A desvalorização do dólar americano levou o Banco Central a estudar a possibilidade de criar uma moeda nacional, mas os economistas consideram que essa medida não é viável, devido às fragilidades da economia timorense.
O Banco Central de Timor-Leste (BCTL) analisa a possibilidade de criar uma moeda própria, numa altura em que a desvalorização do dólar americano e a instabilidade do comércio internacional colocam em risco a sustentabilidade económica do país.
Segundo o governador do BCTL, Hélder Lopes, a instituição está a elaborar, em articulação com o Fundo Monetário Internacional (FMI), um roteiro de médio e longo prazo que poderá culminar na substituição do dólar por uma moeda nacional.
Desde janeiro, quando o Presidente Donald Trump tomou posse nos Estados Unidos da América, as políticas protecionistas norte-americanas, nomeadamente a aplicação de tarifas sobre exportações, têm gerado reações negativas nos mercados. O Índice do Dólar (DXY) registou uma queda acumulada de 7,18% até 15 de maio, com o maior decréscimo a 21 de abril (-9,41%).
Numa economia profundamente dependente das importações, Timor-Leste corre o risco de enfrentar uma subida generalizada dos preços e inflação. A desvalorização do dólar torna os produtos importados mais caros. Para adquirir bens desses países, é necessário um maior número de dólares para comprar a mesma quantidade de moeda estrangeira.
Numa publicação recente nas redes sociais, o Presidente da República mostrou-se preocupado com o cenário económico: “Espero que o Governo e o nosso Banco Central estejam a acompanhar e a estudar seriamente estes desenvolvimentos, para que possamos antecipar, reduzir riscos e perdas.”
Ramos-Horta alertou ainda: “Vivemos num mundo muito volátil e sem liderança, numa desordem geoeconómica onde as regras do comércio global são ignoradas, minadas e destruídas.”
O governador do BCTL garantiu que a instituição acompanha de perto o mercado internacional e considera essencial preparar o país para um eventual cenário de instabilidade cambial, apesar de a desvalorização do dólar ainda não ter tido impacto direto no comércio timorense, devido ao facto de a rupia indonésia não se estar a valorizar face à moeda norte-americana.
Para o BCTL, segundo Hélder Lopes, existem cinco condições fundamentais para a criação de uma moeda timorense: consenso nacional sobre a criação da moeda, reservas cambiais suficientes para intervir no mercado, equilíbrio fiscal para evitar desvalorizações, redução do défice comercial e capacidade de gestão monetária do Banco Central.
É realista a criação de uma moeda timorense?
A existência de reservas cambiais (moedas estrangeiras guardadas pelo Banco Central) permitiria proteger o valor da nova moeda. Se esta começasse a desvalorizar rapidamente, o BCTL poderia utilizar essas reservas para intervir no mercado e evitar uma queda mais acentuada, garantindo estabilidade e confiança.
O equilíbrio fiscal é um requisito importante. No entanto, a excessiva dependência do Fundo Petrolífero e as reduzidas receitas não petrolíferas arrecadadas pelo Estado criam um cenário pouco favorável à criação de uma nova moeda.
A investigadora Marta da Silva, da La’o Hamutuk, defende que este equilíbrio só seria possível com um investimento diversificado nos setores produtivos. Além disso, seria necessária uma economia interna mais robusta e menos dependente da importação, para que a nova moeda fosse reconhecida internacionalmente.
Marta da Silva acrescenta: “É essencial garantir a aceitação da moeda fora do país, o que exige esforços diplomáticos e cooperação internacional. Se exportarmos mais bens, outros países poderão trocar e utilizar a nossa moeda.”
Para o economista português António Serra, uma eventual vantagem de criar uma moeda nacional seria o país beneficiar da chamada senhoriagem — o lucro que o Estado obtém ao emitir dinheiro, produzindo notas a um custo muito inferior ao seu valor facial — o que permitiria financiar despesas públicas.
No entanto, Serra considera que há poucas vantagens na criação de uma moeda nacional. “Talvez a principal desvantagem seja a incapacidade que resultará de ter uma política monetária própria utilizável como instrumento de política económica. Essa incapacidade deriva do facto de ter de se adotar um regime de taxa de câmbio fixa”, explicou ao Diligente.
Com um sistema de câmbio fixo, o valor da nova moeda poderia ser igual ao do dólar, o que exigiria grandes reservas cambiais e implicaria a perda de autonomia para definir, por exemplo, as taxas de juro ou controlar a quantidade de dinheiro em circulação. O BCTL deixaria de poder utilizar a política monetária como ferramenta para responder a crises económicas ou estimular o crescimento.
Além disso, como explica o economista, ao indexar a moeda timorense ao dólar, “seria indiferente ter uma moeda ou outra, pois as pessoas prefeririam usar o dólar, de ampla circulação e aceitação internacional, tornando ‘fraca’ a moeda timorense, que tenderia a circular e a ser aceite apenas em Timor-Leste.”
Atualmente, circula no mercado interno o centavo timorense, com valores entre 1 e 200 centavos, o que equivale a 2 dólares americanos.
Outro problema apontado por Serra é o défice comercial. De acordo com o relatório anual do Banco Central de Timor-Leste, em 2024 o país registou um aumento significativo nas importações de bens, atingindo os 923,2 milhões de dólares, o que representa um acréscimo de 12,5% face a 2023.
O aumento das importações deveu-se, em parte, ao crescimento do consumo e do investimento interno, o que também contribuiu para o agravamento do défice comercial. Apesar de registarem um crescimento, as exportações não petrolíferas ficaram-se pelos 21 milhões de dólares.
Marta da Silva sustenta que o Governo precisa de um plano económico mais realista, focado em setores como a agricultura, o turismo e a indústria transformadora. Para a investigadora, Timor-Leste deve tornar-se produtor, em vez de apenas consumidor, reduzindo assim a dependência das importações. “O país exporta matérias-primas a preços baixos e depois importa os produtos processados a preços muito mais elevados”, criticou.
Outra medida defendida por Marta da Silva é o reforço da economia doméstica, sobretudo nas áreas da água, saneamento, saúde e educação, para permitir que os cidadãos timorenses sejam mais competitivos e independentes. “Estamos a enviar os nossos jovens para trabalhar em empresas estrangeiras, ajudando-as a desenvolver-se, enquanto cá vivemos com o salário mínimo”, lamentou.
A investigadora denunciou ainda o abandono do setor agrícola: “Já não há jovens nos campos. Os mais velhos ou não cultivam e esperam que os filhos enviem dinheiro para comprar arroz, ou produzem pouco, apenas para participar em rituais como o sau batar e sau háre. Muitos campos foram transformados em complexos habitacionais.”
Marta recordou um comentário que a marcou: “Durante a guerra, em situação difícil, conseguíamos plantar e sobreviver sem importar. Agora, em independência, não conseguimos produzir a nossa própria comida?”
Impacto no Fundo Petrolífero
As receitas do Fundo Petrolífero timorense provêm tanto da venda de petróleo e gás como dos investimentos no mercado internacional, incluindo dividendos, ações, títulos e obrigações do tesouro norte-americano.
Segundo o governador do BCTL, as tarifas impostas pelos Estados Unidos afetaram negativamente o desempenho do Fundo Petrolífero. “No final de março, quando foram anunciadas tarifas sobre o México e o Canadá, os mercados reagiram mal. O nosso investimento em ações caiu 64 milhões de dólares. Em abril, com a extensão das tarifas a outros países, a situação agravou-se”, sublinhou.
Hélder Lopes defende que não se deve reagir com pânico às flutuações: “Esperamos que o mercado estabilize.” Sublinha ainda a ligeira recuperação do dólar americano após as negociações entre os EUA e a China sobre as tarifas comerciais.
Apesar das perdas no mercado acionista, o rendimento do Fundo Petrolífero no primeiro trimestre de 2025 foi positivo. Até ao final de março, o fundo totalizava 18,25 mil milhões de dólares, um valor ligeiramente inferior ao do quarto trimestre de 2024 (18,27 mil milhões).
Parte dessa diferença deve-se à transferência de 250 milhões de dólares para o Orçamento Geral do Estado em fevereiro e ao pagamento de quatro milhões aos gestores do fundo. Neste trimestre, o fundo arrecadou 6,2 milhões em receitas petrolíferas e 221,16 milhões em investimentos. O retorno médio foi de 1,19%.
O governador do BCTL sugeriu ao Ministério das Finanças a definição de uma nova estratégia, incluindo a diversificação económica. Até ao fecho desta edição, não foi possível obter declarações da ministra das Finanças nem de dirigentes do ministério.
Quando formos capazes de limpar o traseiro poderemos entao comprar calcao novo!
O BCTL tem pelo menos dois documentos, um meu e outro do Banco de Portugal, já com alguns anos, sobre questão da emissão de uma moeda nacional timorense. As conclusões de ambos são parecidas: não havia E NÃO HÁ condições para a emitir por algumas das razões sublinhadas neste texto do Diligente Timor-Leste.
Mas, então, não há nada que se possa fazer? Há. A primeira é não entrar em pânico pois na economia internacional o que vai abaixo tende a recuperar algum tempo depois e por isso há que manter serenidade e uma visão de longo prazo. A segunda é desenvolver a capacidade produtiva nacional e diminuir a dependência das importações. E a perda de poder de compra do USD até pode ser um incentivo para reduzir as importações e fomentar a produção para o mercado nacional e, nalguns casos, para eventual exportação.
Por isso foi grossa asneira o atual governo reverter a política aduaneira do governo anterior que, pela mão do ex-ministro Rui Gomes, aumentou as taxas alfandegárias. A evolução recente demonstra a asneira feita pelo atual governo. Taxas mais altas reduzem as importações e, PRINCIPALMENTE, ajudam a criar mercado interno para algumas produções nacionais.
Post Scriptum: Faz-me rir a história de estudarem a hipótese de criação de moeda nacional para “fugirem” a desvalorização do USD. A moeda timorense, devido aos problemas estruturais da economia de TL, terá de estar SEMPRE “pegada” a uma moeda forte. Que na região e face ao futuro previsível (nomeadamente receitas em dólares da exploração do Greater Sunrise, só poderá ser… o USD…