Quase todas as noites, Martinha senta-se com a filha no passeio de uma rua de Díli à espera de um gesto de solidariedade. Viúva e sem emprego, vive com três filhos numa casa que não os protege da chuva. Pede ajuda ao Estado para recomeçar — mas ninguém lhe responde.
A noite cai em Bidau, uma zona movimentada da cidade de Díli. Em frente a uma loja encerrada, uma mãe e a sua filha pequena sentam-se no passeio, envoltas na escuridão e na esperança de um gesto de solidariedade de quem passa. É uma imagem dura, comovente, que se repete quase todos os dias, mas que continua a passar despercebida a muitos.
Martinha de Almeida tem cerca de 40 anos e carrega sozinha o peso de criar três filhos. Casou-se duas vezes. Do primeiro casamento nasceram dois filhos. Do segundo, uma filha. Desde a morte do segundo marido, em 2021, a estabilidade desapareceu e a responsabilidade recaiu inteiramente sobre ela. “Quando o meu segundo marido estava vivo, nunca faltava comida em cima da mesa. Ele trabalhava como guarda numa embaixada. Eu cuidava das crianças de famílias ricas”, recorda.
Sem emprego fixo, sem apoio do Estado e com ajuda familiar escassa, Martinha viu-se obrigada a pedir esmola na rua. Desde 2022, senta-se à noite em frente a uma loja em Bidau. Quem por ali passa, como guardas e vendedores de bananas, já conhece o seu rosto. “Muita gente passa por aqui. Essas pessoas conhecem o meu caso”, conta.
Martinha vive com os filhos em Bemori, numa casa precária onde a água da chuva entra pelo teto. “Quando chove, a água entra através do teto”, descreve. Às vezes, só há canja para comer. Quando pode, vai ao convento das madres pedir ajuda para comprar arroz, sabão e outros bens essenciais. “Nem sempre recebo doações. Às vezes são dois ou três dólares por dia, e tenho de os fazer durar durante dois ou três dias”, lamenta.
Os filhos também sentem o peso da pobreza. O mais velho tem 18 anos, o segundo 12 e a menina mais nova, que a acompanha à noite, tem cerca de cinco anos e ainda não frequenta a escola. Os dois rapazes foram forçados a abandonar os estudos devido às dificuldades económicas. “Não há dinheiro. Os dois mais velhos já deixaram de estudar”, lamenta Martinha. Um deles frequentava a escola Nobel da Paz, onde a mensalidade é de quatro dólares. “Os professores também pediram para comprar uniformes, mas não temos dinheiro. Por isso, eles tentaram procurar trabalho. Qualquer coisa: lavar roupa, pequenos serviços. Mas não encontraram nada.”
Agora, ajudam a mãe a tentar sobreviver. Apesar do esforço, ninguém os quer contratar. Martinha sofre de colesterol elevado e de dores nas pernas, o que dificulta a sua mobilidade. “Tomei os medicamentos receitados pelos médicos, mas não vejo efeito”, afirma. Trabalhou como empregada doméstica, mas foi despedida por já não conseguir estar muito tempo de pé. “Até hoje continuo à procura de trabalho, mas ninguém quer empregar nestas condições.”
Desde dezembro do ano passado, tem batido de porta em porta: foi a Taibessi, Comoro, várias lojas chinesas. Pediu para lavar roupa, fazer limpezas, qualquer trabalho. “Olham para a minha maneira de andar e ficam com medo de me contratar”, desabafa.
“Para conseguir sabão para lavar a roupa, ainda tenho de pedir ajuda às irmãs (madres), e o arroz que conseguimos comer muitas vezes vem do dinheiro que recebo à noite”, acrescenta.
Martinha deixou de estudar no segundo ciclo do ensino básico devido a uma grave crise de asma. A sua rotina é simples e dura: limpa a casa, prepara o pequeno-almoço — quase sempre canja — e cultiva papaieiras. “Com sorte, às vezes conseguimos comer carne. Quando tenho algum dinheiro, compro ovos e sate. Mas, numa semana, só dá para comer uma vez.”
Nos dias em que ainda tem alguma comida, fica em casa. Nos outros, sai para as ruas de Díli a pedir ajuda. O seu maior desejo é ver os filhos de volta à escola. “Mas o Governo ainda não deu qualquer apoio. Já fui ao Ministério da Solidariedade Social, mas não recebi nada. Sou viúva. Ninguém me ajuda. Outros familiares recebem apoio do ministério. Eu, não”, lamenta.
Martinha sentiu-se especialmente injustiçada quando viu um vídeo no YouTube, onde a Ministra da Solidariedade Social e Inclusão ajudava uma família em Lagoa de Tasi-Tolu. “Fiquei com inveja. Aquela mulher tinha marido, arrendaram casa, e a equipa do ministério ajudou logo. E a mim? Nada. Parece que não sou cidadã.”
Acredita que, com um pequeno apoio, conseguiria mudar a sua situação. “Se o Governo me ajudasse, já estaria a vender arroz embrulhado ou cigarros. Só preciso de 100 ou 150 dólares para abrir um pequeno negócio.”
Apesar das dificuldades, recusa-se a enveredar por caminhos errados. “Os meus familiares às vezes ajudam, mas não é sempre. E antes de darem algum dinheiro, temos de ouvir insultos. Isso faz-me sentir mal. Por isso, decidi sentar-me aqui. É melhor pedir do que roubar.”
A história de Martinha é o espelho da realidade de muitos timorenses. Segundo o Índice de Pobreza Multidimensional da ONU de 2023, cerca de 42% dos 1,3 milhões de habitantes de Timor-Leste vivem em situação de vulnerabilidade e mais de 24% sobrevivem com menos de 2,15 dólares por dia.
O Censo de 2022 revela que 20% das crianças entre os 6 e os 18 anos não frequentam a escola. Entre os 19 e os 29 anos, a taxa de abandono sobe para 70%. Além disso, 45% da população entre os 3 e os 29 anos não tem acesso à educação.