A ideia de negócio veio de um grupo australiano, que procura promover o reaproveitamento de alimentos e gerar oportunidades. Os representantes já criaram mais de 80 produtos e administram um estabelecimento em Metinaro, que emprega 15 pessoas e funciona como restaurante e café.
Natural de uma zona rica em areca e coco na parte leste do país, em Viqueque, Martinho Gorety, 40 anos, iniciou o seu negócio com apenas dois tipos de produtos: batatas fritas (de batata doce, mandioca e inhame) e óleo de coco, e com um investimento inicial de 100 dólares americanos. Atualmente, sete anos depois de se lançar como empresário, ganhou prémios, comercializa uma grande variedade de produtos locais, combate o desperdício de alimentos, emprega 15 pessoas e lucra muito com a The Corner Store Network Timor-Leste, uma iniciativa de empreendedorismo social com origem em Melbourne, na Austrália.
O local, que também funciona como restaurante e café, ainda é palco para formações regulares sobre como conservar nutrientes. “Faça primeiro pequenas coisas e depois torne-se grande. É importante ter vontade de iniciar e coragem para enfrentar os desafios”, afirmou o empresário, em conversa com o Diligente.
Martinho Gorety é o sexto filho de sete irmãos. Os pais são agricultores e ele sempre ajudou a mãe a vender areca, abacaxi e manga nos mercados.
Apesar de acompanhar os negócios da família, o pequeno Martinho sonhava em ser médico. Quando terminou o secundário, em Viqueque, concorreu a uma bolsa de estudos para estudar em Cuba, mas não foi selecionado. À procura de autonomia – ou seja, “ser chefe de si próprio”, conforme as suas próprias palavras – acabou por decidir estudar Gestão de Recursos Humanos, no Instituto de Tecnologia de Díli, para adquirir conhecimentos sobre como gerir a sua empresa. Atualmente, está a preparar-se para defender a monografia.
“Se trabalhamos por conta de outrem, temos de cumprir horários e não me sentia confortável com isso”, justificou.
Juntou os recursos que tinha aos da parceira, Dina Siqueira e, em 2018, abriram o negócio, que funcionava na própria casa, em Díli. O casal preparava os produtos e divulgavam-nos através dos amigos e das redes sociais. As vendas foram animadoras e serviram como motivação para que continuassem. Até que, em meados de 2019, foram contatados por uma organização sem fins lucrativos: a The Corner Store Network Australia.
Os representantes do grupo, que já importavam café de Timor-Leste para a Austrália e estavam familiarizados com a realidade local, procuravam expandir as atividades em território timorense – que consistem, também, em ações para combater o desperdício de alimentos e otimizar os produtos tradicionais.
Ao tomarem conhecimento sobre os produtos vendidos pelo casal, os membros do The Corner Store Network Australia perceberam que tinham interesses em comum. Martinho Gorety e a esposa reuniram-se com os australianos e estabeleceram a parceria: ficou decidido que o casal seria responsável pela expansão das atividades do grupo em Timor-Leste e assim surgiu o The Corner Store Network Timor-Leste, em 2019.
“No encontro, concordámos que gostaríamos de motivar os agricultores a aumentarem a produção e incentivar os timorenses a consumirem os produtos locais”, destacou Martinho Gorety.
O terreno em Metinaro, onde fica o negócio, pertence a Martinho Gorety; já a estrutura de contentores, materiais para a produção de alimentos e formação foram garantidos pela organização australiana.
O funcionamento
Grande parte dos produtos vendidos no estabelecimento em Metinaro vem de alimentos não aproveitados pelos agricultores locais e que, de contrário, seriam desperdiçados. “Um dos problemas em Timor-Leste é o desperdício. Mesmo que os agricultores não produzam em grande quantidade, não conseguem vender tudo e os vegetais acabam por se estragar. O que fazemos é transformar os alimentos em produtos que podem ser consumidos por um longo período de tempo”, explicou Martinho Gorety.
Assim, a manga, o abacaxi, o pepino e outros vegetais vendidos são, por exemplo, mantidos em conserva (em recipientes de vidro) ou em pequenas embalagens (desidratados). O coco, por sua vez, é transformado em óleo e os grãos de café – comprados a produtores de Ermera, Viqueque, Baucau, Laclubar e Oecusse – são vendidos em pacotes com o nome da organização. O estabelecimento em Metinaro também vende peças de artesãos locais.
Alguns itens, como o café, temperos e óleo de coco, também são exportados para a Austrália. “Os australianos gostam dos nossos produtos porque são orgânicos e frescos”, observou Martinho Gorety.
A iniciativa adquire os produtos de mais de 100 agricultores espalhados pelo país, sendo que alguns se deslocam a Metinaro para vender os vegetais. Em outros casos, são os funcionários do The Corner Store Network Timor-Leste que vão ao encontro dos agricultores para comprarem os seus produtos.
Martinho Gorety relatou que uma dessas pessoas é uma senhora de Dare que cultiva abacaxis. Antes, a cidadã tinha de carregar até 20 abacaxis, com a ajuda dos filhos, até ao mercado de Taibessi, em Díli, para os tentar vender. “Agora, vamos buscar os abacaxis a casa da senhora. Quando isso acontece, levamos tudo, por volta de 200. A senhora fica muito feliz”, relatou Martinho Gorety.
A mesma situação também acontece em Ermera, onde antes o gengibre se estragava. “Nos últimos dois anos, comprámos duas toneladas de gengibre de Ermera. Agora, três agricultores já têm áreas específicas para cultivar apenas gengibre”, informou o empresário. “Além de reduzir o desperdício, contribuímos para a economia”, acrescentou.
Para além da parceria com os agricultores, o The Corner Store Network Timor-Leste mantém uma pequena horta, onde são cultivados vegetais para responder às necessidades diárias do restaurante, que funciona diariamente, das 8h às 20h30. Aos sábados e domingos, o estabelecimento fecha às 22h. O menu oferece opções de carne, vegetais e frutos do mar.
Prémios e desafios
Em 2020, o The Corner Store Network Timor-Leste foi contemplado pela Embaixada da Nova Zelândia com alguns equipamentos para que pudessem aprimorar o negócio. “Muitas empresas enviaram as suas propostas e nós fomos os escolhidos”, disse Martinho Gorety, orgulhoso.
Um ano depois, a iniciativa participou numa competição de negócios inovadores, organizada pelo Instituto de Apoio ao Desenvolvimento Empresarial (IADE), tendo ficado em primeiro lugar. “Ganhámos 12 mil dólares americanos. Todo o dinheiro foi investido na melhoria do The Corner Store Network Timor-Leste”, ressaltou o empresário.
Para divulgar os produtos e também se aproximar dos consumidores, os representantes da iniciativa também procuram participar nas feiras que acontecem no país, sobretudo na capital.
De acordo com Martinho Gorety, um dos principais problemas enfrentados pela equipa diz respeito às constantes falhas de eletricidade. “Os cortes de energia elétrica acontecem frequentemente, o que prejudica o nosso trabalho, danifica os equipamentos e atrapalha a experiência do cliente que visita o nosso espaço”, contou o empreendedor.
A longo prazo, Martinho Gorety espera que a iniciativa possa ser expandida para outros lugares do país, de modo a consciencializar as pessoas para evitarem o desperdício e promover a alimentação saudável, além de estimular a agricultura local e contribuir para a melhoria da economia. O empreendedor também deseja que Timor-Leste se desenvolva para ser um polo turístico, visto que o país ainda é um dos menos visitados no Sudeste Asiático. “O movimento de turistas é crucial para o bem-estar nos negócios”, enfatizou.
Parabens, tiro-vos o chapeu!