Assédio sexual no trabalho: casos em Timor-Leste aumentam e especialistas alertam para medidas de prevenção

Os Serviços de Consultoria Jurídica especializados em Direitos Humanos, Igualdade de Género, Direitos da Criança, Direitos Socioeconómicos, Acesso à Justiça e Estado de Direito/Foto: Diligente

Os casos de assédio sexual em Timor-Leste geram preocupação e exigem medidas de prevenção. As leis locais, apesar de não preverem especificamente o crime de assédio sexual, oferecem proteções legais contra abusos de poder.

O Jurídico-Social Consultório (JU,S) manifestou recentemente preocupação com a continuação de um Diretor-Executivo de um Instituto Público em Díli, acusado de assédio sexual contra duas funcionárias. Apesar das queixas e da investigação interna conduzida pelo JU,S, o autor das alegadas infrações continua a exercer funções, situação que os advogados consideram inaceitável e perigosa para as vítimas e para outras funcionárias.

Numa conferência de imprensa realizada ontem, quinta-feira (26.09), os advogados do JU,S, Adelina de Jesus Lobo e Olívio Barros Afonso, que representam as duas vítimas, pediram ao ministério responsável a aplicação imediata de uma suspensão preventiva ao autor aquando da apresentação de queixas, de forma a prevenir novos casos.

Adelina de Jesus Lobo afirmou que a primeira vítima apresentou queixa em agosto, com provas completas, permitindo que o JU, S prestasse apoio jurídico ao seu caso. Em setembro, surgiu uma segunda vítima, também acusando o mesmo autor de assédio.

Após a investigação interna, o JU,S acredita que poderão existir mais vítimas de assédio sexual por parte do Diretor-Executivo. Adelina de Jesus Lobo afirmou que o JU,S está disponível para representar todas as vítimas e já submeteu um pedido ao ministério responsável para iniciar um processo disciplinar contra o Diretor-Executivo acusado de assediar as funcionárias.

“Recebemos informação de que o membro do Governo está a analisar o pedido do JU,S e já emitiu instruções para abrir um processo disciplinar contra o referido dirigente, o que demonstra concordância com a nossa posição”. Os advogados esperam que o Governo tome uma decisão em conformidade com a Lei da Função Pública e a Lei do Trabalho.

Segundo o Manual Operacional “Não ao Assédio Sexual na Função Publica, aprovado em 2017, a prática de assédio sexual no local de trabalho viola os direitos humanos das vítimas e constitui também uma violação da Constituição e do Código de Ética da Função Pública.

Adelina de Jesus Lobo destacou que todo o processo disciplinar deve decorrer sem intimidação e que todos os funcionários têm o direito de apresentar queixas quando sofrem violações dos seus direitos por parte da liderança, incluindo diretores-gerais, membros do Governo e responsáveis de empresas e instituto públicos.

A advogada salientou ainda que todas as pessoas, especialmente as mulheres que trabalham em entidades públicas, têm o direito de trabalhar num ambiente livre de assédio sexual. “Devemos lembrar que os trabalhadores não são escravos e que não perdem a sua dignidade ao exercer as suas funções. Assim, quando há violações dos seus direitos, devem apresentar queixa às entidades competentes,” sublinhou.

Os advogados expressaram preocupação, uma vez que “o autor está a tentar intimidar as funcionárias para que não relatem os factos e para evitar que outras vítimas façam denúncias”. No entanto, os representantes das vítimas afirmaram que essas tentativas de intimidação não terão sucesso, pois o caso já está em fase de processo disciplinar. “Se o acusado tiver provas, deve apresentá-las de acordo com o procedimento legal, sem recorrer a meios de intimidação, pois isso apenas atrasa o processo,” afirmou.

Adelina de Jesus Lobo reforçou que o Diretor-Executivo, enquanto acusado, tem o direito de se defender no processo disciplinar administrativo, mas que não deve tentar neutralizar as provas apresentadas pelas vítimas que o acusam.

“Temos provas que demonstram que o referido dirigente cometeu assédio sexual contra as nossas duas clientes. Se a defesa alegar que o autor é vítima de uma conspiração, então que apresente as suas provas,” apelou.

Os advogados esperam que o processo decorra sem interferências políticas e sem intimidações no local de trabalho, garantindo que as vítimas possam trabalhar num ambiente normal e seguro, em  conformidade com os seus contratos de trabalho.

A advogada explicou que as queixas apresentadas visam motivar outras mulheres a também denunciarem casos semelhantes, pois quanto mais queixas houver mais força terão as denúncias.

“Mesmo que, neste momento, existam apenas duas queixas, continuamos a encorajar todas as mulheres e qualquer pessoa que tenha sofrido assédio sexual no local de trabalho a apresentar queixa”, sublinhou, acrescentando que os dirigentes devem garantir um ambiente de trabalho livre de assédio sexual.

O JU,S agradeceu ainda ao ministro responsável pelo Instituto Público, reconhecendo o compromisso com o Estado de Direito e acreditando que o processo disciplinar será conduzido de forma imparcial, considerando todas as provas apresentadas, incluindo os depoimentos das vítimas e das testemunhas.

Olívio Barros Afonso afirmou que, na prática, quando uma mulher denuncia uma situação que ocorreu consigo, muitas vezes isso é rapidamente classificado como uma conspiração contra uma pessoa numa posição elevada.

“Quando as vítimas tentam processar casos que envolvem pessoas importantes, geralmente dizem que é uma conspiração. Na verdade, os autores utilizam esse argumento para proteger as suas posições e manipular a opinião pública sobre o que realmente aconteceu”, explicou o advogado.

O advogado mostrou-se satisfeito com a abertura do processo disciplinar pelo ministério responsável, mas lamentou que, “nesta situação, não estamos satisfeitos porque o autor continua a exercer funções todos os dias,” sublinhando que a presença do autor pode criar um ambiente desfavorável para as vítimas, gerando pressão e influenciando as testemunhas.

“O ministério responsável deveria ter aplicado suspensão preventiva ao autor assim que recebeu as queixas, para evitar que estas situações se repetissem”, apelou.

Os advogados consideram que o assédio sexual praticado pelo Diretor-Executivo ainda não atingiu o nível de crime, mas que, se surgirem mais provas, o caso poderá ser tratado como crime, pois a investigação continua.

O JU,S recebeu queixas de duas vítimas contra o mesmo autor e dentro da mesma instituição. Por isso, o JU,S encoraja outras mulheres que possam ter passado por situações semelhantes a  apresentarem as suas denúncias.

Olívio Barros Afonso reconhece que, em casos que envolvem figuras de autoridade, pode ser difícil para os funcionários apresentarem queixa, devido a fatores como o medo de perder o emprego. “Não podemos ter medo de apresentar queixas, pois a Lei do Estatuto da Função Pública e a Lei Trabalho protegem as vítimas e estabelecem um processo disciplinar contra os autores. Os cargos de chefia não têm o direito nem a autoridade para aplicar sanções disciplinares ou despedir as vítimas”. Acrescentou que os autores devem enfrentar consequências legais pelos seus atos, para evitar a repetição destas práticas no futuro.

O que diz a Lei sobre o assédio sexual no trabalho?

Em Timor-Leste, o Código Penal não prevê o crime específico de assédio sexual. Contudo, o artigo 171.º estabelece que “quem, por meio de violência, ameaça grave, ou […] impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar […] ato sexual de relevo é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos”. Já o artigo 173.º agrava a pena para 4 a 12 anos quando as agressões são cometidas abusando de uma relação de autoridade, como relações familiares, de tutela, de dependência hierárquica, económica ou de trabalho.

O artigo 67.º do Código Civil protege a “personalidade física ou moral” dos indivíduos, permitindo que a pessoa ofendida solicite medidas para prevenir ou atenuar a ofensa. O artigo 7.º da Lei do Trabalho considera assédio qualquer comportamento que crie um ambiente “intimidativo, hostil, humilhante e desestabilizador”.

De acordo com o artigo 7.º da Lei do Trabalho, é expressamente proibido qualquer forma de assédio, incluindo o assédio sexual, ao candidato a emprego ou ao trabalhador. A lei estipula que o empregador deve adotar todas as medidas necessárias para prevenir esses casos no local de trabalho. No mesmo sentido, o Código de Ética para a Função Pública determina que o serviço público deve ser prestado sem qualquer forma de discriminação, intimidação, ou abuso, incluindo o abuso sexual e o assédio verbal ou físico no relacionamento laboral.

Ainda segundo o artigo 73.º do Estatuto da Função Pública, funcionários ou agentes da Administração Pública que violem os seus deveres, abusem das suas funções ou, de alguma forma, prejudiquem o prestígio do Estado, podem ser sujeitos a sanções disciplinares, sem prejuízo de processos criminais ou civis.

Casos de assédio sexual em Timor-Leste: um problema urgente e generalizado

Nos últimos meses, Timor-Leste tem enfrentado um aumento de denúncias de assédio sexual, destacando a necessidade urgente de mais medidas de proteção. Ativistas feministas alertam para a falta de leis eficazes e para as desigualdades de género que agravam a situação, afetando especialmente mulheres.

Comportamentos inadequados de líderes têm também enviado uma mensagem de que atitudes de desrespeito para com as mulheres são aceitáveis, perpetuando uma cultura de impunidade e abuso de poder. Xanana Gusmão, atual Primeiro-Ministro, foi alvo de críticas por organizações de defesa das mulheres devido ao episódio em que deu uma palmada na jornalista Remisia Boavida enquanto esta gravava uma peça.

Já em maio do ano passado, a Fundação Haburas Timor-Leste criticou vídeos da campanha eleitoral de Xanana Gusmão que mostram comportamentos considerados inapropriados, como tocar no peito de uma jovem e tentar beijar outra. Ativistas compararam os gestos aos abusos dos colonialistas no passado. O Provedor dos Direitos Humanos e Justiça, Virgílio Guterres, condenou os atos como invasão à dignidade das mulheres e abuso de poder.

Mais recentemente, no passado mês de agosto, o grupo Feminista Progressiva (FP) criticou o reitor da Universidade da Paz (UNPAZ), Adolmando Soares Amaral, por repreender docentes que testemunharam a favor de uma aluna alegadamente assediada por um professor. O FP alertou que esta atitude pode desencorajar outras testemunhas e comprometer o combate ao assédio nas instituições académicas. O incidente ocorreu em julho, quando o professor teria forçado um contacto físico indesejado com a estudante, que, com apoio de docentes, apresentou queixa ao Ministério Público.

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