A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que cerca de 300 milhões de pessoas em todo o mundo vivem com depressão, tornando-a, juntamente com a ansiedade, uma das condições mentais mais diagnosticadas por profissionais de saúde mental. Estes dois transtornos representam, anualmente, custos globais de aproximadamente um bilião de dólares (trillion, em inglês), sobretudo devido ao impacto negativo na produtividade e às ausências no trabalho (WHO, Mental Health at Work, 2023). No entanto, estes números são limitados, uma vez que se baseiam apenas em casos oficialmente diagnosticados e documentados.
A forma como a depressão é percebida e tratada mudou ao longo da história. Estudos em diversas áreas, como a psicologia, a antropologia, a sociologia, a filosofia e a história, mostram que tanto os egípcios como os mesopotâmios e os helénicos já observavam sintomas semelhantes aos da depressão, que eram atribuídos a causas espirituais, à ira dos deuses ou ao desequilíbrio dos ‘humores’ corporais.
Uma breve história da depressão
Hipócrates (460 – 370 a.C.), um dos pioneiros da medicina na Grécia Antiga, acreditava que sintomas como tristeza, apatia, insónia, pensamentos obsessivos e desânimo eram provocados pelo excesso de bílis negra no organismo. Foi a partir desse conceito que surgiu o termo melancolia, junção de duas palavras gregas que significam, literalmente, mélas (negro) e kholé (bílis).
Já Aristóteles (384 – 322 a.C.), outro filósofo grego, embora reconhecesse o sofrimento associado à melancolia, afirmava que as pessoas com essa condição eram dotadas de inteligência, inventividade e genialidade. Essa visão repercute até hoje nos debates sobre a relação entre a complexidade emocional e a criatividade.
A Medicina Tradicional Chinesa, que surgiu por volta de 500 a.C., entende os sintomas da depressão como um desequilíbrio energético entre duas forças opostas e complementares: o Yin, associado ao frio, à escuridão, ao repouso e à feminilidade, e o Yang, ligado ao calor, à luz, ao movimento e à masculinidade. Os sintomas depressivos refletem, assim, uma desarmonia no fluxo da energia vital (Qi) que afeta os órgãos e vísceras.
Nas sociedades árabes medievais (séculos VIII – XIII), os problemas mentais eram interpretados como uma desconexão entre a mente e o corpo, em que um influenciava o outro tanto no adoecimento como na cura. Estudiosos como Rhazes (865 – 925 d.C.) e Avicena (980 – 1037 d.C.) procuraram compreender a melancolia (ou bílis negra) e outras condições mentais, sem recorrer a explicações sobrenaturais, tratando-as como fenómenos de natureza física. Com esta abordagem, os árabes anteciparam, em certa medida, as investigações experimentais e a observação sistemática das ciências modernas.
Durante a Idade Média, na Europa, a melancolia era frequentemente associada a um castigo divino ou até mesmo a um sinal de possessão demoníaca. Essa perceção levou muitas pessoas a serem submetidas a exorcismos ou penitências religiosas. A Igreja Católica, influenciada pela visão moral-religiosa de Santo Agostinho (354 – 430 d.C.), utilizava o termo ‘acédia’ para descrever a ‘preguiça espiritual’, bem como sintomas melancólicos, como a tristeza, o cansaço físico e a apatia, especialmente entre os religiosos.
Contudo, a partir do século XIV, com as transformações culturais e as mudanças de perspetiva sobre o mundo – como o que se convencionou chamar de Renascimento (XIV – XVI) e Iluminismo (XVII – XVIII), por exemplo –, a razão passou a ser cada vez mais valorizada. Esse processo, embora lento e gradual, abriu caminho no Ocidente para uma compreensão mais empírica e menos espiritualizada dos problemas mentais.
No século XIX, com o desenvolvimento das ciências, tal como as conhecemos hoje, os sintomas melancólicos passaram a ser estudados de forma mais sistemática. O termo melancolia foi substituído por depressão, e novas abordagens terapêuticas começaram a ganhar espaço. Na transição do século XIX para o XX, as ciências psicológicas desenvolveram diferentes métodos e técnicas e, na década de 1950, surgiram os primeiros fármacos antidepressivos, marcando uma nova fase no tratamento da depressão. Atualmente, a depressão é reconhecida como uma condição complexa e multifatorial, que exige uma abordagem integrada e baseada em evidência científica.
A depressão nos dias de hoje
Nas sociedades contemporâneas, caracterizadas por um ritmo acelerado e pela constante busca de produtividade e bem-estar, observa-se uma tolerância cada vez menor à dor emocional e uma expectativa idealizada de felicidade. Essa pressão por estar sempre ‘bem’, ser proativo, empreendedor e eficiente distorce a nossa perceção de saúde mental, levando-nos a encarar momentos de tristeza, introspeção ou reflexão como problemas a serem resolvidos. No entanto, é importante distinguir a tristeza – uma emoção natural e passageira – da depressão, que é uma condição clínica mais complexa e intensa.
A depressão é uma perturbação afetiva definida por um conjunto de sintomas que incluem o humor deprimido (disfórico) e a anedonia (capacidade reduzida de ter prazer), marcada por tristeza profunda e persistente, falta de energia, alterações no sono e no apetite, e dificuldades de concentração. No entanto, o conteúdo dos pensamentos, a forma como interpretamos esses sintomas e o impacto que eles têm nas nossas vidas estão diretamente ligados às nossas crenças, lógicas e contextos históricos e socioculturais.
Os códigos culturais influenciam não só a forma como percebemos e nomeamos a depressão, mas também a disposição para procurar ajuda e os tipos de tratamento considerados adequados. Por exemplo, ainda hoje, em algumas sociedades, a depressão pode ser vista como sinal de fraqueza, falha moral, falta de vontade ou como resultado de venenos ou castigos espirituais, o que pode dificultar a procura de apoio profissional. Já noutros contextos, pode ser entendida como uma condição que requer cuidado e compreensão, ou como algo que se resolve de maneira simplista, apenas com orações, chás ou uma ‘pílula milagrosa’.
A seguir, apresento algumas perguntas frequentes sobre o Transtorno Depressivo Maior que nos ajudarão a compreender melhor esta condição e a refletir sobre os seus diversos aspetos, desde os sintomas até aos tipos de tratamento.
O que é o Transtorno Depressivo Maior?
O Transtorno Depressivo Maior (TDM), é um transtorno mental caracterizado por um estado persistente de humor deprimido e perda de interesse ou prazer em atividades que antes eram gratificantes. Este transtorno pode afetar profundamente a qualidade de vida, interferindo no trabalho, nos relacionamentos e nas atividades do dia a dia.
O Transtorno Depressivo Maior pode variar em gravidade?
Sim. O TDM pode apresentar diferentes níveis de gravidade, como ligeiro, moderado ou grave. A classificação baseia-se na intensidade dos sintomas, na interferência nas atividades diárias e na presença de características como risco suicida ou sintomas psicóticos.
Há diferentes tipos de problemas mentais com sintomas depressivos?
Sim, existem vários tipos de transtornos que apresentam sintomas associados à depressão. Estes transtornos diferem em duração, gravidade, fatores desencadeantes, as particularidades dos sintomas e outros sinais que podem estar presentes. Por exemplo, a Depressão com Características Atípicas manifesta-se através do aumento do apetite, sonolência excessiva e uma sensibilidade intensa à rejeição. A Depressão Pós-Parto, por sua vez, ocorre durante a gravidez ou após o nascimento do bebé, afetando o bem-estar da mãe e, em alguns casos, a relação com o recém-nascido. Já o Transtorno Depressivo Induzido por Substâncias ou Medicação resulta do consumo ou da abstinência de certos medicamentos, álcool ou drogas. A Distimia é uma forma crónica de depressão, com sintomas mais leves, mas que podem prolongar-se por anos. Há também o Transtorno Bipolar, que oscila entre episódios de mania (euforia e agitação) e depressão (tristeza profunda e desesperança). A lista continua. Por isso, o diagnóstico e o tratamento adequados dependem sempre da avaliação de um profissional de saúde mental.
O que significa a palavra ‘maior’ no TDM?
A expressão ‘maior’ no Transtorno Depressivo Maior refere-se à gravidade e à definição clínica do transtorno. O termo é utilizado para indicar que os episódios depressivos são bem definidos, severos e têm um impacto significativo no funcionamento diário da pessoa. Além disso, distingue o TDM de outros transtornos depressivos mais leves ou persistentes, nos quais os sintomas podem ser menos intensos, mais prolongados ou associados a outros fatores.
Quais os principais sintomas do Transtorno Depressivo Maior?
Os principais sintomas do TDM incluem humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, caracterizado por sentimentos de tristeza, vazio ou desesperança. Em crianças e adolescentes, este estado pode manifestar-se mais como irritabilidade. Outro sintoma central é a perda de interesse ou prazer em atividades que antes eram prazerosas.
Além disso, podem ocorrer alterações no peso ou apetite; insónia ou excesso de sono; agitação ou lentidão psicomotora; fadiga constante ou perda de energia; sentimentos excessivos de culpa ou inutilidade, muitas vezes desproporcionais em relação às circunstâncias vivenciadas; dificuldade de concentração ou indecisão; e pensamentos recorrentes sobre morte ou suicídio. Em alguns casos, o TDM pode incluir sintomas psicóticos, como alucinações ou delírios.
Como é feito o diagnóstico?
Para ser diagnosticado, o Transtorno Depressivo Maior exige que, pelo menos, cinco dos sintomas estejam presentes durante duas semanas ou mais, causando sofrimento significativo ou prejuízos no funcionamento social, profissional ou noutras áreas importantes da vida. No entanto, esses sintomas não devem ser explicados por outras condições médicas ou pelo uso de substâncias.
é possível ter apenas um único episódio de depressão?
Sim, é possível ter apenas um único episódio de depressão. No entanto, quando esses episódios se repetem, caracteriza-se o Transtorno Depressivo Maior, que é uma condição crónica que pode exigir tratamento contínuo para prevenir recaídas. A diferença entre o Episódio Depressivo Maior e o Transtorno Depressivo Maior é que o primeiro ocorre uma única vez, já o segundo, envolve múltiplos episódios ao longo da vida.
Qual a diferença entre depressão, luto e tristeza?
A tristeza é uma emoção natural, situacional e passageira, geralmente ligada a eventos específicos, como uma deceção ou perda. Já o luto é uma resposta emocional à perda de alguém ou algo significativo, caracterizado por sentimentos de vazio e saudade, que podem alternar entre dor emocional e momentos de alívio ou lembranças positivas. O luto tende a diminuir com o tempo e está associado a pensamentos sobre o que foi perdido. Já a depressão é marcada por humor deprimido constante e a incapacidade de sentir prazer, mesmo em situações que antes eram gratificantes.
Ao contrário do luto e da tristeza, a depressão envolve sentimentos de desvalia, culpa excessiva e pensamentos autodepreciativos, que podem ser acompanhados de ideação suicida. Enquanto o luto e a tristeza podem preservar a autoestima, a depressão compromete a visão que a pessoa tem de si mesma, afetando significativamente o seu dia a dia.
Quais as causas do Transtorno Depressivo Maior?
De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5-TR) e a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-11), as causas do TDM são multifatoriais, envolvendo aspetos biológicos, psicológicos, ambientais e sociais.
Entre os fatores biológicos, destacam-se a predisposição genética, desequilíbrios nos neurotransmissores (como a serotonina, a noradrenalina e a dopamina), alterações hormonais, doenças crónicas (como a diabetes ou problemas cardiovasculares) e efeitos colaterais de medicamentos. Condições como cancro ou dor crónica também podem contribuir.
Nos fatores psicológicos, incluem-se experiências traumáticas na infância (abuso, negligência ou perdas), características de personalidade (como a baixa autoestima ou o perfecionismo, por exemplo) e padrões de pensamento negativos (ruminação excessiva, visão pessimista, entre outros).
Já os fatores ambientais e sociais envolvem eventos stressantes (luto, divórcio, desemprego), isolamento social, pobreza, exposição a ambientes hostis e estilo de vida inadequado (má alimentação, sedentarismo, abuso de substâncias). Fatores socioculturais, como estigmas, discriminação e pressões sociais ou familiares, também influenciam.
Esses fatores podem atuar como desencadeantes, mas não é necessário que todos estejam presentes, nem que uma pessoa exposta a essas situações desenvolva sintomas depressivos. Por isso, é fundamental realizar uma avaliação profissional para identificar as causas e estabelecer um diagnóstico preciso.
A depressão tem relação com espíritos, maldições ou feitiços?
Embora essas crenças possam fazer parte de determinados contextos culturais ou religiosos, não há evidências científicas que associem a depressão a fenómenos como espíritos, maldições ou feitiços. Essas lógicas sociais, mesmo que não sejam a causa da depressão, podem influenciar a maneira como as pessoas experienciam este transtorno e os tratamentos disponíveis. Por isso, os profissionais de saúde mental procuram respeitar as crenças individuais, ao mesmo tempo que mantêm uma abordagem clínica baseada em práticas científicas comprovadas, garantindo um cuidado eficaz e adequado.
Como é feito o tratamento do TDM?
O tratamento envolve uma abordagem combinada, adaptada à gravidade dos sintomas e às necessidades individuais. As principais opções terapêuticas incluem psicoterapia, medicação antidepressiva – como os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) ou os inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina (IRSN) – e mudanças no estilo de vida, como a prática regular de exercício físico e uma alimentação equilibrada. Além disso, a participação em grupos de apoio e atividades comunitárias pode ajudar na recuperação, proporcionando suporte emocional e diminuindo o isolamento social. Técnicas complementares, como a meditação, a atenção plena e o yoga, são também frequentemente utilizadas para gerir o stresse e promover o bem-estar mental. A combinação destas estratégias, sempre com o acompanhamento profissional, tem como objetivos identificar as causas e os gatilhos da depressão, aliviar os sintomas, reestruturar padrões de pensamento disfuncionais, melhorar a qualidade de vida e prevenir recaídas.
Alessandro Boarccaech é psicólogo, especialista em psicologia clínica, psicoterapeuta, semiótico e Ph.D. em antropologia.