Alegado assédio sexual em escolas: diretores suspensos, vítimas regressam às aulas, mas o silêncio persiste

"O principal desafio para combater as infrações e os crimes sexuais é a falta da denúncia"/Foto: DR

Casos de alegado assédio sexual em duas escolas secundárias de Díli levaram à suspensão dos diretores enquanto decorre a investigação. As vítimas receberam apoio e retomaram as aulas, mas o silêncio sobre a violência ainda prevalece. Dados mostram que a maioria das mulheres em Timor-Leste não denuncia abusos.

A investigação sobre as denúncias de assédio sexual em duas escolas de Díli ainda está em curso na Comissão da Função Pública (CFP) e no Ministério Público. Entretanto, os diretores envolvidos foram suspensos na semana passada, e as vítimas continuam a frequentar as aulas, recebendo o apoio necessário.

As queixas de assédio sexual, apresentadas na última semana de fevereiro, envolvem diretores da Escola Secundária Geral 5 de Maio, em Becora, e da Escola Secundária Privada Nicolau Lobato, em Comoro. As vítimas, estudantes menores de idade (entre 16 e 17 anos), denunciaram os diretores, que agora aguardam a conclusão das investigações sob suspensão disciplinar.

A Comissão da Função Pública confirmou a suspensão preventiva dos diretores, conforme previsto no artigo 46.º do Decreto do Governo n.º 29/2017, que regula a disciplina do pessoal docente e não docente dos estabelecimentos escolares. Esta suspensão implica a interrupção do salário e da contagem do tempo de serviço.

A presidente do Instituto Nacional da Defesa dos Direitos da Criança (INDDICA), Dinorah Granadeiro, explicou que a suspensão visa evitar a destruição de provas, impedir a coação de testemunhas e proteger os alunos.  “Os estudantes sentem-se inseguros, traumatizados. Muitos deixam de frequentar a escola. A suspensão é uma forma de prevenir a repetição e o agravamento da situação”, afirmou.

Segundo a sócia do JU,S Jurídico Social, Bárbara Oliveira, o assédio sexual pode ou não ser crime. No entanto, quando envolve uma criança menor de idade, o assédio sexual cometido por um docente na escola será quase sempre crime e, ao mesmo tempo, constitui uma violação do dever profissional do docente.

“A Comissão da Função Pública tem competência para responsabilizar e disciplinar as pessoas com vínculo de trabalho à administração pública. Caso existam indícios de crime, a CFP continua a conduzir o processo disciplinar, enquanto um outro processo, em separado, decorre perante as autoridades criminais”, explicou.

A primeira queixa tornou-se pública a 26 de fevereiro, relatando que o diretor da ESG 5 de Maio terá oferecido dinheiro a uma aluna, tentando atraí-la para uma casa abandonada para ter relações sexuais.

Poucos dias depois, uma estudante da Escola Secundário Nicolau Lobato denunciou que o diretor da escola lhe terá mostrado os órgãos genitais dentro do gabinete, enquanto tratavam do pagamento das propinas.

O Ministério da Educação confirmou que os diretores foram suspensos na semana passada e que ambas as vítimas já regressaram às aulas.

Casos de assédio no Ministério da Educação

Segundo a Comissão da Função Pública, o Ministério da Educação tem sido a instituição pública com maior número de queixas de assédio sexual. Entre 2018 e março de 2024, 43% das 21 denúncias de assédio nos serviços públicos foram dirigidas ao Ministério da Educação.

Um estudo da Asia Foundation, realizado em 2015, relatou que duas em cada três mulheres (66%) que sofreram violência por parte do parceiro íntimo não informaram ninguém sobre a agressão.

A Ministra da Educação, Dulce de Jesus, a Secretária de Estado para a Igualdade e Inclusão, Elvina Sousa Carvalho, e a Presidente do INDDICA, Dinorah Granadeiro, condenaram os alegados casos de assédio e destacaram a necessidade de garantir um ambiente seguro para estudantes e professores.

As autoridades incentivaram todas as vítimas a denunciarem casos de violência física, psicológica, sexual ou económica, assegurando que existe uma rede de apoio para os processos, composta pela Secretaria de Estado para a Igualdade e Inclusão (SEII), pela INDDICA, pelo Ministério da Educação, pela Unidade de Pessoas Vulneráveis da Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) e pela Comissão da Função Pública (CFP).

A Secretária de Estado para a Igualdade elogiou a coragem das estudantes que denunciaram os casos e alertou para as consequências do assédio sexual, como trauma, medo, isolamento e impactos psicológicos a longo prazo.

“Muitos jovens ficam calados, porque temem represálias, más notas ou exclusão. Encorajo todos os estudantes a denunciarem qualquer ato de assédio ou abuso”, apelou.

A Ministra da Educação reforçou que os professores devem garantir um ambiente seguro e livre de violência para a aprendizagem.

A presidente do INDDICA, Dinorah Granadeiro, reconheceu que o assédio sexual ainda é um tabu em Timor-Leste. “Nem as famílias têm coragem de falar sobre isso, quanto mais as crianças. Muitas das denúncias que recebemos são anónimas”, afirmou.

Sublinhou ainda que a legislação timorense garante a proteção das crianças e que o Estado tem o dever de assegurar um ambiente livre de violência, dentro e fora das escolas.

As autoridades incentivam o recurso a diversos canais de denúncia nas escolas, incluindo associações de estudantes, associações de pais e professores, inspetores escolares e superintendentes das escolas.

Segundo o Plano de Ação Anual contra a Violência Baseada no Género, 77% das mulheres em Timor-Leste não denunciam casos de assédio ou abuso sexual.

Para Bárbara Oliveira, o principal desafio no combate às infrações e aos crimes sexuais é a falta de denúncias. Defendeu a necessidade de maior sensibilização entre as crianças para que relatem situações de assédio e também de formação para dirigentes e docentes.

“Existe um dever legal para que todos os funcionários públicos façam relatos, mas a cultura timorense de denunciar um colega ainda é muito fraca, sobretudo quando se trata de uma alegação de infração disciplinar cometida por um superior hierárquico. Por isso, é fundamental sensibilizar os docentes e todos os funcionários para que, ao receberem um relato, informem de imediato o superintendente da inspeção da educação, permitindo que o processo disciplinar seja iniciado”, aconselhou.

Acrescentou ainda que estão planeadas formações para os superintendentes e inspetores escolares sobre como lidar com infrações de natureza sexual, a realizar este ano no âmbito de uma parceria entre a UNICEF e o Ministério da Educação. No ensino superior, essa formação já foi feita no ano passado, através do programa Campus Seguro da ONU Mulheres.

Medidas para prevenir novos casos

O professor Abrão Pereira, do conselho estudantil da escola 5 de Maio, afirmou que este foi o primeiro caso de assédio relatado na instituição. Explicou que, para prevenir novos incidentes, a escola alerta os alunos sobre a importância de manter uma distância profissional entre professores e estudantes.

A Ministra da Educação anunciou que o currículo escolar será ajustado para incluir assuntos sobre assédio sexual, ajudando os estudantes a conhecerem os seus direitos e mecanismos de proteção.

O psicólogo Alessandro Boarccaech recomendou a criação de canais de denúncia anónimos e acessíveis nas escolas, bem como a implementação de políticas de proteção que garantam a segurança das vítimas durante todo o processo de denúncia.

“As escolas devem promover um ambiente de respeito e empatia através de campanhas de sensibilização, formação para professores e regras claras sobre o comportamento esperado”, sublinhou.

Para identificar sinais de que uma pessoa pode ter sido vítima de assédio sexual, o psicólogo partilhou alguns indicadores de alerta: mudanças bruscas de comportamento, como isolamento, irritabilidade, medo excessivo ou choro frequente; queda repentina no rendimento escolar; perda de interesse por atividades que antes eram prazerosas; e aparecimento de sintomas físicos sem causa aparente, como dores de cabeça ou de estômago.

“É importante estar atento se uma pessoa evita certos locais ou pessoas e demonstra desconforto ao falar sobre temas relacionados com o corpo ou a intimidade. Estes sinais, quando identificados, devem ser abordados com sensibilidade e cuidado. Isto não significa necessariamente que tenha ocorrido abuso, mas é fundamental oferecer apoio e, se necessário, encaminhar a criança para ajuda especializada”, sugeriu o psicólogo.

Apoio psicológico às vítimas 

O psicólogo alerta para os impactos psicológicos do assédio sexual, que podem incluir ansiedade, depressão, baixa autoestima, sentimentos de culpa ou vergonha, dificuldades de concentração, queda no rendimento escolar e isolamento social. “Em alguns casos, podem surgir distúrbios alimentares, alterações no sono, como pesadelos ou insónia, e sintomas associados ao transtorno de stress pós-traumático. Estes sintomas podem interferir no desenvolvimento emocional, social e académico da vítima”, explicou.

Para lidar com o trauma e recuperar a confiança, o psicólogo destacou a importância de um acompanhamento psicológico adequado, tanto por profissionais como pelo apoio da família, amigos ou grupos de apoio. “O suporte emocional ajuda a processar o trauma, a fortalecer a autoconfiança e a facilitar a recuperação. Praticar autocuidado e atividades que promovam o bem-estar também pode ser benéfico”, acrescentou.

O psicólogo sugeriu ainda que as escolas disponibilizem psicólogos escolares e promovam palestras ou workshops sobre saúde mental e prevenção do assédio. “É essencial que o apoio seja contínuo, supervisionado por profissionais especializados e adaptado às necessidades de cada pessoa”, reforçou.

Alessandro Boarccaech observou que, em Timor-Leste, a oferta de suporte psicológico especializado ainda é limitada, sobretudo nas zonas rurais. “Apesar do trabalho desenvolvido por organizações não governamentais e de algumas iniciativas governamentais, a cobertura e o acesso a serviços de saúde mental continuam a ser insuficientes.”

Segundo o INDDICA, até ao final de fevereiro, a equipa conjunta reuniu-se com as vítimas para discutir a melhor forma de apoio. Recentemente, o Ministério da Educação informou que a JU,S – Jurídico Social está a prestar apoio legal.

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