A falta de informação dentro da família sobre os direitos das mulheres e a mentalidade patriarcal são fatores determinantes para que a desigualdade de oportunidades, baseada no género, permaneça na sociedade timorense.
No último sábado, dia 29 de julho, decorreu na sala de leitura Xanana Gusmão um seminário subordinado ao tema “Luta feminina para erradicar a discriminação ou exploração numa sociedade atual”, iniciativa que contou com a participação de 300 jovens timorenses. Mulheres, em sua grande maioria.
Na avaliação da diplomata e ex-deputada Milena Pires, oradora principal do evento, grande parte das cidadãs de Timor-Leste é alvo de discriminação e de exploração, tanto dentro da família como na vida política e institucional, devido ao sistema patriarcal.
“A tradição patriarcal acontece não só na família, mas na sociedade em geral, nomeadamente nas instituições públicas e privadas. Mesmo na política interna partidária, a discriminação acontece porque nem sempre a entrega de cargos, aquando de uma vitória eleitoral, obedece à ordem com que os nomes constavam das listas. Por esta razão, os homens continuam a ser privilegiados”, observou.
Milena, que atualmente é diretora de Assuntos Corporativos e Responsabilidade Social na empresa Comércio Timor-Leste, considera que “a educação é a única forma para combater a cultura de discriminação e exploração, porque só a formação pode mudar o caráter do ser humano, sobretudo a forma como trata os membros da família abandonando práticas de injustiça social”.
De uma forma geral, muitas famílias ainda não querem que as meninas saiam livremente para participar em atividades, quer formais quer informais, como diz uma das jovens participantes no seminário, que preferiu não revelar a identidade. “A minha família espera que eu esteja só em casa e quando saio tenho de justificar e explicar onde estive e com quem estive, ao contrário do que acontece com os meus irmãos, a quem ninguém pergunta nada”.
Para Elias de Jesus, um dos organizadores do seminário, assuntos que envolvam o direito das mulheres são necessários para serem abordados em eventos do tipo, porque, caso contrário, tendem a cair no esquecimento. “Temas que falem sobre o movimento feminista ou a exploração das mulheres em Timor-Leste são ainda tabus, por isso devemos agir e envolver cada vez mais toda a sociedade para mudar esta realidade”, opinou.
Por sua vez, Ela Variana, 26 anos, estudante da Universidade de Díli (UNDIL), defendeu que, para se conseguir combater atitudes discriminatórias, deve-se promover a literacia, incluindo a participação nos movimentos que “nos podem orientar para reconhecer a emancipação da mulher”. A estudante, que recentemente foi levada por polícias a uma esquadra para prestar esclarecimentos acerca de comentários envolvendo o Primeiro Ministro, Xanana Gusmão, publicados nas redes sociais, realçou que é preciso que a sociedade esteja consciente de que “a luta feminina é importante para garantir direitos iguais para todos os cidadãos”.
Nesse sentido, Ela Variana destacou a participação dos jovens em iniciativas que abordem sobre o direito das mulheres. “Qualquer atividade que tenha a ver com a emancipação das mulheres deve ter a participação dos jovens, para se poder aumentar o seu conhecimento e melhorar a sensibilização em relação a esta questão”, afirmou.
A estudante ainda criticou certas tradições da sociedade timorense, como o barlaque. Na sua opinião, o costume apenas perpetua “a discriminação e marginalização dos direitos femininos”, uma vez que, avalia, “as mulheres são os alvos para que os interesses dos seus respetivos pais sejam atingidos”.
No artigo 16º (Universalidade e igualdade) da Constituição da República de Timor-Leste, lê-se no segundo parágrafo que “ninguém pode ser discriminado com base na cor, raça, estado civil, sexo, origem étnica, língua, posição social ou situação económica, convicções políticas ou ideológicas, religião, instrução ou condição física ou mental”.
Também no artigo 17º (Igualdade entre mulheres e homens) do mesmo documento, prevê-se que “a mulher e o homem têm os mesmos direitos e obrigações em todos os domínios da vida familiar, cultural, social, económica e política”.
Dados da desigualdade de género em Timor-Leste
Entre os 47 nomes à frente de ministérios e secretarias de Estado do IX Governo Constitucional de Timor-Leste apenas sete são de mulheres. Em relação à legislatura anterior, a participação feminina em cargos de chefia não mudou: permanece em 15%.
O Diretor do Fórum Organização Não-Governamental de Timor-Leste (FONGTIL), Valentim da Costa Pinto, considera que “os líderes partidários ainda não dão prioridade à igualdade de género, por isso a participação de mulheres no poder executivo é tão reduzida”. De acordo com a sua avaliação, essa disparidade pode trazer consequências negativas na elaboração de políticas públicas que atendam aos direitos das cidadãs timorenses.
Um relatório elaborado pela Associação das Mulheres Juristas de Timor-Leste (em tétum AFJTL) e divulgado em maio deste ano constatou que algumas mulheres são pressionadas a votar de acordo com a vontade do marido. A situação acontece em 90% dos agregados familiares chefiados por homens.
Em 2015, um estudo feito pelo Nabilan, programa da Asia Foundation, revelou que 59% das mulheres timorenses são vítimas de violência doméstica por parte do marido pelo menos uma vez na vida. O mesmo estudo referiu ainda que 79% da população do país consideram que o homem pode bater na sua mulher.
Já os dados do censo 2022 demonstraram que em Timor-Leste apenas 30% das mulheres, entre 19 e 29 anos, continuam os estudos. Um dos motivos apontados para a interrupção é o casamento precoce.