Na pele de uma criança vendedora de cigarros: quando os sonhos resistem à pobreza e ao abandono

Amanu a vender cigarros no Largo Lecidere/Foto: Diligente

Amanu tem 13 anos e vende cigarros na rua para ajudar os pais e o irmão desempregado. Teve de abandonar a escola depois de vários episódios de agressão por parte de colegas, mas continua a sonhar: quer ser motorista de autocarro, renovar a casa dos pais e voltar a estudar.

No meio da agitação constante da cidade de Díli, onde quase não há silêncio, um rapaz chamado Zenino Pires, de 13 anos, mais conhecido por Amanu, pode ser visto todos os dias a vender cigarros numa esquina da zona do Largo Lecidere. De roupas simples e sorriso persistente, enfrenta o sol escaldante para ajudar os pais idosos.

Filho de pequenos agricultores de Watulari, Amanu cresceu no seio de uma família modesta. Tem um irmão mais velho, que também sustenta a família. Há um ano, ainda era aluno do ensino básico em Watulari. Deveria estar no sexto ano. Mas agora, é uma criança que já não estuda e que migrou para a capital para procurar sustento. Não foi a preguiça que o afastou da escola, mas sim a violência repetida por parte de colegas. “Da última vez, obrigaram-me a comprar cigarros para eles. Como recusei, bateram-me”, contou Amanu.

A recordação mais marcante foi quando foi agredido com um pedaço de madeira por vários colegas. “Bateram-me porque diziam que eu tinha agredido o irmão de um deles. Mas não fui eu. Essas coisas já aconteciam há muito tempo”, recordou em voz baixa.

A decisão de abandonar a escola deixou os pais inquietos. Ainda assim, Amanu insistiu em vir ter com o irmão mais velho, que já estava em Díli, para o ajudar e, um dia, voltar a estudar. Vive agora com ele e ajuda a vender cigarros nas ruas. Antes disso, vendia peixe em Watulari. “A minha mãe e o meu pai não disseram nada, mas sei que ficaram desiludidos”, confessou. O irmão concluiu a universidade, mas continua desempregado, por causa da crise económica e de um sistema marcado pelo nepotismo. “O meu irmão já se formou, mas ainda não conseguiu emprego”, disse Amanu com inocência.

Enquanto outras crianças brincam, Amanu procura formas de ganhar dinheiro. E quando lhe perguntam o que sonha ser, a resposta é simples, mas invulgar: “Quero ser cobrador de autocarro e aprender a conduzir. Depois quero ser motorista e juntar dinheiro para comprar o meu próprio autocarro.”

Uma criança pequena já traçou um futuro inteiro, mesmo sob a sombra da pobreza. Os pais vivem numa casa com paredes de madeira. “Quando tiver o meu próprio autocarro e muito dinheiro, a primeira coisa que vou fazer é arranjar a casa da minha mãe e do meu pai”, disse cheio de esperança.

É o retrato de uma criança que tenta sobreviver ao lado do irmão, numa cidade grande. Os cigarros que vende custam 25 centvados cada e trabalha das primeiras horas da manhã até ao início da tarde. Ganha—se tiver sorte—cerca de 20 dólares por dia. O dinheiro é todo para sustentar a família. “No início, o meu irmão não me deixou ajudar. Mas como estávamos com pouco dinheiro e eu queria muito contribuir, acabou por deixar”, disse em voz baixa.

Atualmente, os dois vivem com um familiar e enfrentam, juntos, as dificuldades da vida em Díli. Embora a Constituição de Timor-Leste reconheça o direito das crianças à proteção contra negligência, abuso e exploração, a realidade está longe da lei.

Segundo a Comissão Nacional de Combate ao Trabalho Infantil, entre 2016 e 2022 foram identificadas quase 52 mil crianças, dos 5 aos 17 anos, envolvidas em formas de trabalho inadequadas à sua idade. Já os dados do censo de 2022 apontam que uma em cada cinco crianças entre os 6 e os 18 anos está fora da escola. Entre os jovens dos 19 aos 29 anos, 70% já não continuam os estudos. No total, cerca de 45% dos timorenses entre os 3 e os 29 anos estão fora da educação formal.

A história de Amanu é o retrato de um sistema que falha em proteger os mais novos. Com apenas 13 anos, viu-se forçado a abandonar a escola por não se sentir seguro. Para sobreviver, passou a vender cigarros, a única forma de ajudar a família. O Estado promete proteção, mas Amanu tem de garantir o pão de cada dia.

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