DR

Formado pelo Consultório da Língua para Jornalistas, foi um dos 18 jovens que, durante 15 meses, mergulharam numa formação intensiva em português e jornalismo. Com mais seis colegas, fundou o Diligente, o primeiro órgão de comunicação social timorense integralmente em língua portuguesa.

Fala com serenidade, mas cada palavra transporta uma urgência. A urgência de dar voz aos que não têm voz. A urgência de expor o que está mal, para que possa ser mudado. Foi essa urgência que levou Eduardo Soares a escrever a reportagem sobre as desigualdades no acesso à educação em Timor-Leste — um trabalho que lhe valeu o Prémio Adelino Gomes. Promovido pelo Conselho de Imprensa, o galardão distingue o melhor produto jornalístico em língua portuguesa.

Mas o caminho não começou aí. A sua trajetória começou no Consultório da Língua para Jornalistas (CLJ), um projeto de formação promovido pela Secretaria de Estado da Comunicação Social (SECOMS) e pelo Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, I.P., onde, durante mais de um ano, aprendeu a pensar criticamente, a escrever com rigor e a usar o português como ferramenta de cidadania.

Até hoje, o CLJ já formou centenas de profissionais e foi responsável por capacitar os 18 jovens que viriam a integrar as secções de português de vários órgãos de comunicação social, incluindo os fundadores do Diligente. Entre eles estava Eduardo, que assumiu o cargo de diretor.  Ao reforçar a correção linguística e a qualidade da informação transmitida em português, o projeto tem contribuído ativamente para o fortalecimento da literacia mediática em Timor-Leste.

Nesta entrevista, o jornalista reflete sobre o poder do jornalismo na construção de uma sociedade mais justa, os obstáculos que enfrentou, o sonho do pequeno Honório e a responsabilidade de dar continuidade a uma missão: informar, esclarecer, despertar consciências.

O que o motivou a escrever uma reportagem sobre as desigualdades no acesso à educação em Timor-Leste?

A motivação para escrever esta reportagem surgiu da minha experiência como estudante e da realidade que testemunhei. Na sociedade em que vivi, vi que as crianças pobres frequentam escolas públicas sem condições, enquanto os filhos dos mais ricos vão para escolas de qualidade. Os mais pobres não têm outra opção senão colocar os filhos na escola pública, porque não têm dinheiro para pagar escolas melhores. Ter acesso a uma educação de qualidade tornou-se algo que se compra — o que contraria a Lei de Bases da Educação, que garante uma educação de qualidade, gratuita e igual para todos os timorenses. Quis retratar esta realidade na reportagem para que o Estado e todas as entidades relevantes possam tomar as medidas necessárias para mitigar esta desigualdade e preparar Timor para um futuro melhor.

Quais foram os principais obstáculos que enfrentou durante a investigação e a escrita da reportagem?

A maior dificuldade, que é comum a muitos jornalistas, foi a falta de acesso a dados relevantes. Além disso, os responsáveis do Governo, especialmente do Ministério da Educação, não se mostraram disponíveis para responder às nossas questões sobre este problema. Enviámos cartas, deslocámo-nos várias vezes, mas o diretor ou o responsável nunca estava presente. Isto revela a falta de seriedade por parte dos governantes em resolver esta questão.

Houve algum testemunho ou situação que o tenha marcado especialmente enquanto escrevia esta peça?

A situação que mais me marcou foi a entrevista com o Honório. Ele vem de uma família pobre. Todos os dias come arroz com espinafres; por vezes, apenas arroz. É muito raro comer fruta ou carne. Quando lhe perguntei o que queria ser no futuro, respondeu-me com determinação que queria ser Presidente. Fiquei emocionado, porque apesar das dificuldades e da realidade miserável em que vive, o Honório mantém um sonho.

Espero que esta reportagem possa, de alguma forma, ajudar não só o Honório, mas todas as crianças pobres de Timor-Leste. Desejo que sirva sobretudo para despertar o Estado para a necessidade urgente de melhorar as condições das escolas públicas, para que os sonhos destas crianças não sejam enterrados pela falta de oportunidades.

“Fico feliz por ter conseguido expor este problema da educação ao público timorense”/foto:Diligente

A reportagem que lhe valeu o Prémio Adelino Gomes teve um impacto significativo junto dos leitores. Que tipo de reações recebeu após a sua publicação? 

Fico feliz por ter conseguido expor este problema da educação ao público timorense. Mas ficaria ainda mais feliz se o Estado e as entidades competentes tomassem medidas concretas para apoiar as famílias e crianças pobres, melhorar as infraestruturas básicas das escolas públicas, formar professores, entre outras ações.

Na sua opinião, que papel deve o jornalismo desempenhar na luta por uma educação mais justa e acessível em Timor-Leste?

Acredito que o jornalismo deve estar ao lado do povo, dos estudantes, especialmente dos mais carenciados, que são vítimas de um sistema desigual. Deve lutar pela justiça social. O jornalismo deve expor as desigualdades no setor da educação, denunciar a falta de infraestruturas, a escassez de professores qualificados, a carência de materiais escolares e a discrepância entre o ensino público e privado. Isso faz-se dando voz aos estudantes, pais e professores, e confrontando o Governo com a realidade.

Frequentou o Consultório da Língua para Jornalistas, uma formação promovida pelo Instituto Camões e pela Secretaria de Estado da Comunicação Social. Como descreve essa experiência?

Foi uma experiência muito rica, que deveria ser alargada a todos os jornalistas timorenses. A formação ajudou-me a aprofundar o conhecimento da língua portuguesa, a aperfeiçoar a escrita jornalística e a desenvolver o pensamento crítico — temas essenciais para uma comunicação clara e eficaz. Os formadores foram excelentes: acompanharam-nos de perto e ouviram as dificuldades que cada um enfrentava, ajudando-nos a superá-las. Sugiro que este tipo de formação se realize com maior frequência e envolva mais jornalistas, para melhorar a qualidade do jornalismo em Timor-Leste.

De que forma essa formação contribuiu para o seu crescimento como jornalista, especialmente na escrita em português?

Ajudou-me a desenvolver uma postura crítica perante a realidade. Além disso, ensinou-me técnicas para escrever reportagens, como o uso dos cinco sentidos — ver, ouvir, cheirar, etc. — para descrever acontecimentos e tornar as reportagens mais sensíveis e envolventes. Aprendi não só língua portuguesa, mas também técnicas de escrita aplicadas a áreas como justiça, saúde, economia, entre outras. Essas aprendizagens foram fundamentais para conseguir escrever de forma clara e compreensível em português.

Recorda-se de alguma orientação específica do Consultório que tenha aplicado diretamente na reportagem premiada? 

Sim. Quando comecei a pensar nesta reportagem, lembrei-me da orientação da formadora, que sugeriu acompanhar os estudantes no seu dia a dia para perceber melhor a sua realidade. Essa sugestão foi muito útil. Os formadores também nos incentivaram a procurar dados que sustentassem a reportagem, ajudaram na revisão linguística e deram outras orientações valiosas. Tudo isso contribuiu muito para a qualidade da reportagem.

A língua portuguesa é uma ferramenta fundamental no exercício do jornalismo em Timor-Leste. Que desafios enfrentou no início e como é que esta formação o ajudou a superá-los?

No início, enfrentei muitas dificuldades, como escrever uma notícia ou reportagem de forma organizada, definir o ângulo da história e evitar erros gramaticais. Com esta formação, os professores ensinaram-nos a identificar e destacar a informação mais importante no lead ou cabeçalho, deixando as restantes como complementares. Ensinaram-nos também a rever os textos e corrigir os erros, para garantir que as notícias fossem mais claras e bem escritas.

Sente que, após essa experiência, escreve com mais confiança e domínio da língua? 

Depois desta experiência, sinto-me mais confortável a escrever uma notícia. No entanto, ainda preciso da ajuda dos colegas para rever os textos, e do apoio dos professores do Consultório da Língua, para poder tornar-me mais autónomo.

O que aprendeu sobre o uso do português no jornalismo que considera essencial para outros jovens jornalistas timorenses? 

Acho que a língua portuguesa é essencial para os jovens jornalistas, porque é uma língua rica. Compreender o português permite-nos enriquecer o vocabulário e dominar conceitos importantes nas áreas da justiça, saúde, educação, economia, entre outras. Além disso, isso ajuda-nos a escrever um tétum mais completo e claro, já que muitos conceitos nestas áreas só existem em português.

Acredita que iniciativas como o Consultório da Língua deveriam ser mais regulares e alargadas a mais profissionais da comunicação em Timor-Leste? Porquê? 

Gostaria muito que esta iniciativa fosse alargada a todos os jornalistas, pois ensina aspetos fundamentais que contribuem para formar jornalistas de qualidade. Além disso, os professores criaram manuais adaptados aos desafios da comunicação timorense e acompanham verdadeiramente os formandos. Esta aprendizagem é ainda mais eficaz porque, após a parte teórica, há a oportunidade de realizar um estágio para aplicar os conhecimentos adquiridos. Isto pode traduzir-se, de forma concreta, num jornalismo de maior qualidade em língua portuguesa.

Está atualmente a fazer o mestrado em Portugal. Como é que esta etapa está a contribuir para o seu percurso jornalístico?

Esta formação está a ajudar-me a compreender melhor o funcionamento do espaço público num Estado de direito democrático. O jornalismo é essencial para dar vida a esse espaço público. Além de me oferecer competências para ler e escrever em português, a formação proporciona conceitos-chave que estão a ser fundamentais para o meu mestrado em Filosofia.

Que tipo de jornalismo gostaria de continuar a fazer no futuro? 

Gostaria de fazer jornalismo de investigação no futuro.

O que espera trazer para Timor-Leste, quer da experiência do mestrado, quer da experiência no Diligente, para fortalecer o jornalismo no país? 

Gostava que os cidadãos timorenses desenvolvessem uma consciência crítica. Para isso, acredito que é essencial promover a formação cidadã, que ajude os cidadãos a compreender os seus direitos e deveres, bem como os do Estado. Esta formação pode acontecer de várias formas — através de cursos, programas educativos ou, sobretudo, por meio do jornalismo, que tem um papel fundamental ao informar e formar os cidadãos sobre o que se passa no país. Estes são os principais objetivos que espero alcançar com a minha experiência.

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