As FALINTIL são um símbolo de luta e de sacrifício excecionais. Os guerrilheiros das FALINTIL que lutaram no mato deram tudo o que tinham para garantir a independência deste Estado, mas a sua luta ainda não terminou completamente. Após a restauração da independência, surgiram novos desafios, como a pobreza e a injustiça.
Hoje, dia 20 de agosto de 2024, o povo timorense celebra o 49.º aniversário das FALINTIL. As FALINTIL, braço forte do povo, é símbolo de determinação e coragem na luta pela independência. As FALINTIL, ou Forças Armadas de Libertação Nacional de Timor-Leste, foram formadas como uma resposta, não apenas ao golpe da UDT, mas também como uma força nacional para enfrentar a invasão militar indonésia, que se preparava para invadir Timor-Leste, em 1975. As gloriosas FALINTIL mostraram a sua determinação e coragem inabaláveis, mesmo diante das mais duras provações que jamais poderemos imaginar.
Os guerrilheiros das FALINTIL levavam uma vida dura no mato. Suportavam condições extremas, muitas vezes, sem proteção adequada contra os elementos da natureza. Subir montanhas e descer vales, dormir ao relento e à chuva faziam parte do dia a dia. Árvores e cavernas eram as suas casas. Muitas vezes, dormiam em terrenos secos, em troncos de árvores que não os protegiam da chuva. Sem roupa e sapatos, andavam descalços de um lugar para outro. Lembro-me das palavras do meu primo Gregório Lobo-Dara: “Lutaremos até andarmos descalços, mas conseguiremos a nossa independência”. Andámos até ficarmos descalços, mas muitos guerrilheiros começaram a usar trapos no corpo, muitos andavam descalços. Resistiram a tudo, suportaram o frio, a fome, espinhos de árvores e mordidas de cobras. O sofrimento e os sacrifícios foram excessivos, mas não desistiram.
A comida era escassa. A sua sobrevivência dependia da natureza, muitas vezes, comiam apenas raízes, frutas silvestres e nozes que encontravam no mato. Para eles, era uma sorte, se recebessem ajuda da frente clandestina. Quando a comida escasseava, dia após dia, suportavam a fome. A fome e a sede tornaram-se companheiros diários, testando a sua resistência física e mental. Lutavam não apenas contra o inimigo armado, mas também contra as duras condições da natureza e a falta de nutrição que ameaçavam as suas vidas.
A guerra é um inferno na Terra, e os guerrilheiros da FALINTIL enfrentavam isso todos os dias. Na linha de combate, a vida era frágil e facilmente perdida. A morte esperava-os a cada esquina e em qualquer emboscada. Muitas vezes, sobreviviam para ver os seus companheiros mortos. Muitos morreram em tiroteios, atingidos por balas inimigas, ou caíram em emboscadas e ataques surpresa das forças indonésias. Não tinham tempo para lamentar a perda dos seus companheiros mortos, pois precisavam de seguir em frente e continuar a lutar pelo objetivo maior: a independência.
Outra realidade amarga era a dos combatentes mortos que não podiam ser enterrados adequadamente. Os seus corpos, muitas vezes, eram deixados no mato, em terrenos secos, em valas, e rapidamente se decompunham, sem terem sido enterrados dignamente. Muitos morreram sem caixão ou túmulo. Os guerrilheiros sobreviventes precisavam de continuar a luta, mesmo sabendo que os seus companheiros mortos talvez nunca recebessem a honra como heróis. Mas isso não importava, o mais importante era a independência. Aqueles que morreram não perderam nada, o Estado é que deve saber honrá-los. Eles morreram como soldados desconhecidos e sem nome. Este foi o maior sacrifício que fizeram pelo Estado. Por isso, nós que sobrevivemos e desfrutamos da liberdade, não podemos brincar com o Estado que foi construído com sangue e sofrimento. Eles são os verdadeiros heróis, não há outros maiores do que eles, mesmo que sejam desconhecidos, deram a sua vida pela independência. Não é justo que construamos monumentos apenas para os conhecidos, e os desconhecidos, que sofreram e se sacrificaram, não têm nenhum monumento. Por onde andamos, exaltamos apenas o nome dos grandes, mas os nossos guerrilheiros que se sacrificaram e morreram por esta terra, não têm os seus nomes em lugar nenhum. Não são apenas os guerrilheiros, mas também aqueles que estavam nas vilas, capturados pelo inimigo, torturados de diversas formas, depois levados para serem mortos, também esses não são devidamente valorizados.
O sofrimento físico que os guerrilheiros das FALINTIL enfrentaram é apenas uma parte da história da sua luta. Há também o sofrimento emocional, que talvez seja ainda mais doloroso e devastador. A saudade da família, separada pela guerra, tornou-se uma dor profunda que tinham de carregar todos os dias. Precisaram de deixar para trás as suas esposas, filhos, mães, pais, irmãos e irmãs, sem saber quando ou se os veriam novamente. Quando estavam gravemente feridos ou à beira da morte, pensavam apenas no rosto dos seus familiares, mas não podiam vê-los para dizer uma última palavra.
Essa separação tornava-se ainda mais dolorosa, quando recebiam notícias da morte dos seus entes queridos em vilas ocupadas, sem poderem fazer nada. Não podiam participar nos funerais ou enterrar os seus pais, mães, esposas, filhos, irmãos ou irmãs. Essa dor emocional era agravada ao saberem da crueldade e barbaridade cometidas pelos militares indonésios contra as suas famílias. Alguns guerrilheiros tiveram de aceitar a realidade de que os seus pais, filhos ou irmãos foram mortos pelos militares indonésios como consequência da sua contínua luta e resistência pela independência. Não há sacrifício maior pela independência do que aceitar a própria morte e a morte de familiares. Algumas famílias foram aniquiladas apenas pelo desejo de independência.
Além do sofrimento emocional e físico, os guerrilheiros também enfrentaram limitações extremas, como a falta de cuidados médicos. Era difícil obter medicamentos, e tinham de suportar doenças causadas por ferimentos, malária e outras enfermidades. Quando adoeciam ou eram feridos, muitas vezes tinham de aguentar sem tratamento adequado. Raízes e ervas eram os seus remédios. Muitos deles tiveram de lutar sozinhos contra as doenças.
Não havia família para cuidar deles, por isso cuidavam uns dos outros. Não havia comida de qualidade para os alimentar, quando estavam doentes. Em condições tão adversas, tiveram de permanecer no mato, numa guerra que durou muito tempo. Todos os dias era uma luta para sobreviver, e todos os dias enfrentavam a possibilidade de morte que os rondava. No entanto, apesar das duras condições, a determinação em continuar a lutar pela libertação nunca vacilou. Continuaram firmes.
Durante 24 anos a resistir no mato, a enfrentar dificuldades e sofrimento de todo o tipo, os guerrilheiros da FALINTIL foram muito determinados e corajosos. Cada operação e ataque das forças indonésias tornava-os ainda mais determinados em continuar a luta, uma luta sem ajuda externa, contando apenas com o apoio moral, espiritual, político e logístico da população nas vilas já ocupadas pelo inimigo.
As histórias de coragem dos guerrilheiros tornaram-se uma inspiração para as gerações futuras. Entraram em combate não apenas com armas, mas também com um espírito de luta que nunca se apagava. Para eles, a independência era algo indiscutível e de valor inestimável, pela qual estavam dispostos a pagar com as suas vidas, se necessário. Mesmo que muitos deles tenham morrido na guerra, o seu continua vivo no espírito do povo timorense que valoriza a independência.
Após 24 anos de guerra, em 2002, Timor-Leste alcançou a independência e restaurou a soberania. No entanto, mesmo com a independência, muitas pessoas ainda vivem abaixo da linha de pobreza. A independência conquistada com sangue e sofrimento ainda não trouxe a vida e pacífica que o povo esperava. Não há emprego, e muitos jovens têm de procurar trabalho no exterior para sobreviver. Violência física e verbal são comuns em muitos lugares. A educação que as escolas oferecem tem pouco impacto. Conquistámos a independência e a liberdade, mas perdemos o espírito de fraternidade e camaradagem, perdemos a disciplina e a responsabilidade, perdemos a ética e a moral, desde os líderes até aos jovens e crianças. Atacar, derrubar, matar, não respeitar são grandes obstáculos para a independência. A calúnia tornou-se uma oração diária, ao amanhecer, ao meio-dia e à noite. Os líderes também se tornaram arrogantes em público, o que não é bom para a sociedade, nem para a imagem nacional e internacional, o que faz com que Timor seja visto de uma forma negativa. Uma nação que perde o sentido de unidade está à beira do colapso, e não podemos deixar que a nação comprada com sangue e sofrimento desmorone. Devemos continuar a dignificar a nossa terra e o nosso povo e jamais trair os nossos heróis e mártires.
A principal causa destas situações é a falha de liderança dos políticos, não se mantendo fiéis aos princípios e valores da luta das FALINTIL. Os políticos, em teoria, deveriam continuar o legado da luta e do sacrifício das FALINTIL para defender e dar prioridade ao interesse comum. Infelizmente, muitas vezes, concentram-se mais no poder e nos benefícios pessoais do que na prosperidade do povo. Aqueles que antes lutaram por justiça, hoje esquecem essas aspirações. Criam impasses políticos, lutam entre si pelo poder, impedem o desenvolvimento e fazem com que o povo continue a viver em sofrimento. Alguns combatentes e veteranos também se envolvem em disputas de projetos e bloqueiam o desenvolvimento, comportando-se de forma contrária ao idealismo das FALINTIL, dos heróis e mártires. Muitos daqueles que antes estavam dispostos a morrer, hoje continuam a sofrer como antes, sem qualquer mudança nas suas vidas. Não é essa a vida que as FALINTIL queriam, mas ironicamente, alguns ex-FALINTIL também se envolveram em jogos políticos que apenas dividem e causam sofrimento ao povo, em vez de estarem na linha de frente a abraçar todos, como faziam durante a resistência.
O povo de Timor-Leste sente-se traído pelos seus próprios líderes. A injustiça que as FALINTIL combateram, no passado, ainda é sentida por muitos, mas agora os autores dessa injustiça, que deveriam ser a luz ou os protetores do povo, são os que incentivam a injustiça de outrora. Os líderes colocam os seus próprios interesses à frente dos do povo, fazendo com que muitos percam a esperança de um futuro melhor. O interesse do povo é apenas retórica, enquanto os seus interesses pessoais e dos seus grupos dominam.
Perante esta situação, a culpa não é dos outros. A culpa é inteiramente dos líderes, que não honram o seu próprio povo. Alguns fazem do povo marionetas, manipulando-o e brincando, como os colonialistas e ocupantes fizeram no passado. Os líderes, que deveriam continuar a luta dos guerrilheiros das FALINTIL, infelizmente, são hoje a causa do sofrimento do povo. Injustiça, pobreza e corrupção são doenças que corroem esta terra por dentro, fazendo com que o povo sinta que a independência está muito distante. A independência parece existir apenas para aqueles que estão no poder, pois são eles que desfrutam, enquanto o povo ainda clama por trabalho, água, eletricidade (alguns têm, mas de forma instável), estradas em boas condições, escolas adequadas e hospitais com medicamentos. Em vez disso, reina o nepotismo, o favoritismo e o predomínio do compadrio nas instituições públicas.
No entanto, mesmo diante desta situação preocupante, ainda há esperança. As sementes más cairão, quando chegar o momento, e novas e boas sementes brotarão. Para alcançar a prosperidade e o bem-estar genuínos, o povo de Timor precisa unir-se. A unidade nacional é a chave para enfrentar os desafios. É importante eliminar as falsidades, promover a honestidade e encorajar um diálogo aberto e honesto para superar as diferenças. Cada líder, seja histórico ou não, precisa de deixar de lado o seu ego, conter a sua ganância e estender a mão aos outros, sem procurar vencer sozinho. A nossa luta ensinou-nos que com unidade venceremos. Nenhum indivíduo lidera uma luta sozinho sem colaboradores, sem organização e sem estrutura. Ninguém luta e vence sozinho. Muitos ou poucos, todos contribuem. Com unidade, todos podem trabalhar juntos para combater a pobreza, a injustiça, a corrupção e todas as más práticas que assombram esta nação, e juntos podemos criar as condições para fornecer emprego aos timorenses e melhorar as suas vidas.
Além disso, é importante que os cidadãos continuem a pressionar os líderes para que voltem ao caminho certo, mantendo os princípios da luta das FALINTIL que trouxeram liberdade ao povo. Um bom líder não é aquele que tem poder e riqueza, mas sim aquele que tem integridade moral, responsabilidade e sabe honrar e servir o povo. O povo deve unir-se para exigir justiça, bem-estar e prosperidade para todos, e não apenas para um pequeno grupo ou elite que coloca os seus interesses em primeiro lugar.
As FALINTIL são um símbolo de luta e de sacrifício excecionais. Os guerrilheiros das FALINTIL que lutaram no mato deram tudo o que tinham para garantir a independência deste Estado, mas a sua luta ainda não terminou completamente. Após a restauração da independência, surgiram novos desafios, como a pobreza e a injustiça. A corrupção continua a ser uma grande preocupação, não apenas na esfera financeira, mas também no pensamento. A instrumentalização, manipulação e exploração dos sentimentos das pessoas, e a política de desinformação também fazem parte de uma falta de liberdade para o povo.
No contexto da celebração do 49.º aniversário das FALINTIL, é importante lembrar não apenas o sofrimento e a morte dos guerrilheiros, mas também as aspirações e o idealismo que motivaram a luta. Aspirações e idealismo para ver Timor-Leste independente, unido, justo e próspero. O povo de Timor-Leste deve continuar essa luta para garantir que o sacrifício dos guerrilheiros das FALINTIL não seja em vão, mas para que o Estado de Timor-Leste atinja um futuro melhor para todos.
As FALINTIL já se sacrificaram durante 24 anos. Que sacrifícios devemos fazer no contexto da independência? Acabar com a violência, acabar com a discriminação, acabar com a corrupção, acabar com o abuso de poder, acabar com a política do favoritismo já seria um começo. Viva as FALINTIL! Honra e glória a todos os heróis e mártires!
Carlos da Silva L.F.R. Saky é fundador da Resistência Estudantil de Timor-Leste (RENETIL), tendo sido o presidente do Conselho Central da organização. Atualmente é membro deste conselho.
Parabens as FALINTIL pela efemeride!
Excelente artigo sobre a verdade politica actual.
Tornar-se pior do que os colonialistas, portugueses ou indonesios.
Os colonialistas eu ainda percebo, agora os proprios filhos, nunca perdoarei.
Em retrospectiva, a mesma situacao ocorre em outros paises que eram colonias portuguesas.
Lembro-me que a oportunidade criou a primeira bilionaria. O Povo chucha no dedo.
E caso para se dizer que o “tiro saiu pela culatra”
Porca miseria!