A Unidade de Oncologia do Hospital Nacional Guido Valadares enfrenta sérios desafios devido à falta de recursos, comprometendo o tratamento dos pacientes com cancro. O diagnóstico tardio agrava a situação, enquanto muitos doentes lutam por acesso a cuidados essenciais.
Entre 2018 e 2023, foram registados 1.358 casos de cancro em Timor-Leste. O cancro da mama foi o mais comum, com 231 diagnósticos confirmados. No entanto, apesar da crescente procura por tratamento, a Unidade de Oncologia do Hospital Nacional Guido Valadares (HNGV) ainda enfrenta grandes desafios, deixando muitos pacientes sem acesso a cuidados adequados.
A ex-ministra da Saúde, Odete Freitas Belo, inaugurou a unidade em 30 de setembro de 2023. No entanto, quase dois anos depois, a falta de recursos continua a comprometer a sua capacidade de resposta. Com apenas dois especialistas, três farmacêuticos, três enfermeiros e três médicos, o hospital oferece serviços como consultas, tratamento ambulatório, cuidados paliativos e apoio documental. No entanto, a falta de equipamentos e medicamentos essenciais continua a comprometer o atendimento.
Diagnósticos tardios e acesso restrito ao tratamento
O diagnóstico precoce é crucial para aumentar as hipóteses de sobrevivência ao cancro, mas essa realidade ainda está longe de ser alcançada em Timor-Leste. Segundo o Dr. Moisés Duarte de Ataíde, responsável interino da Unidade de Oncologia do HNGV, muitos pacientes só procuram ajuda quando a doença já está em estágio avançado.
“A maior parte dos pacientes só procura ajuda quando a doença já se encontra num estado avançado, reduzindo drasticamente as opções de tratamento. Em muitos casos, só conseguimos oferecer cuidados paliativos”, explica o médico.
O Dr. Moisés acompanhou pessoalmente vários pacientes que perderam a oportunidade de tratamento por chegarem demasiado tarde ao hospital. “Durante o último ano, fui responsável pelos cuidados paliativos. Infelizmente, muitos doentes só chegam quando já não há possibilidade de cura, apenas assistência médica para aliviar o sofrimento”, lamenta.
Entre os tipos de cancro mais comuns no país, além do cancro da mama, estão os da tiroide, colo do útero, estômago, esófago, cólon e tumores primários de origem desconhecida.
Para tentar minimizar esse problema, a Fundação Alola tem trabalhado na sensibilização sobre a importância do rastreio médico e do autoexame do cancro da mama, através do programa HALIKU.
Maria Guterres, diretora-executiva da Fundação Alola, refere que, entre 2014 e 2024, a fundação ajudou 272 pessoas a realizarem rastreios de cancro no HNGV. Durante esse período, foram diagnosticados 30 casos de cancro da mama e 23 de cancro do colo do útero. Dos doentes com cancro da mama, 23 acabaram por falecer, enquanto, entre os casos do colo do útero, houve um óbito.
“Esses pacientes apresentaram sintomas de cancro e entraram em contato connosco para que os ajudássemos no encaminhamento para o hospital”, explicou.
Além disso, a Fundação Alola organiza sessões de partilha de experiências entre mulheres que recuperaram da doença e a sociedade em geral. No entanto, muitas pacientes ainda procuram tratamentos alternativos antes de recorrerem ao hospital.
“Em muitos casos, vejo que os doentes com cancro em estado clínico grave são levados a curandeiros. Em alguns, os familiares organizam cerimónias culturais para pedir a cura do cancro, o que acaba por agravar a doença. Quando finalmente são levados ao hospital, já estão num estado avançado”, afirmou a diretora.
Para colmatar a falta de informação sobre o cancro da mama na sociedade, especialmente entre as doentes, a Fundação Alola inaugurou recentemente um centro para apoiar pacientes com cancro provenientes de outros municípios que realizam tratamento no Hospital Nacional Guido Valadares. O espaço, denominado Centro de Apoio Cancro Feto, foi estabelecido através de uma parceria entre a Embaixada do Japão em Timor-Leste e a Fundação Alola.
“Este espaço foi criado para que as mulheres com cancro da mama e do colo do útero, vindas de outros municípios, possam ter uma estadia mais confortável enquanto realizam o tratamento no HNGV”, referiu a diretora.
Desafios enfrentados pelos pacientes e dívidas a hospitais estrangeiros
Para quem depende do Sistema Nacional de Saúde, o caminho até ao tratamento é cheio de obstáculos. Danílio Barros, que esteve internado no HNGV durante um mês aquando do diagnóstico de leucemia, conta que enfrentou dificuldades desde o diagnóstico até à compra de medicamentos.
“Durante o internamento, fui acompanhado por um oncologista e um internista, que me deram todo o apoio possível. No entanto, quando chegou o momento de iniciar o tratamento, descobri que o hospital não tinha os medicamentos necessários. Sem alternativa, a minha família teve de viajar até Bali para os comprar.”
Além da falta de medicamentos, a carência de equipamentos essenciais obriga muitos pacientes a procurar tratamento no estrangeiro, aumentando os custos e a incerteza do processo. “Precisava de um teste à medula óssea com urgência, mas não havia equipamento no hospital. Sem alternativas, fui forçado a procurar ajuda fora do país”, conta Danílio.
A diretora da Fundação Alola sublinha que o Governo precisa de melhorar as infraestruturas e o sistema de saúde para garantir a sustentabilidade da nação no futuro. “Se o país continuar dependente de hospitais estrangeiros, os problemas de saúde não terão solução, o que afeta ainda mais a população que vive na miséria. Contudo, estamos confiantes de que o Executivo tem um plano de investimento delineado para o setor da saúde, sobretudo no aumento do orçamento para os cuidados de saúde, na melhoria das infraestruturas e na formação dos profissionais de saúde”.
Maria Guterres afirmou ainda que Timor-Leste dispõe atualmente de profissionais de saúde suficientes para responder à procura de tratamento da população, mas as infraestruturas de saúde não oferecem condições adequadas para apoiar o trabalho desses profissionais. Por isso, considera essencial alocar mais verbas para a melhoria das instalações, dado que, segundo a diretora, o setor da saúde é fundamental para o desenvolvimento de uma nação. “A saúde é a prioridade número um, seguida da economia e, em terceiro lugar, a educação. A saúde é um pilar essencial para que um Estado possa garantir qualidade de vida ao seu povo”.
A dívida acumulada pelo Governo timorense com hospitais estrangeiros tem sido uma barreira para os doentes que necessitam de tratamento no exterior. O Hospital Siloam Group, na Indonésia, já suspendeu a receção de pacientes de Timor-Leste devido a pagamentos em atraso.
O vice-primeiro-ministro de Timor-Leste, Mariano Assanami Sabino, falou sobre a situação das dívidas a hospitais estrangeiros no contexto da discussão da Conta Geral do Estado de 2023. Segundo explicou, o Governo já liquidou parte dos valores em dívida com unidades hospitalares na Malásia, Indonésia e Singapura, que recebem pacientes timorenses para tratamento.
Especificou que, no início do ano, foram pagos mais de 12 milhões de dólares a essas instituições. Relativamente à informação de que a dívida total ascenderia a 30 milhões de dólares, o governante esclareceu que, atualmente, esse montante não ultrapassa os 20 milhões de dólares.
Sublinhou ainda que o Executivo já liquidou quase metade da dívida inicial e que, neste momento, aguarda a conclusão das auditorias do Ministério da Saúde. Segundo explicou, essas auditorias são essenciais para verificar a validade dos recibos e das provas documentais antes de proceder a novos pagamentos.
O Diligente tentou contactar a Ministra da Saúde sobre a questão das dívidas a hospitais estrangeiros, mas não obteve resposta.
O futuro da oncologia em Timor-Leste: entre esperança e incerteza
O Dr. Moisés Duarte de Ataíde reforça que, apesar dos esforços dos profissionais de saúde, é urgente que o governo garanta os recursos necessários para melhorar o atendimento. “O nosso papel é tratar os pacientes dentro das nossas possibilidades, mas o acesso à saúde é um direito de todos, e esse direito precisa de ser assegurado com qualidade”, defende.
Para que a Unidade de Oncologia do HNGV possa responder melhor às necessidades da população, o especialista destaca três áreas prioritárias: melhoria dos meios de diagnóstico, para garantir deteção precoce e aumentar as hipóteses de tratamento; formação especializada de profissionais, com envio de médicos para capacitação no estrangeiro e equipamentos modernos e infraestrutura adequada, essenciais para um tratamento eficaz.
“Estamos a avançar aos poucos, mas ainda há muito a fazer. Precisamos de adaptar a nossa estrutura às necessidades da população para, no futuro, podermos oferecer um serviço oncológico completo e eficaz”, conclui o médico.
Enquanto isso, pacientes e famílias continuam a enfrentar uma dura realidade: lutar contra o cancro num sistema de saúde que ainda não está preparado para essa batalha. O tempo para muitos é um inimigo silencioso — e sem investimentos urgentes, mais vidas continuarão a ser perdidas.