Vidas esquecidas: o drama dos doentes mentais abandonados nas ruas de Timor-Leste

Doente mental no jardim 5 de maio, em Díli/Foto: Diligente

Pessoas com doença mental vagueiam pelas ruas de Timor-Leste, sem tratamento, sem apoio familiar e ignoradas pelo Estado. Expostas à violência, à fome e à morte, representam uma emergência invisível que desafia a dignidade e os direitos humanos.

Nas ruas de Díli, é cada vez mais comum ver pessoas com sinais evidentes de sofrimento psíquico: caminham desorientadas, falam sozinhas, estão despidas ou vestidas com roupas sujas, dormem nos passeios, gritam ou apresentam comportamentos repetitivos. Muitas vivem nestas condições há meses, ou até anos.

Como é possível que isto aconteça num país cuja Constituição reconhece o direito à saúde e à dignidade humana? Que impacto tem o abandono da saúde mental na vida destas pessoas? E que papel deveriam ter os psicólogos, os serviços de saúde, o Estado e a sociedade?

As autoridades de saúde referem que muitas destas pessoas já foram tratadas — algumas, mais de três vezes — mas acabam sempre por regressar ao estado mais grave. Sublinha-se, por isso, a importância da colaboração das famílias no acompanhamento pós-tratamento e durante o processo de reintegração.

No jardim 12 de novembro, em Motael, um homem com perturbações mentais circulava apenas com umas calças, segurando uma camisa na mão. Os seus movimentos eram descoordenados e a expressão facial revelava perturbação, com os olhos a mexerem-se de forma descontrolada. Por vezes, parecia tentar puxar para cima as calças, quase a cair.

No jardim 5 de maio, é habitual ver outro homem a deambular com roupa suja e cabelo longo e desalinhado. Um terceiro, com vestuário mais preservado mas descalço, aproximou-se rapidamente de uma equipa de jornalistas que entrevistava uma vendedora. Olhou intensamente nos olhos das pessoas, como se quisesse comunicar algo, mas acabou por se afastar em silêncio.

Lúcio Zeto Alves da Silva, 28 anos, estudante de Ciência Política na Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), costuma sentar-se naquele jardim à tarde. Já testemunhou várias pessoas com perturbações mentais a caminhar sem rumo. “Alguns vestem roupas rasgadas ou sujas. Outros nem se vestem. Andam por aí a pedir”, relatou.

“Há um homem aqui que já me pediu comida e cigarros duas vezes. Ele não fala, apenas faz um gesto com a mão. Dou-lhe sempre alguma coisa, quando tenho. Nunca dinheiro — só comida”, acrescentou.

Também Livénia de Deus Fernandes, 21 anos, estudante de Ciência da Computação no DIT, se comove com estas situações. Conta que tem familiares com problemas semelhantes e que, no Bairro Pité, onde reside, vivem quatro pessoas com deficiência mental a vaguear pelas ruas.

Por outro lado, há quem se sinta desconfortável com a presença destas pessoas. Beatriz Martins Belo é uma dessas pessoas. Vendedora no jardim 5 de maio, observa diariamente dois a três indivíduos com distúrbios mentais a circularem naquela zona. “Alguns não usam camisa, outros têm calças rasgadas que já nem tapam tudo. Claro que tenho medo, mas quando vêm pedir comida ou café, dou sempre qualquer coisa. Só peço depois que se afastem”, contou.

A Provedoria dos Direitos Humanos e Justiça (PDHJ) tem recomendado ao Governo a criação de centros de acolhimento para pessoas com perturbações mentais. No entanto, as autoridades insistem na responsabilidade das famílias para garantir o acompanhamento após o tratamento.

Impacto para a saúde pública e para a segurança

O psicólogo Alessandro Boarccaech alerta que a ausência de acompanhamento especializado tende a agravar a condição clínica das pessoas com doença mental. “Sem tratamento, os sintomas intensificam-se, afetando o pensamento, a concentração, a tomada de decisões, o comportamento e as relações sociais. Em situações mais graves, pode haver risco de autolesão, suicídio ou comportamentos que expõem a pessoa à violência e ao abuso.”

Para os próprios doentes, o risco passa também pela falta de uma alimentação digna, pela possibilidade de agressões físicas e até pela perda da vida. O psicólogo aponta ainda a exposição à violência, ao abuso sexual, à fome, a doenças, ao clima e à falta de higiene. “A ausência de cuidados básicos agrava tanto os problemas físicos como os mentais e pode causar grande sofrimento, podendo mesmo conduzir à morte precoce.”

“Eles não têm consciência do que se passa à sua volta quando andam na rua — por isso, podem ser atropelados”, contou Lúcio da Silva. Já Beatriz Belo recordou um conflito, ocorrido há cinco ou seis anos, entre dois doentes mentais. Um deles tinha uma faca e acabou por ferir o outro.

Para além do medo e desconforto causados ao público, a presença de pessoas com doença mental nas ruas pode gerar outras situações problemáticas. “Há quem mostre os órgãos genitais ou urine em frente às pessoas sentadas no jardim”, relatou Beatriz Belo. Muitas das pessoas presentes são estudantes que ali se sentam para estudar, ou crianças que brincam no espaço. “Quando isso acontece, os jovens acabam por abandonar o local. Já não se sentem seguros para estudar ou brincar aqui”, acrescentou.

Livénia Fernandes observou também comportamentos de provocação por parte das crianças: “Atiram pedras, gozam com eles.” Segundo a jovem, há ainda adultos que insultam ou agridem os doentes mentais, quando estes mexem nas suas coisas. “Às vezes, os doentes irritam-se com as pessoas e tentam expulsá-las, o que pode fazer com que fujamos a correr e acabemos por cair ou ser atropelados”, alertou.

Lúcio da Silva acrescenta que muitas pessoas continuam a rejeitar e expulsar os doentes mentais por estarem sujos ou causarem desconforto.

De acordo com Alessandro Boarccaech, os conflitos, acidentes ou, em casos extremos, atos de violência, resultam, na maioria das vezes, de estados de desorganização mental, como delírios persecutórios, e não de uma intenção consciente de causar mal.

Sobre os relatos de doentes mentais que tiram produtos das pessoas e são maltratados por isso, o diretor do Ministério da Solidariedade Social e Inclusão (MSSI) reconheceu que tal acontece, explicando que estas pessoas não estão conscientes dos seus atos.

Apesar de admitir o risco de atropelamento, o diretor acredita que os condutores compreendem a condição destas pessoas e evitam causar-lhes mal. Acrescentou que não vê problema em que os doentes circulem na rua, “desde que estejam bem vestidos e alimentados, e não comam do lixo”. O Ministério pondera usar parte do orçamento para a compra de vestuário. “Até agora, não vimos muitos casos graves, apenas uma mulher que morreu eletrocutada e um homem que se afogou no mar”, concluiu.

Abandono configura violação de direitos humanos

O Provedor dos Direitos Humanos e Justiça, Virgílio Guterres, afirmou que o Estado, por força da Constituição, tem a obrigação de acolher e proteger os cidadãos com doença mental. Para o provedor, a negação de cuidados essenciais a estas pessoas constitui uma violação dos direitos humanos.

“Passaram-se 23 anos e ainda temos pessoas com perturbações mentais a viver nas ruas. Isto mostra que o Estado continua a negligenciar, de forma sistemática, os direitos básicos dos cidadãos, sobretudo os que se encontram em situação de maior vulnerabilidade”, afirmou. Acrescentou que, mesmo que o número de casos seja reduzido, “basta uma única pessoa negligenciada para configurar uma violação de direitos humanos”.

O provedor recordou ainda dois casos concretos que considera reveladores dessa negligência: uma mulher com doença mental que morreu eletrocutada perto do Hospital Nacional Guido Valadares, em Díli, e um homem doente agredido por quatro agentes da polícia em Viqueque.

Domingos Henriques Maia, diretor nacional para as pessoas com deficiência do Ministério da Solidariedade Social e Inclusão (MSSI), reconheceu que há cada vez mais pessoas com perturbações mentais a viver nas ruas sem os cuidados de que necessitam. Contudo, explicou que, na maioria dos casos, essas pessoas já foram acompanhadas pelo MSSI e chegaram a receber tratamento.

“Muitos dos doentes que hoje vemos a deambular pelas ruas foram tratados. Mas, por falta de acompanhamento familiar e interrupção da medicação, acabaram por regressar a um estado grave”, explicou. O diretor recordou o caso de duas mulheres que encontrou recentemente em frente ao Ministério. Quando as tentou abordar, fugiram. “Provavelmente ainda me reconhecem, porque são nossas antigas pacientes. Já foram tratadas e reabilitadas, mas agora têm medo de voltar aos centros”, comentou.

Segundo o responsável, o Ministério tem vindo a encaminhar pessoas com doença mental para instituições como o Centro de Reabilitação São João de Brito, em Laclubar, o Centro Klibur Domin, em Tibar, e também para o serviço de cuidados agudos do Hospital Nacional Guido Valadares (HNGV). Para além da referenciação aos centros, cabe também ao MSSI assegurar a reintegração dos pacientes nas famílias após a sua recuperação.

Ainda assim, o diretor admite receios. “Temos medo de que, se retirarmos as pessoas da rua sem o consentimento das famílias e acontecer algum acidente, o Ministério seja responsabilizado. Por isso, preferimos que os próprios familiares nos contactem para proceder à recolha.”

O psicólogo Alessandro Boarccaech defende que a permanência das pessoas com doença mental na rua e a sua exclusão social resultam da falta de acesso aos serviços de saúde mental e da desorganização da rede de apoio.

O artigo 57.º, n.º 1, da Constituição da República Democrática de Timor-Leste (CRDTL) estabelece que “todos têm direito à saúde e à assistência médica e sanitária e o dever de as defender e promover”. Além disso, existem políticas e planos nacionais específicos para a inclusão das pessoas com deficiência, como a Política Nacional para as Pessoas com Deficiência e o Plano de Ação Nacional para as Pessoas com Deficiência 2011–2030 (PAN-EHD).

Entre as metas estabelecidas neste plano, a cumprir até 2025, estão: garantir que todos os centros de saúde ofereçam serviços de saúde mental; assegurar que o Hospital Nacional, os hospitais de referência e os centros comunitários de saúde disponham de profissionais especializados; garantir formação contínua a todos os profissionais de saúde; manter dados atualizados com indicadores sobre pessoas com deficiência; atribuir orçamento específico e crescente à saúde mental nos planos anuais do Ministério da Saúde; e aprovar um Procedimento Operacional Padrão para o sistema de referenciação em saúde mental.

Desafios persistem no tratamento de pessoas com doença mental

Um dos principais desafios enfrentados pelo serviço de Cuidados Agudos do Departamento de Psiquiatria do Hospital Nacional Guido Valadares (HNGV) é a desconfiança das famílias em relação ao processo de recuperação, sobretudo quando este é lento. Segundo o chefe do departamento, Gaspar Quintão, essa desconfiança tem levado, em vários casos, ao abandono do tratamento. “Algumas famílias decidiram interromper os cuidados e, infelizmente, os doentes acabaram por morrer”, lamentou.

O médico acrescentou que muitos pacientes regressam ao estado grave após a alta hospitalar, por falta de acompanhamento familiar e pela interrupção da medicação. “A mensagem de prevenção ainda não é forte”, observou, explicando que os médicos entregam sempre às famílias um sumário com orientações claras sobre o que fazer após a alta. No entanto, muitas vezes, os familiares não levam os doentes às consultas nem vão buscar os medicamentos necessários.

“Mesmo quando os pacientes querem tomar a medicação, muitas famílias não estão presentes para garantir que isso aconteça. E quando os doentes recusam os comprimidos, é obrigação da família levá-los ao hospital para receberem a medicação por injeção”, explicou.

A falta de colaboração familiar é também sublinhada pelo diretor do MSSI, Domingos Henriques Maia, que recordou o caso de uma mulher que dorme frequentemente em frente ao centro de cópias EIROS. Segundo o diretor, ela foi tratada durante uma semana e devolvida à família com os medicamentos e a receita para futura reposição. “A família aceitou, agradeceu, mas depois não cumpriu o que pedimos. Ela voltou à rua, e os familiares apenas disseram que não conseguiam tomar conta dela.”

Para o psicólogo Alessandro Boarccaech, este tipo de abandono está associado a crenças profundamente enraizadas na sociedade timorense, que relacionam o sofrimento psicológico com fraqueza, feitiçaria ou castigo espiritual. “Estas crenças alimentam o estigma, a vergonha e o medo, dificultando a procura de ajuda, o diagnóstico e o tratamento adequado”, explicou.

Gaspar Quintão informou que o serviço de Cuidados Agudos tem capacidade para internar apenas 12 pacientes em simultâneo, o que limita a resposta hospitalar. “Só são internadas pessoas com sintomas graves. Quando estabilizam, têm alta para serem acompanhadas pelas famílias”, afirmou.

O médico alertou ainda para outro obstáculo: o baixo nível de escolaridade de muitos doentes. “Assim que se sentem um pouco melhor, acham que já não precisam de tratamento e recusam continuar a medicação”, disse.

Nos anos anteriores, a escassez de medicamentos foi outro problema sério enfrentado pelo hospital. “Houve momentos em que fomos obrigados a recorrer a medicação semelhante, quando os centros de saúde em Díli não tinham como partilhar os seus fármacos”, concluiu Gaspar Quintão.

Esquizofrenia é a doença mais comum entre os internados

De acordo com o chefe do Departamento de Psiquiatria do Hospital Nacional Guido Valadares (HNGV), a maioria dos pacientes internados na unidade de Cuidados Agudos sofre de esquizofrenia — considerada uma das doenças mentais mais graves e de recuperação mais lenta. O tratamento depende fortemente da medicação. Quando esta é interrompida, os sintomas voltam a manifestar-se com intensidade.

Entre os sintomas mais frequentes estão delírios — como acreditar ser alguém que não se é —, alucinações, falar e sorrir sozinho, desorganização do discurso e da lógica, respostas desconectadas das perguntas, comportamentos agressivos ou destrutivos (como partir objetos ou atirar pedras a carros), despir-se em público, colocar fezes na cara e comê-las, estados catatónicos (manter-se imóvel o dia todo, sem reação), ausência de expressividade e incapacidade de manter rotinas ou responsabilidades.

A segunda condição mais diagnosticada é a depressão, especialmente nos casos em que há tentativas de suicídio. Seguem-se casos de ansiedade, estados maníacos, psicose aguda, entre outros transtornos.

Os pacientes são recebidos na unidade de Cuidados Agudos do HNGV, maioritariamente através da urgência ou de outras unidades do hospital. Também chegam doentes encaminhados por centros de saúde dos municípios e por instituições como o PRADET, que frequentemente identificam pessoas em sofrimento nas ruas. Há ainda situações em que os pacientes vêm da prisão, depois de terem cometido crimes, bem como casos referenciados por padres ou religiosas que encaminham fiéis para acompanhamento psiquiátrico.

Na unidade de Cuidados Agudos, os pacientes são submetidos a um diagnóstico inicial e, posteriormente, a tratamento, com ou sem medicação. São também acompanhados através de apoio psicológico, social, cultural e espiritual.

Até abril deste ano, a unidade registou mais de mil atendimentos em consultas ambulatórias e internou 70 pacientes com quadros mais graves.

Após a estabilização clínica, os doentes são frequentemente encaminhados para programas de reabilitação no PRADET, com o objetivo de readquirirem a autonomia e as rotinas de vida anteriores à crise, preparando o regresso à vida familiar e comunitária.

Apelo às famílias

O diretor nacional para as pessoas com deficiência do Ministério da Solidariedade Social e Inclusão (MSSI) apelou às famílias para que assumam o cuidado dos seus familiares com doença mental. “O nosso papel é tratar os doentes. Quando recuperam, devem regressar às suas famílias. E essas famílias têm a responsabilidade de manter a medicação e de lhes dar atividades para evitar que fiquem apenas sentados, o que pode agravar novamente o estado mental”, afirmou.

O responsável alertou também para situações de aproveitamento dos apoios sociais por parte de alguns familiares. Em Timor-Leste, pessoas com doença mental podem estar registadas como beneficiárias do apoio a idosos e invalidez, atribuído pelo Instituto Nacional da Segurança Social (INSS), recebendo uma prestação trimestral. “Quando chega o mês do pagamento, há familiares que aparecem, vestem os doentes e levam-nos a receber o dinheiro. Mas depois são os próprios familiares que usam o valor, deixando os doentes novamente a vaguear pela rua”, denunciou.

Desde 2024, o MSSI passou a atribuir apoio financeiro pontual a pessoas com perturbações mentais, após a alta médica e no momento da reintegração familiar. Em 2023, cerca de 30 pessoas receberam apoio num total de 5 mil dólares. Em 2024, foi previsto um orçamento de 25 mil dólares para este fim, dos quais já foram utilizados 11,4 mil, beneficiando 57 pessoas tratadas. Cada doente recebe 200 dólares para ajudar no tratamento contínuo, cobrindo custos como transporte para levantar medicação e necessidades básicas durante os primeiros dias em casa.

Por outro lado, o psicólogo Alessandro Boarccaech sublinhou que o abandono das pessoas com doença mental resulta de uma combinação de fatores: medo do comportamento do doente, falta de recursos, vergonha, estigmas sociais, desconhecimento sobre as perturbações mentais e sobre as opções de tratamento. “O abandono das pessoas com sofrimento psicológico é um sintoma sociocultural de que algo precisa mudar na sociedade”, afirmou.

Boarccaech apelou às famílias e às comunidades para que estejam atentas aos sinais de alerta e procurem apoio profissional o mais cedo possível, de forma a evitar o agravamento do estado clínico — e, em muitos casos, salvar vidas.

Entre os sinais de alerta estão mudanças bruscas de comportamento, humor ou rotinas; isolamento e perda de interesse em atividades habituais; discurso confuso, delírios ou alucinações; agitação excessiva ou apatia prolongada; autolesão ou menções frequentes à morte.

Lugar seguro e digno: cidadãos apelam por centros de acolhimento para pessoas com doença mental

Cidadãos e especialistas defendem a criação urgente de espaços específicos para acolher e acompanhar pessoas com doença mental. Para Beatriz Belo, esses espaços são essenciais para garantir segurança tanto às pessoas em sofrimento como ao público. “É preciso haver um lugar próprio para acolher os doentes, para que o público se sinta tranquilo e seguro nos espaços públicos”, afirmou.

A Provedoria dos Direitos Humanos e Justiça (PDHJ) tem reiterado a necessidade de o Governo criar estabelecimentos adequados para acolhimento e reabilitação de cidadãos com perturbações mentais. “Alguns prisioneiros enlouqueceram na prisão devido à duração das penas e continuam detidos mesmo após o fim da pena, por não existir um local para onde possam ser transferidos e receber tratamento adequado”, criticou o provedor Virgílio Guterres.

O provedor denunciou ainda que há pessoas com doença mental que foram presas por crimes cometidos em contexto de desorganização mental. “Um doente matou o pai e o tio com uma catana em 2009. Ainda hoje continua na prisão”, exemplificou. A PDHJ insiste que o Governo deve tratar este problema com seriedade e apela à sociedade para não isolar nem castigar estas pessoas. “Recebemos relatos de pessoas com doença mental acorrentadas durante meses ou anos. Isso é inaceitável”, sublinhou.

Domingos Henriques Maia, diretor nacional para as pessoas com deficiência do MSSI, não defende a criação de espaços para manter estas pessoas confinadas. “Manter alguém num local fechado viola o direito à liberdade de circulação. Andar na rua não é problema. O problema é quando a pessoa não consegue cuidar de si mesma, veste-se de forma imprópria ou alimenta-se do lixo”, afirmou.

Apesar disso, o diretor reconhece que há famílias que pedem ao Ministério que mantenha os doentes nos centros de tratamento. Mas reforça: “A responsabilidade é da família. Cabe-lhes cuidar dos seus.”

O MSSI tem planos para criar um centro transitório integrado em Tibar, com o objetivo de aliviar a sobrelotação dos centros de Laclubar e de Tibar, e apoiar os doentes que estão a regressar aos municípios.

Sobre o dever do Estado em situações de abandono, Domingos Maia afirmou que essa não é uma obrigação direta do Governo. No entanto, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada por Timor-Leste em 2022, estabelece que o Estado tem o dever de garantir proteção e bem-estar às pessoas com deficiência quando a família ou a comunidade falham nesse papel.

O artigo 16.º da Convenção afirma que os Estados Partes “tomarão todas as medidas legislativas, administrativas, sociais, educacionais e outras apropriadas para proteger as pessoas com deficiência”. Já o artigo 23.º refere que, nos casos em que a família imediata de uma criança com deficiência não consiga cuidar dela, o Estado deve assegurar que sejam oferecidos cuidados alternativos, preferencialmente num ambiente familiar e comunitário.

Também a Constituição da República Democrática de Timor-Leste, no seu artigo 21.º, estabelece que “o Estado, dentro das suas possibilidades, promove a proteção aos cidadãos portadores de deficiência, nos termos da lei”.

O diretor do Departamento de Psiquiatria do HNGV considera que não é necessário criar espaços para manter estas pessoas internadas permanentemente, mas sim investir na criação de centros regionais de reabilitação, com capacidade para acolher temporariamente e promover a recuperação. “O apoio da família é essencial, mas se a família não puder cuidar da pessoa, devemos ajudá-la a recuperar até conseguir cuidar de si própria”, defendeu.

Segundo o médico, com tratamento contínuo e supervisão dos profissionais de saúde locais, muitos doentes podem tornar-se independentes e regressar à sociedade sem depender de apoio familiar para a medicação ou outras necessidades. “É possível. Alguns, depois do tratamento, abriram os seus próprios negócios”, contou.

O psicólogo Alessandro Boarccaech partilha da mesma visão e sublinha a importância de um tratamento multidisciplinar, integrado e contínuo, com equipas compostas por médicos, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais. “Esse tipo de abordagem promove a autonomia, a inclusão social e melhora significativamente a qualidade de vida.”

Gaspar Quintão acrescenta que os centros regionais permitiriam não só facilitar o acesso aos cuidados, como também melhorar a comunicação entre profissionais e pacientes, ao utilizar a língua local. “Alguns doentes sentem-se mais confiantes quando fazem o tratamento no seu próprio município.”

Para que isso aconteça, o psiquiatra defende o reforço de recursos humanos. “É preciso formar médicos e enfermeiros em psiquiatria. Neste momento, o HNGV — que recebe doentes de todo o país — conta apenas com um psiquiatra nacional, uma psiquiatra cubana, uma psicóloga clínica e um assistente social.”

Por sua vez, Alessandro Boarccaech considera urgente a criação de uma política pública de saúde mental centrada na atenção comunitária e na proximidade. “É preciso criar serviços acessíveis, humanizados e próximos das pessoas”, afirmou.

Para além das estruturas já existentes, o psicólogo defende mais investimento na reabilitação, reforço dos centros de saúde e hospitais, e programas para identificar e acompanhar as pessoas em situação de rua com sofrimento psicológico. “É preciso sensibilizar a sociedade para combater o estigma e proteger os direitos humanos.”

Boarccaech conclui que aceitar, apoiar e cuidar de quem sofre seria mais fácil se as pessoas compreendessem o que são as perturbações mentais. “É fundamental investir em campanhas de educação nas escolas, nos meios de comunicação social e nas comunidades, com formações e espaços de diálogo que transmitam informação acessível, clara e culturalmente sensível.”

O Diligente tentou contactar o Centro de Apoio à Saúde Mental de São João de Deus Laclubar, a Recuperação e Desenvolvimento Psicossocial em Timor-Leste (PRADET) e a Direção dos Cuidados de Doenças Não Contagiosas do Ministério da Saúde (MS), mas até à publicação do artigo, não houve resposta.

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