Especialistas destacam o papel dos direitos digitais no desenvolvimento sustentável de Timor-Leste, sublinhando a necessidade de legislação inclusiva, transparência na governação e acesso igualitário à tecnologia.
No mundo contemporâneo, a tecnologia digital desempenha um papel crucial no quotidiano, sendo os direitos digitais um elemento central para alcançar o progresso. Em Timor-Leste, o acesso à tecnologia e ao espaço digital apresenta-se como uma oportunidade única para melhorar a governação, promover a igualdade e incentivar a participação da juventude no desenvolvimento nacional.
Direitos digitais: uma ferramenta para inclusão e participação juvenil
Os direitos digitais não se limitam à legislação ou às políticas públicas. Refletem também a capacidade de assegurar que todos tenham igual acesso à informação, à comunicação e à inovação. Num país onde a juventude representa uma parcela significativa da população, o espaço digital pode transformar-se numa plataforma poderosa para que os jovens expressem as suas ideias, partilhem visões e se envolvam no futuro do país.
A promoção de direitos digitais justos e inclusivos pode abrir caminho para uma governação mais transparente, reduzir desigualdades sociais e permitir que a juventude assuma um papel de liderança inovadora. Foi neste contexto que, na passada quinta-feira, 9 de janeiro, a ITP TL (Associação de Informação e Tecnologia Progressiva de Timor-Leste) organizou o seminário Intersectionality of Digital Rights in Timor-Leste, (Interseccionalidade dos Direitos Digitais, em português) em Timor-Leste na Fundação Oriente.
O evento reuniu oradores especializados em tecnologia para discutir os desafios e oportunidades associados à digitalização e aos direitos digitais em Timor-Leste, com enfoque nos impactos da inovação tecnológica na juventude.
No seminário, os oradores destacaram a importância do acesso digital, da criação de legislação específica e da definição de políticas governamentais inclusivas para impulsionar a digitalização em Timor-Leste. A interseccionalidade foi um dos temas centrais, sublinhando que o desenvolvimento digital não se limita à tecnologia, mas deve também abordar desigualdades sociais, assegurando que o acesso aos direitos digitais seja justo e igualitário para toda a comunidade.
Francisco Ximenes, membro da ITP TL, explicou o foco da associação na interseccionalidade dos direitos digitais: “Queremos ligar as questões da internet e da tecnologia com outros problemas sociais, como o empoderamento das mulheres, especialmente as que enfrentam discriminação online, e também queremos discutir a democracia.”
O seminário contou com a participação de vários especialistas, incluindo Marta da Silva, investigadora e coordenadora de uma organização não governamental, que colaborou com a ITP TL para explorar como a digitalização pode promover uma boa governação e contribuir para o desenvolvimento sustentável do país.
Desafios da transparência e o papel da digitalização na governação
Em entrevista ao Diligente, Marta da Silva sublinhou a importância da transparência nas plataformas digitais e abordou a atual falta de segurança e eficiência nos sistemas online em Timor-Leste. “Em muitos ministérios e instituições, ainda não há o hábito de usar websites para divulgar informações importantes, como documentos ou relatórios. Essa ausência compromete a transparência e a prestação de contas, fatores essenciais para uma boa governação.”
Reforçou ainda que a adoção de plataformas online pode ser uma ferramenta valiosa para reduzir corrupção e fraudes. Contudo, alertou para o facto de muitos ministérios se limitarem a publicar informações em páginas de Facebook, como anúncios ou participações em eventos, negligenciando a divulgação de documentos relevantes: “O público precisa de saber o que o governo faz e o que já foi alcançado. Só assim podemos promover uma verdadeira prestação de contas.”
Entre os desafios enfrentados, a entrevistada destacou a má qualidade da infraestrutura de internet e a falta de sistemas eficazes de base de dados, o que dificulta a utilização plena de plataformas digitais e compromete a implementação de boas práticas.
“A nossa principal fraqueza está na existência de sistemas ineficazes, que dificultam a transparência e o funcionamento adequado dos setores públicos. É urgente melhorar a infraestrutura digital e implementar leis de proteção de dados para garantir serviços eficientes e seguros,” concluiu.
A digitalização em Timor-Leste representa, assim, não apenas uma oportunidade de modernização, mas também um passo crucial para assegurar maior transparência, igualdade e inclusão na sociedade.
Domingos Carlos Xicava, facilitador da Escola Popular de Agroecologia, destacou a importância da formação digital entre os jovens, sublinhando que o papel do Estado deve ir além da promoção de ações individuais. Segundo ele, ONG’s e movimentos sociais, incluindo os jovens, têm uma função essencial nesse processo: “A consciência crítica não surge apenas da experiência pessoal, mas também de influências externas. Este processo pode ajudar a minimizar os impactos negativos que os jovens enfrentam.”
Domingos Xicava alertou para fatores que afetam a juventude, como o desemprego, e defendeu que as tecnologias digitais oferecem um espaço onde os jovens podem expressar a sua criatividade. “Através dos meios digitais, os jovens podem questionar políticas governamentais que não atendem às suas necessidades, chamar a atenção para questões sociais relevantes e usar as redes sociais de forma criativa. Isso permite decisões mais informadas sobre as políticas do Estado. Além disso, as plataformas digitais proporcionam novas formas de aprendizagem, complementando os métodos tradicionais, como os livros, e ajudam a combater o desemprego,” afirmou.
Por outro lado, o jurista Armindo Amaral alertou para os riscos da utilização da tecnologia por pessoas em posições de poder, que podem manipular informações e restringir o acesso dos cidadãos a dados essenciais. “No contexto atual, a tecnologia é, muitas vezes, usada pelas elites para censurar direitos públicos e manipular informações. Isso impede as pessoas de tomarem decisões conscientes,” explicou.
Amaral apontou exemplos preocupantes, como o uso de ‘bots’ e ‘buzzers’ em países como a Indonésia, que disseminam comentários falsos e desinformação, desviando a atenção do público de problemas estruturais importantes. “Essa manipulação enfraquece a democracia, distorce a liberdade de imprensa e compromete o direito à informação pública,” frisou.
Em Timor-Leste, considera-se urgente a criação de uma legislação cibernética que proteja os direitos dos cidadãos e regule abusos no espaço público, incluindo o ambiente online. Essa lei deve abordar temas como difamação e desinformação, sem, no entanto, comprometer a liberdade de expressão.
“O projeto de lei cibernética deve ser transparente e aberto à participação pública, garantindo que os direitos privados e a privacidade sejam respeitados, sem criminalizar críticas legítimas às decisões públicas ou à governação,” alertou Amaral. Enfatizou que, se não for bem desenhada, essa legislação pode ameaçar a democracia, especialmente no que diz respeito à participação pública através das redes sociais.
Amaral também reforçou a necessidade de responsabilizar os administradores de plataformas digitais, de forma a evitar a disseminação contínua de desinformação. “É fundamental assegurar que todos tenham acesso a informações verídicas e confiáveis.”
No contexto académico, Amaral defendeu a inclusão de um currículo que aborde os direitos digitais, dada a crescente relevância do tema no mundo tecnológico atual. Essa abordagem ajudaria a preparar os jovens para lidar de forma crítica e informada com os desafios e oportunidades que a digitalização oferece, promovendo uma sociedade mais consciente e democrática.
Violência digital: o impacto na saúde mental e na igualdade de género
Joanita Pinto, defensora dos direitos digitais das mulheres, alertou para a violência e intimidação de género facilitadas pela tecnologia na esfera pública online. Durante a sua intervenção, destacou a importância de proteger os direitos das mulheres no espaço digital, assegurando a sua visibilidade e bem-estar na era tecnológica.
“Na era da tecnologia, é fundamental que as mulheres possam viver de forma digna, evoluir continuamente e contribuir para o desenvolvimento da nação,” afirmou Joanita.
Ela abordou questões como o cyberbullying e a violência online, que frequentemente se manifestam através de discriminação em relação ao vestuário ou à liberdade das mulheres para se expressarem digitalmente. Joanita também destacou um fenómeno preocupante: mulheres que discriminam ou promovem violência umas contra as outras nos meios digitais. “Estas situações têm um impacto significativo na saúde psicológica e no bem-estar, prejudicando o desenvolvimento de uma nação,” alertou.
De acordo com dados mencionados por Joanita, quase 90% das mulheres entre os 15 e os 25 anos enfrentam assédio online, um número alarmante que reflete a gravidade da violência digital. “A violência online não apenas afeta a saúde mental, mas também impede as mulheres de explorarem as suas competências na digitalização, limitando o seu potencial para contribuir para a sociedade,” acrescentou.
Joanita reforçou que garantir os direitos digitais das mulheres significa criar um ambiente onde elas não se sintam inferiores ou desvalorizadas pela sociedade. Além disso, incentivou as mulheres a aproveitarem as oportunidades oferecidas pelas plataformas digitais para desenvolverem as suas competências, sempre com responsabilidade.
Felicidade dos Santos, estudante da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), sublinhou a importância de analisar cuidadosamente a informação consumida e partilhada online. “A informação que recebemos deve ser observada com cuidado, para compreendermos a sua origem. Ao identificar a fonte, podemos minimizar a propagação de informações falsas,” explicou.
Felicidade também relacionou a desinformação com a violência contra mulheres nas redes sociais, alertando para o impacto direto que estas práticas têm na saúde psicológica. “É crucial que as mulheres estejam atentas à informação que recebem e partilham, pois a tecnologia pode ser usada para espalhar conteúdos prejudiciais. A defesa da informação pública deve ser feita com discernimento e responsabilidade,” destacou.
Concluiu reforçando que a violência online, que afeta desproporcionalmente as mulheres, pode ter um impacto profundo no seu bem-estar e na sua capacidade de se desenvolverem plenamente. “A proteção contra violência digital é essencial para garantir que as mulheres possam prosperar e contribuir para uma sociedade mais equitativa e inclusiva.”